Renovação política: organizações criam iniciativas para impulsionar candidatos
De programas de mentoria a esforços de divulgação, iniciativas capitaneadas por grupos da sociedade civil organizada querem aumentar representatividade de eleitos
Rafael Ciscati
7 min
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Pensando em qualificar o debate sobre direitos humanos durante o período eleitoral, organizações da sociedade civil que atuam em diferentes temáticas decidiram criar projetos para incentivar candidaturas e impulsionar lideranças conectadas às suas pautas prioritárias. As estratégias variam: vão de cursos que ensinam sobre marketing político e financiamento de campanhas à elaboração de listas que relacionam candidatos e candidatas afeitas às causas apoiadas pelas organizações.
Apesar de iniciativas como essas não serem inéditas — houve esforços semelhantes em pleitos passados —, o trabalho com vistas às eleições ganhou fôlego novo neste ano. “Existe um componente de urgência que acelerou esse trabalho”, avalia Fabiana Pinto, coordenadora de Incidência e Pesquisa do Instituto Marielle Franco. “Vivemos uma crise democrática. E temos o desafio de produzir uma resposta para essa crise”.
Em parceria com o movimento Mulheres Negras Decidem, a instituição se prepara para lançar o Estamos Prontas. Coordenado por Fabiana e pela cientista política Tainah Pereira, o projeto consiste numa jornada formativa focada em ativistas negras que são líderes em suas comunidades. A intenção é prepará-las para entender o sistema eleitoral, caso queiram sair candidatas. As inscrições para participar do programa foram abertas em março e, desde então, mais de 200 mulheres se candidataram. “Vamos selecionar 27 delas, uma por cada estado. Queremos ter representatividade de pautas e também geográfica”, explica Fabiana. Ela destaca que, hoje, mulheres negras são 28% da população brasileira — o maior grupo demográfico do país. Mas continuam sub-representadas na política institucional: ocupam pouco mais de 2% das cadeiras no Congresso Nacional.
Diversificar o perfil dos candidatos eleitos é também o objetivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em 2020, a Apib lançou a Campanha Indígena — uma tentativa de visibilizar candidatos ligados a organizações de base do movimento indígena. Na época, o grupo contabilizou 2173 candidaturas em todo o país. A maioria, 920, na região Norte. Desses, 11 acabaram eleitos.
A ideia foi retomada em 2022. Segundo um manifesto divulgado pelo grupo, a iniciativa é uma resposta aos ataques sofridos pelos povos indígenas nos últimos anos: das mortes causadas pela pandemia de covid-19 ao avanço do garimpo e de projetos que pretendem legalizar mineração em áreas demarcadas. “Será necessário cada vez mais fortalecer lideranças com perfis diversos, que possam monitorar e incidir nas propostas apresentadas pelos candidatos a governadores na área de clima, direitos humanos, meio ambiente, questões indígenas e de povos tradicionais”, explica o grupo.
Além de divulgar as candidaturas, a Apib pretende organizar atividades de formação e mentoria, para preparar candidatos e candidatas comprometidos com pautas socioambientais. Pré-candidatos podem se inscrever por meio de um formulário online. Sob o lema “aldear a política”, a organização quer incentivar lideranças locais a se lançar na disputa. “É preciso que cada Estado tenha candidaturas indígenas dispostas para disputar e conquistar nestas eleições o direito de ocupar cargos nos parlamentos estaduais e no Congresso Nacional”, diz o manifesto do grupo.
Para a cientista política Débora Thomé, projetos como esses são expressão de um movimento cíclico feito por grupos da sociedade civil organizada, que ora se aproxima da política partidária, ora se afasta. Eles surgem em meio ao avanço de propostas que pregam a renovação na política, e buscam aumentar a representatividade dos eleitos. “A gente observa ondas: há um momento em que as pessoas enxergam soluções fora das instituições políticas”, explica. “Hoje, vivemos o momento seguinte, quando o entendimento é o de que é preciso eleger candidatos que levem para a política a agenda dos movimentos”.
