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O que é a PEC da indústria de armas do Rio de Janeiro e quais seus efeitos

Em carta aberta, organizações da sociedade civil se opõem à proposta que facilita a produção de armamento no estado

Rafael Ciscati

10 min

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A assembleia legislativa do Rio de Janeiro deve votar, nesta terça-feira (11), uma proposta de emenda à constituição que, caso aprovada, facilitará a produção e comercialização de armas e munições no estado. De autoria do deputado estadual Alexandre Freitas (Novo) a proposta revoga o artigo 367 da constituição estadual. Hoje, com o artigo em vigor, os governos estaduais e municipais estão proibidos de autorizar o funcionamento de fábricas de armamentos nos 92 muncípios da região.

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Apresentado em maio do ano passado, o texto surgiu na esteira do decreto presidencial do dia 07 de maio de 2019, que flexibilizou o uso e aquisição de armas de fogo, e liberou a importação de armamento. O texto seria, posteriormente, revogado — mas a ampliação do acesso a armas de fogo foi mantida. À época, em entrevista ao jornal O Globo, Freitas afirmou que seu objetivo, ao propor a PEC, era movimentar a economia fluminense: “Um estado que está na crise que o Rio está não pode se dar ao luxo de escolher que empresas vai receber”, afirmou o parlamentar. Ainda segundo ele, “na mão da pessoa certa” uma arma “salva vidas”.

Num texto curto, Freitas justificou a proposta afirmando que novos fabricantes de armamento demonstram interesse no mercado brasileiro “e, neste momento de recuperação econômica, é urgente que o Rio entre nessa disputa”.

Para ser aprovada, a PEC precisa receber o apoio de 42 parlamentares. A votação é nominal, dividida em dois turnos.

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Para especialistas em segurança pública e organizações sociais, se aprovada, a medida vai aumentar o cenário de insegurança e violência no estado. Em carta aberta divulgada nesta segunda-feira (10), 47 coletivos e organizações declaram se opor à proposta. “A aprovação desta PEC das Armas indica a intensificação de um projeto político baseado no aumento da militarização da vida para a população fluminense”, afirmam os grupos reunidos no documento. São signatários da carta grupos como o Instituto de Estudos da Religião (Iser), a Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial (Idmjr) e a Uneafro Brasil.

Segundo as organizações, é equivocada a justificativa apresentada para o projeto. A indústria de armamento, explica a carta, gera poucos postos de trabalho, porque exige mão-de-obra extremamente especializada.“ Os postos de empregos gerados por fabricantes de armas necessitam de uma alta qualificação, são empregos específicos e para um alto grau de escolaridade e especialização”, diz o texto.

Um twitaço foi marcado para acontecer nesta terça, a partir das 11h, em oposição à proposta.

Leia a íntegra da carta abaixo:
O Deputado Estadual Alexandre Freitas (NOVO) elaborou a proposta de Emenda Constitucional nº 12/2019 que revoga o Art. 367 da Constituição Estadual, retirando a proibição de que estados e municípios concedam autorização para o funcionamento de indústrias de armamentos no Estado do Rio de Janeiro. A aprovação desta PEC das Armas indica a intensificação de um projeto político baseado no aumento da militarização da vida para a população fluminense.
Dado o atual contexto de crise econômica e sanitária no Estado devido a persistente pandemia de Covid-19, a Alerj deveria ter como prioridade o enfrentamento ao novo coronavírus através da garantia de proteção social para a população. Entretanto, estamos assistindo uma tentativa de utilizar-se dos cruéis impactos econômicos da pandemia de Covid-19 para implementar favorecimentos a indústria armamentista no Rio de Janeiro em detrimento ao fortalecimento das indústrias de transformação já existente em solo fluminense e que estão passando por sérias dificuldades neste período de retração econômica.

A justificativa apresentada pelo Deputado Estadual Alexandre Freitas (NOVO) é completamente equivocada. Haja vista, que a indústria de armas é altamente dependente das verbas públicas, já que entre seus principais clientes estão as polícias federal e estaduais, além da indústria armamentista ser totalmente submetida a necessidade de políticas públicas direcionadas, resultando em constante lobbies e captura corporativa do Estado. Ressalta-se também que a fabricação de armas não gera engajamentos produtivos e nem fortalece o desenvolvimento regional fluminense.

Ademais, a dita geração de empregos após a instalação de fábricas de armas no Rio de Janeiro é uma falácia. A indústria armamentista gera poucos postos de empregos e não absorve a grande massa de trabalhadores que possuem baixa escolaridade. Pelo contrário, os postos de empregos gerados por fabricantes de armas necessita de uma alta qualificação, são empregos específicos e para um alto grau de escolaridade e especialização. O que leva a importação de recursos humanos de outras áreas fora do território fluminense.

Estamos assistindo a um incentivo à indústria armamentista travestido de geração de empregos, lembrando que as fabricantes de armas possuem um alta intensidade tecnológica e um baixa utilização de força de trabalho, gerando pouco volume de postos de trabalho.

