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O avanço do garimpo e da violência na terra indígena Munduruku

Há mais de 30 anos, os Munduruku denunciam o garimpo ilegal. Na quarta-feira, criminosos incendiaram a casa de Maria Leusa Munduruku, liderança premiada pelo ONU

Rafael Ciscati

6 min

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Garimpeiros ilegais incendiaram casas na Terra Indígena Munduruku, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará. Os ataques aconteceram nesta quarta-feira (26). Segundo relatos de lideranças indígenas, grupos de homens armados organizaram um  cerco à aldeia Fazenda Tapajós. A casa da líder indígena Maria Leusa Munduruku foi incendiada. Coordenadora da Associação Wakoborun de Mulheres Munduruku, Maria Leusa é ferrenha opositora do garimpo ilegal. Em março deste ano, a sede da Associação Wakoborun, em Jacareacanga, foi vandalizada, numa tentativa de intimidação.

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Segundo áudios enviados por Maria Leusa no início da tarde de ontem, um grupo de garimpeiros invadiu a aldeia portando armas e exibindo galões de gasolina. “Chegaram na minha casa, vão queimar tudo aqui. Eles chegaram aqui, um grupo muito grande. Aciona todo mundo, que estou aqui super preocupada”, disse a liderança pelo WhatsApp, antes de o acesso à internet ser cortado. As informações são do Instituto Socioambiental (ISA).

De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, a onda de violência é uma retaliação à operação Mundurukânia, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ibama. Iniciada na terça-feira (25) a operação conta com apoio da Força Nacional e da Fundação Nacional do Índio, e pretende desarticular os garimpos ilegais em funcionamento nas Terras Indígenas (TIs) Munduruku e Sai Cinza.

Policiais federais ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo contam que o grupo de garimpeiros reunia cerca de 100 pessoas. Antes de atacar a aldeia, a turba avançou contra o posto da PF na cidade. Os policiais reagiram com bombas de gás lacrimogênio.

Na tarde de ontem, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu nota cobrando ação imediata do governo brasileiro contra a violência dos garimpeiros: “A #CIDH insta o Estado de #Brasil a apurar os fatos e sancionar os responsáveis com devida diligência, garantindo o enfoque étnico-racial nos procedimentos. Além disso, chama a enfrentar as causas subjacentes que resultam na falta de proteção dos territórios do povo Munduruku”, escreveu a entidade no Twitter.

A ação criminosa foi condenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que destacou a vulnerabilidade dos povos indígenas da região frente ao avanço do garimpo: “Mais uma vez, vidas indígenas estão ameaçadas pelo garimpo e por garimpeiros na Amazônia. A rotina de terror se repete também na TI Yanomami, em Roraima, sob ataque intenso desde o início do mês”.

Avanço do garimpo na TI Munduruku
Localizada na margem direita do rio Tapajós, a TI Munduruku abriga cerca de 145 aldeias e 14 mil pessoas. Além dos Munduruku, vivem ali outros grupos de indígenas isolados. A TI é próxima de outras duas Terras Indígenas, também alvo do garimpo: as TI Sai Cinza e Kayabi.

Há pelo menos três décadas, os Munduruku denunciam a invasão de garimpeiros aos seus territórios. Segundo nota do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai) registraram  a presença de um garimpo ilegal na região já no início dos anos 1990. O garimpo continua em atividade ainda hoje, apoiado por grupos empresariais e políticos.  Vídeos obtidos pelo MPF mostram que, além de armas, os criminosos contam com helicópteros e com maquinário pesado, como pás carregadeiras. Apesar das sucessivas denúncias, somente em 2018 foram organizadas operações de combate à garimpagem.

Mesmo assim o problema persistiu — e se agravou, em parte, com a anuência do poder público. Em agosto de 2020, uma ação de fiscalização iniciada pelo Ibama foi interrompida após uma visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à região. No dia seguinte à visita de Salles, segundo o MPF, um grupo de sete garimpeiros foi transportado, num voo da Força Aérea Brasileira (FAB), de Jacareacanga até Brasília, onde teriam participado de reunião com o ministro. No grupo, estava o garimpeiro Adonias Kaba Munduruku, apontado como responsável pelo incêndio da casa de Maria Leusa Munduruku nesta quarta-feira.

Além da escalada de violência, o garimpo traz prejuízos à saudade da população indígena. O mercúrio, usado no processo de exploração mineral, contamina os rios e os peixes — base da dieta indígena. A terra arrasada deixada pelo garimpo faz aumentar a ocorrência de malária. Em meio à pandemia de covid-19, a circulação de garimpeiros ainda contribui para a disseminação do Sars-Cov-2 entre indígenas: em 2020, 31 Mundurukus morreram vítimas da doença.

Já em março deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) pediu que forças federais atuassem na região de Jacareacanga, para conter as invasões. No dia 24 de maio, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o governo federal deve retirar os invasores das terras indígenas Yanomami (Roraima) e Munduruku (Pará).

Liderança ameaçada

Importante liderança Munduruku, Maria Leusa capitaneou a criação, em 2018, da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun. O nome faz referência a uma dos mitos de seu povo: a história da guerreira Wakoborun, notável por sua coragem. De saída, o objetivo da associação era se opôr aos projetos de hidrelétricas planejadas para a bacia do rio Tapajós.

Antes disso, em 2014, Maria Leusa fez parte do movimento que promoveu a auto-demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, outro território historicamente ocupado pelos Munduruku no Pará. Segundo reportagem da Agência Pública, o governo brasileiro planejava construir uma hidrelétrica na região e, por isso, resistia em prosseguir com a demarcação. Frente à morosidade do Estado, Maria Leusa e seus companheiros percorreram toda a área da Terra Indígena, demarcando seus limites conforme especificados em relatório da Funai.

Pela iniciativa, Maria Leusa foi premiada pela Organização das Nações Unidades (ONU) em Paris, em 2015, durante a Conferência das Partes (COP21). “Nós, Mundurku, estamos fazendo o caminho inverso ao feito pelos europeus há 500 anos, para dizer ao mundo que vamos resistir até o último homem contra a construção das hidrelétricas no rio Tapajós”, disse, na ocasião.

Durante todo esse tempo, Maria Leusa conta ter recebido ameaças à sua vida e de sua família. Elas se intensificaram nos último dois anos, conforme o conflito com os garimpeiros recrudesceu. Na última quarta-feira, sua casa foi incendiada pelos criminosos.

Foto de topo: cada de liderança indígena é incendiada em Jacareacanga / Reprodução

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