Em ato por Moïse, manifestantes pedem justiça e fim do racismo
Congolês foi torturado e morto depois de cobrar salários em atraso. Na avenida Paulista, imigrantes e representantes do movimento negro apontam vulnerabilidade de refugiados
Rafael Ciscati
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Quando a cantora sul-africana Nduduzo Siba tomou o microfone, sua voz soou firme e alta : ” Moïse chegou ao Brasil aos 11 anos. Como é possível que ainda chamemos ele de refugiado?” disse, se referindo ao jovem congolês assassinado, aos 24 anos, no Rio de Janeiro. Nduzo se dirigia a multidão apinhada diante do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na manhã deste sábado (5). Convocado por movimentos sociais e por organizações de defesa dos direitos dos migrantes o ato reunia, segundo seus organizadores, cerca de 2 mil pessoas na avenida Paulista, região central da cidade. Eram pessoas que queriam honrar a memória de Moïse e cobrar respostas para um crime bárbaro.
Na segunda-feira (24) , Moïse Kabagambe foi torturado e morto pelos funcionários de um quiosque onde trabalhava na Barra da Tijuca. Segundo seus familiares, tinha ido cobrar do patrão o pagamento por dois dias de trabalho. ” Eu fugi da República Democrática do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram meu filho aqui como matam em meu país “ afirmou a mãe de Moïse ao jornal O Globo.
Na Avenida Paulista, imigrantes de diferentes nacionalidades, representantes do movimento negro e figuras políticas se revezaram ao microfone em depoimentos indignados, que exigiam do governo ações de combate ao racismo e o estabelecimento de mecanismos capazes de proteger a vida de pessoas refugiadas. “Cadê o acolhimento? Acolham a gente “, seguiu Nduduzo, num grito recebido por aplausos.
O assassinato de Moïse chamou a atenção para a situação de vulnerabilidade em que vivem refugiados no Brasil. E para o racismo que acompanha as experiências de migrantes não-brancos. São problemas que Nduduzo conhece. Aos 33 anos, oito deles passados no Brasil, a cantora corre o risco de ser expulsa do país. Depois de ter cumprido pena em uma penitenciária paulista, acusada de ser “mula” para tráfico de drogas, Nduduzo recebeu um decreto de expulsão em 2018. Desde então, briga na justiça para permanecer no Brasil. ” Quando uma mãe acolhe uma filha em casa , ela não lembra essa filha, todo o tempo, que ela não pertence àquele lugar. Que ela não é dali. Isso não é acolher” afirmou. ” O Brasil precisa melhorar. Nossas histórias não podem ser apenas histórias de luta”.
Para a boliviana Yolanda Palacios, da Associação de Mulheres Bolivianas Luz e Vida, o crime contra Moïse precisa ser encaixado num contexto amplo de precarização de direitos — entre eles, os direitos trabalhistas — que afetam essas populações. “Devemos nos unir por uma pátria justa. Somos irmãos, e devemos estar juntos. Justiça é o que queremos”, afirmou, ao tomar o microfone.
O ato na Paulista aconteceu simultaneamente a manifestações semelhantes em Salvador, São Luís, Brasília, Natal, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na capital fluminense, o protesto transcorreu diante do quiosque Tropicália, onde Moïse foi espancado e morto. Presente à manifestação, a mãe do rapaz pedia justiça.
Foi essa também a tônica do evento em São Paulo, onde faixas e cartazes cobravam, ainda, a facilitação do processo de regularização migratória e a revogação da portaria 770/2019 do ministério da Justiça. Instituído durante a gestão do ministro Sérgio Moro, o texto estabelece regras para a deportação de estrangeiros considerados perigosos. A medida foi criticada por organizações da sociedade civil segundo as quais a portaria reduz as chances de a pessoa se defender.
Além da morte de Moise, os manifestantes relembraram casos recentes em que homens negros foram assassinados. Nos discursos, pediram justiça por Durval Teófilho Filho, homem negro morto a tiros pelo vizinho militar, que disse te-lo confundido com um bandido. “Nosso país não é uma pátria acolhedora para negros e indígenas” disse Regina Santos, do Movimento Negro Unficado (MNU), na manhã deste sábado. “Quero pedir desculpas à família de Moïse. Nossa resistência já dura 500 anos. Parem de derramar o sangue negro. Respeitem nossa história”.
A poucos metros dali, sob o vão livre do MASP, o congolês Grevisse (ele não quis divulgar seu sobrenome) erguia uma faixa de papel pardo: “Vidas negras e migrantes importam ” afirmava o cartaz. Há oito anos no Brasil, fora ao protesto acompanhado por colegas para compartilhar sua indignação. “O que aconteceu a Moïse poderia ter acontecido a qualquer um de nós”, disse. “Não estou aqui por mim. Estou aqui por todos. Nosso irmão saiu do país onde nasceu para fugir da violência e se tornou vítima da violência. Quero que nossos direitos sejam respeitados”.
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