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Amazônia: Funai no Vale do Javari sofre com histórico de ataques

Repórter britânico Dom Phillips e indigenista Bruno Pereira desapareceram na região. Desde 2018, organização indígena Univaja alerta para aumento de conflitos

Rafael Ciscati

6 min

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Ao menos desde 2018, as bases da Fundação Nacional do índio (Funai) no Vale do Javari sofrem com episódios recorrentes de ameaças e atentados. A região, que reúne o maior número de povos indígenas em isolamento voluntário no mundo, foi onde o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram no último domingo (5). 

Localizado no noroeste do estado do Amazonas, na fronteira com o Peru, a Terra Indígena  (TI) Vale do Javari é uma área extensa e sensível da Amazônia brasileira: com o tamanho de Portugal, está encravada no meio de uma rota utilizada pelo tráfico internacional de drogas. Há décadas, é palco de conflitos envolvendo garimpeiros, madeireiros e caçadores ilegais. A violência ameaça os povos indígenas e os servidores que atuam na região. Um dos ápices da tensão foi o assassinato, em 2019, do indigenista Maxciel Pereira dos Santos. Funcionário da Funai, Santos foi morto a tiros enquanto passeava com a família na cidade Tabatinga, próxima da terra indígena. Até hoje, o crime segue sem solução.

Mas as tensões se avolumavam desde, pelo menos, o ano anterior. De acordo com a INA – Indigenistas Associados, uma organização que reúne funcionários da FUNAI, os postos da autarquia no Vale do Javari sofreram ao menos oito ataques desde 2018. Já em abril daquele ano, a União dos  Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), divulgou uma nota em que alertava para a fragilização da Funai na região, e para o aumento no número de invasões às terras indígenas. “As bases de fiscalização estão sem recursos humanos e financeiros para ações de fiscalização dos limites da TI. A base de fiscalização do rio Curuçá está praticamente sob a responsabilidade dos próprios indígenas, que colocam em risco as suas vidas para realizar a fiscalização. Por ser no limite do rio Javari, área fronteiriça do Brasil e Peru, onde não há controle de entrada e saída de pessoas estranhas, principalmente de narcotraficantes, ocorrem tentativas de assalto. Essa região é considerada altamente vulnerável”, escreveu a associação.

Na madrugada do dia 23 de dezembro, meses depois da divulgação da nota da Univaja, a Base Ituí-Itacoaí foi atacada a tiros. Na ocasião, as suspeitas da Polícia Federal recaíram sobre pescadores e caçadores ilegais. Segundo relatos da época, houve intensa troca de tiros entre os infratores e a polícia militar, que acompanhava o trabalho dos indigenistas.

A violência persistiu pelos meses seguintes. Até que, em setembro daquele ano, Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado. Aos 34 anos, Santos trabalhava na proteção aos povos indígenas desde os 18. Nascera em Tabatinga e, àquela altura, atuava na Frente de Proteção Etnoambiental da Funai. De acordo com reportagem da ONG Repórter Brasil, participava de ações de combate ao garimpo, pesca e caça ilegais. Aos colegas da Funai, Santos contara ter sofrido ameaças. Até hoje, os mandantes do crime não são conhecidos.

Novamente, um comunicado da Univaja, endereçado ao governo brasileiro, informou que os povos indígenas e os indigenistas do Vale do Javari estavam ameaçados. Na ocasião, a organização destacou o que chamou de “fragilização da Funai” que, na avaliação dos indígenas, não contava com os recursos necessários para fiscalizar os limites da terra indígena: “O órgão oficial que deveria garantir a política de proteção do território está cada vez mais fragilizado. Destacamos ainda que, o diminuto efetivo da FUNAI que tem afinidade e comprometimento com a causa dos indígenas, atualmente estão sofrendo ameaças pelos invasores”.

Em dezembro daquele ano, o ministério da Justiça e da Segurança Pública determinou o envio da Força Nacional para a região. Já em 2020, segundo reportagem do portal UOL,  a Justiça condenou a União a reforçar a segurança das bases da Funai no Vale do Javari, mas a decisão não foi cumprida .

Antes de desaparecer, Bruno Araújo Pereira chegou a relatar as ameaças que sofria ao Ministério Público Federal. Em dezembro do ano passado, durante uma reunião, o indigenista afirmou que as invasões ao território atingiram níveis nunca vistos desde a demarcação da Terra Indígena Vale do Javari em 2001. Pereira é servidor licenciado da Funai, e colaborador da Univaja.

No vale do Javari, coordenação regional da Funai está vaga

A Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior do país. Hoje, a Funai na região está organizada em uma Coordenação Regional (CR), localizada na cidade de Atalaia do Norte, e seis Coordenações Técnicas Locais (CTL), segundo a autarquia informa em seu site. Há também bases de proteção etnoambiental, especializadas na proteção a indígenas em isolamento voluntário e de recente contato.

Ao longo dos últimos anos, organizações indígenas alertaram para o baixo efetivo da Fundação no Vale do Javari. Segundo nota da Univaja, o número de servidores seria insuficiente para viabilizar o trabalho de monitoramento do território. Em 2019, à época do assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, a organização indígena afirmou que havia 11 servidores atuantes na região. Temendo o recrudescimento da violência, ao menos cinco pediram afastamento. “Significa dizer que atualmente a CR (coordenação regional) não tem um quadro suficiente de funcionários nem condições para realizar a proteção do território”, afirmou a entidade na época.

Desde setembro do ano passado, o posto de coordenador regional no Vale do Javari está vago. O coordenador anterior, o militar Henry Charles Lima da Silva (nomeado já durante o governo Bolsonaro) foi exonerado depois de sugerir “meter fogo” em indígenas isolados como forma de resolver um conflito que se desenrolava no território.

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