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Mais de 40 pré-candidaturas LGBTI+ foram vetadas por partidos em 2022

Levantamento da organização VoteLGBT mostra que 40 candidaturas foram vetadas, e outras 20 pessoas tiveram de mudar de cargo. Maioria é negra.

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por Camilla Figueiredo, da Agência Diadorim

Em 2022, 41 pré-candidaturas de pessoas LGBTI+ foram vetada pelos partidos políticos e outras 20 tiveram que mudar de cargo, como mostra um levantamento da organização VoteLGBT. A pré-candidatura é a primeira etapa pela qual passam aquelas pessoas que desejam concorrer a alguma vaga no legislativo ou executivo. Após a inscrição no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), essas candidaturas precisam ser confirmadas pelos respectivos partidos.

De acordo com os dados da VoteLGBT, que colheu as informações através de formulário de autodeclaração dos pré-candidatos, a maioria das pessoas que ficaram de fora da disputa em 2022 é negra. Pretos (14) e pardos (12) representam, juntos, 63,41% dos candidatos e candidatas que ficaram pelo caminho, enquanto brancos (14) são 34,15%. Uma (2,13%) pré-candidatura indígena não foi confirmada.

Dos 41 barrados, 20 são homens — 18 cis, dois trans —, o que representa 48,78% do total. Mulheres são 17 (36,17%), entre cis (8) e trans/travesti (9). A categoria “outros” de identidade de gênero tem três representantes (7,32%). Uma pessoa (2,44%) não-binária teve a candidatura não confirmada.

Ao mesmo tempo em que são os partidos com maior número de candidaturas LGBTI+ confirmadas, PT e Psol acumulam quase metade das concorrências que não vingaram: 46,34%. Os petistas não confirmaram 11 pré-candidatos, o que significa 26,83% das desistências desse grupo, e os pesolistas não confirmaram 8 (19,51%).

De acordo com a socióloga Evorah Cardoso, da VoteLGBT, entre as candidaturas que proporcionalmente mais “ficaram para trás” e sequer conseguiram disputar nas urnas estão aquelas que também tiveram mais dificuldades na pré-campanha. “São elas indígenas, homens trans e pansexuais”, diz.

As principais críticas apontadas por essas pessoas, por meio de questionário, explica Evorah, foram “a falta de apoio político do próprio partido, de recursos, a questão da violência política, dificuldade em estruturar a campanha nas redes e até mesmo de preparo emocional”. “A campanha não acontece só nos 45 dias oficiais, é preciso que as candidaturas LGBT+ recebam mais apoio e mais cedo dos partidos, para que sejam competitivas”, afirma.

Vetos e desistências

Diferente da deputada estadual Erica Malunguinho (Psol-SP) — que se retirou da disputa à reeleição por vontade própria quatro meses depois do evento de pré-lançamento da candidatura –, os 41 nomes levantados pela VoteLGBT tiveram suas concorrências vetadas pelos “velhos caciques” das legendas em 2022 ou desistiram por falta de apoio e recursos.

Ester Pessatto, 24, é uma mulher bissexual e indígena de Mato Grosso. Nunca havia disputado um cargo eleitoral, mas sempre acreditou no PT. “Achei que seria a hora certa.” A confiança no partido, no entanto, se transformou em decepção quando ela teve a candidatura vetada e, em seguida, foi desfiliada da legenda. “A maior humilhação da minha vida não foi passar fome, morar no [assentamento do Movimento] Sem Terra, ser atriz pornô, mas quando o PT excluiu a minha filiação”, desabafa.

Pessatto recorreu na Justiça e conseguiu manter a filiação ao partido, mas a candidatura não foi para a frente. Em busca de um novo partido para se filiar em breve, ela afirma que a direção estadual do PT a expulsou por ser atriz pornô, indígena e dissidente. “O PT usa os LGBTI+ só para conseguir votos, somos todos usados, porque o partido mente ao dizer que acolhe todos; só acolhe os interesses próprios”, afirmou.