Em 2019, o Brasil utilizou US$ 26,2 bilhões em gastos militares, sendo 11º país do ranking mundial que mais utiliza orçamento pública para fins militares, correspondendo a 51% do total de gastos militares em toda América Latina. As vendas de munições dispararam no Brasil, em maio, foram vendidos mais de 2 mil cartuchos por hora. Alta ocorreu após portaria do governo federal ampliar limite de compra para pessoas físicas.

Apenas em 2020, de janeiro a maio, o crescimento no volume de unidades comercializadas foi de 98% em comparação com o mesmo período de 2019, e de 90%. Apenas em maio, foram vendidas mais de 1 milhão de cartuchos no varejo nacional, o que não levou ao aumento da geração de empregos e sim da intensificação tecnológica para prover o aumento da produtividade/horas de trabalho.

Segundo o Ministério da Justiça (MJ), no início da década de 2010, mais da metade das armas de fogo que circulam no país é ilegal e de acordo com a Polícia Federal, a maior parte das armas apreendidas no Brasil vem do Paraguai e dos Estados Unidos. A criminalidade só existe porque há participação direta no Estado. Dentro da lógica de acumulação de capital na sociedade capitalista a polícia vai criando seus negócios, como grupos de extermínio, segurança privada ilegal e com o projeto de Milicialização enquanto política de segurança pública, onde as milícias controlam atividades econômicas inteiras em favelas, também disputam o comércio do tráfico de drogas.

Uma política de segurança pública que têm como alvo a juventude negra periférica, em que a “guerra às drogas” resulta em encarceramento em massa e legitimação do extermínio dos corpos negros e quem nem de longe combate a megaestrutura das indústrias de armas e drogas. Enquanto isso, o atual cenário econômico do Rio de Janeiro é de intensa retração da atividade econômica, deterioração a estrutura produtiva e arrefecimento da dinâmica do mercado de trabalho devido a permanência da crise econômica, financeira e fiscal vivenciada no estado e agravada pelos efeitos da pandemia mundial de Covid-19 e da queda do preço do petróleo – a principal commodities de exportação fluminense.

Estamos vivendo uma recessão econômica pior do que a crise de 1929, que quebrou mercados e indústrias ao redor de todo o mundo, mas a implantação de indústrias armamentistas no estado do RJ não resolverá esse problema por tudo que já apresentamos. Não somos contrários a geração de postos de trabalho e arrecadação econômica, mas isso só é possível diagnosticando as principais vocações econômicas do Estado e de sua população.

E não, com uma indústria armamentista altamente tecnológica e com grande impacto socioambiental  que contamina e ocupa recursos que poderiam ser destinados ao desenvolvimento social para a população fluminense. Em 1987 a conferência da ONU sobre Desarmamento apontou entre outras sugestões para construção da paz e da segurança internacional que os Estados Nacionais construíssem legislações que diminuísse a circulação e produção de armas. Esse processo global legitimou a luta de diversas rede de mães e familiares vítimas da Violência de Estado pela aprovação tempos depois do Estatuto do Desarmamento. Nos últimos 4 anos, com normas mais rígidas para o acesso a armamentos em vigor, o SUS (Sistema Único de Saúde) gastou R$ 191,33 milhões com atendimentos de pessoas baleadas, segundo levantamento feito pelo Ministério da Saúde em 2019.

A implantação das fábricas de armas em nosso estado pode gerar mais custos aos cofres públicos, dado o aumento dos fatores de produção somada a flexibilização do uso de armas de fogo em curso em nosso país, resultando em uma possível sobrecarregar a saúde pública.

Assinam esta carta aberta, tais organizações e coletivos:

– Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – Justiça Global – Ong Eu Sou Eu – Rede de Comunidades e Movimento Contra a Violência. – Geni/UFF – Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense-RJ – MJPOP – Monitoramento Jovem de Políticas Públicas – Instituto Marielle Franco – Criola – Observatório de Favelas – AMAR – Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco – AFAPERJ – Associação dos Familiares e Amigos dos Presos e Egressos do Estado-RJ – Bordadeiras da Coroa – Mães de Manguinhos – IDI / Instituto por Direitos e Igualdades -Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela – Movimento Favelas na Luta – Educafro – Fórum Social de Manguinhos – Articuladas – Mulheres no Enfrentamento à Violência Institucional – Movimento Negro Unificado – Movimenta Caxias – Uneafro Brasil – Movimento Popular de Favelas – Coletivo Recriando Manguinhos- Nossas Crianças Tem Voz! – Quilombo Raça e Classe – UBM/ União Brasileira de Mulheres – Elas Existem- Mulheres Encarceradas – Coletivo Parem de Nos Matar – Camelôs Unidos – Movimento São Gonçalo Vale a luta – Redes da Maré – Instituto de Formação Humana e Educação Popular (IFHEP) – Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste – Teia de Solidariedade Zona Oeste – Coletivo Minas da Baixada – Coletivo Tod@xs Unid@xs – Confederação Nacional das Associações de Moradores – Movimento Moleque – Iser – Frente Estadual pelo Desencarceramento RJ – Movimento Candelária Nunca Mais – Rede Nacional de Mães e Vítimas do Terrorismo do Estado – Secretaria de Igualdade Racial – CUT Rio -Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB – Casa Fluminense – Central de Movimentos Populares – CMP RJ

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