Em 2021, Débora foi uma das coordenadoras da pesquisa +Representatividade, desenvolvida pelo Instituto Update. O trabalho mapeou iniciativas de renovação política capitaneadas pela sociedade civil para tentar entender as principais características desse fenômeno. Segundo ela, houve um boom de iniciativas nos últimos quatro anos. “Elas costumavam ser esparsas. Hoje, a gente brinca que nunca vai conseguir concluir a pesquisa, porque todo dia surge um grupo novo”. Ela conta que o cenário viveu uma guinada a partir de 2018, quando o número de iniciativas de apoio a candidaturas passou a crescer mais aceleradamente.
Embora variem em termos de método e público alvo, a maioria compartilha algumas características em comum: essas iniciativas desempenham papel relevante na etapa de recrutamento de candidatos em potencial, “ao oferecer um treinamento que tranquiliza os/as aspirantes de grupos marginalizados, em especial, mulheres”, escrevem as pesquisadoras do Update; e todas operam à margem dos partidos. “Em regra, são iniciativas suprapartidárias, que não recebem apoio das legendas”, diz Débora.
Em alguns casos, a relação com os partidos é de pressão e cobrança. “Há partidos que dizem desejar maior diversidade, mas não dão o devido apoio às candidatas e candidatos”, diz a ativista Jovanna Cardoso da Silva, presidente do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negros e Negras (Fonatrans). O grupo, de atuação apartidária, se prepara para identificar candidates ligades ao movimento a quem oferecer apoio. Segundo ela, a intenção é dialogar com as legendas, para que esses nomes tenham viabilidade. “Vamos cobrar que essas pessoas tenham espaço no horário eleitoral. Elas têm de poder recorrer à estrutura dos partidos”, conta.
Aumentar a viabilidade das candidaturas é também o desafio do Estamos Prontas, a iniciativa do Instituto Marielle Franco e do Mulheres Negras Decidem. Nas eleições municipais de 2020, houve recorde de candidaturas negras: candidatos e candidatas negros e negras representaram 51% dos nomes na disputa. Poucos se elegeram: nos dez maiores colégios eleitorais, o número de vereadores negros cresceu 4%. “Existem barreiras internas nos partidos, tanto à direita quanto à esquerda, que resistem à construção de quadros políticos femininos e negros”, diz Tainah Pereira, uma das coordenadoras do Estamos Prontas.
As barreiras se traduzem em falta de financiamento para campanha e em pouco tempo de TV. Em parte, esse problema vem sendo enfrentado graças a uma iniciativa da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) que, em 2020, fez uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cobrando que o fundo eleitoral e o tempo de tv passassem a ser distribuídos, de maneira proporcional, entre candidatos brancos e negros. Mas, avalia Tainah, ainda é preciso que ocorram mudanças graduais, construídas no interior das legendas. “A gente brinca que as mulheres negras são hackers eleitorais, que vão construindo alianças internas aos partidos, para justamente fazer o debate da importância da diversidade de corpos”.
Durante a jornada formativa do Estamos Prontas, estão programadas atividades sobre comunicação política e mobilização territorial — habilidades úteis a quem precisa angariar votos. O projeto ainda prevê campanhas de comunicação destinadas à sociedade de maneira geral. Os materiais vão falar sobre a importância de eleger mulheres negras para fortalecer a democracia. “A produção legislativa de mulheres negras mostra que, quando eleitas, elas tratam de questões que atingem toda a sociedade: combate à pobreza, à fome, o desenho de políticas de saúde”, diz Fabiana Pinto, do Marielle Franco. “Elas produzem respostas políticas mais radicais. Para superar a crise que o Brasil enfrenta hoje, precisamos dessa radicalidade”.
Foto de topo: Mídia Ninja
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