Procurado pela Diadorim para comentar o caso, o diretório estadual do PT em Mato Grosso não respondeu ao pedido de entrevista.

Presidente licenciado da União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (UNALGBT) — organização pluripartidária, criada em 2015 —, Andrey Lemos, 49, queria ser deputado federal pelo PSB do Distrito Federal no próximo mandato. Antes, ele já havia sido candidato a vereador em Aracaju pelo PCdoB, nos anos de 2008 e 2012, e perdeu nas duas vezes. Mesmo tendo uma longa trajetória política, ele também teve os seus planos eleitorais frustrados.

O desejo de Andrey, que se identifica como “bicha preta pansexual”, era ocupar o cargo como resposta à “demanda por representatividade” na política. “Sou atravessado pelo debate racial e da diversidade que tem sido pautado em vários setores da sociedade.” No dia 16 de agosto, no entanto, ele postou um desabafo no Instagram: “Não será em 2022 que nosso projeto coletivo tomará corpo e frutificará, infelizmente. Nossa candidatura não foi priorizada pelo nosso partido.”

Andrey acredita que candidaturas pretas e LGBTI+ têm dificuldade de garantir recursos e o nome na chapa porque “boa parte dos e das dirigentes de partidos não acreditam nem investem nas nossas candidaturas”. “No meu caso, meu nome foi retirado da chapa depois de aprovado em reunião da executiva, a pedido de um parlamentar com mandato, que me substituiu por outra pessoa, a velha política do apadrinhamento.”

James Lewis Gorman, presidente em exercício do PSB-DF, lamenta não ter sido possível incluir Andrey Lemos entre os nove nomes da legenda que concorreram ao cargo de deputado federal neste ano. “Tivemos quatro candidaturas LGBT para a Câmara Federal, como o professor Israel e a mulher trans Paula Benett. Essa diversidade reflete a constituição atual do partido, mas entendemos que, entre as dez pré-candidaturas, Andrey era a que tinha menos força política. Se pudéssemos dar 10 nomes, ele estaria dentro”, afirma.

Migrações

Além das candidaturas que “ficaram para trás”, outras 20 pessoas manifestaram a intenção de disputar um cargo na pré-campanha, mas foram registradas na disputa a outro por seus partidos. Entre elas estão dois pré-candidatos gays ao Senado que foram “realocados” na disputa. É o caso de Paulo Anacé (Psol-CE), confirmado como pleiteante a deputado federal, e Paulo Romão (PT-MA), que virou candidato a deputado estadual.

Anacé, que é um importante líder indígena cearense, chegou a recorrer à executiva nacional do Psol, no dia 3 de agosto, para tentar manter a candidatura ao Senado. Mas não teve sucesso. “Tenho a mais completa certeza que construiremos uma linda candidatura a deputado federal, assim como já fazíamos no contexto ao Senado”, postou no Instagram.

Já Romão (PT-MA), que é gay, reconhece a desigualdade no tratamento partidário para pessoas LGBTI+, mas o acredita que o deixou de fora da disputa ao Senado foi o “jogo político”. “O governo [que é do PSB] tem muita força e capturou o PT, que decidiu apoiar Flávio Dino como candidato a Senador”, afirma ele à Diadorim.

Para a cientista política e professora da PUC-SP Rosemary Segurado, é esperado que nos partidos com viés mais conservador, os mais extremistas, seja mais difícil encampar as pautas da diversidade, mas mesmo em alguns partidos ditos liberais, ou progressistas, o comportamento não tem sido diferente. Isso porque, avalia ela, “no Brasil se convencionou muito falar, ‘ah, nós somos liberais na economia e conservadores nos costumes’”.

“É uma forma de, no campo econômico, defender privatizações, corte de direitos, e uma série de questões que são próprias do campo liberal, mas quando chegam nas questões morais, não se mostram dispostos a colocar em pauta esse debate na sociedade”, comenta Segurado. As legendas, acredita a professora, têm medo de perder votos e apoiadores. “Como essa pauta de costumes acaba dominando, quase que monopolizando, é o que vimos principalmente no segundo turno das eleições.”

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