Brasil de Direitos
Tamanho de fonte
A A A A

No Pará, retomada da produção de borracha anima comunidades extrativistas

Interesse internacional traz novo fôlego à produção de borracha natural

Tapajós de Fato

12 min

Imagem ilustrativa

Navegue por tópicos

Foto de topo: Agência Brasil

Por Marta Silva, do Tapajós de Fato

Nos últimos anos, a produção da borracha nativa na Amazônia tem sido retomada, impulsionada por fatores como a valorização da sustentabilidade e a busca por novos mercados. A sinalização positiva do mercado econômico tem estimulado essa retomada da produção, a partir da extração da seiva da seringueira (Hevea brasiliensis) no Pará e em toda a região Amazônica.

A abertura de mercado para a borracha natural, nas esferas nacional e internacional, tem impulsionado extrativistas no Pará, que vêem nesse processo, não só uma oportunidade de desenvolvimento para as comunidades, mas também a consequente geração de renda para os extrativistas.

Na região do Arapiuns, Arapixuna e Tapajós, a Cooperativa Agroextrativista do Oeste do Pará (ACOSPER) é um dos exemplos que representa essa retomada. Para falar sobre esse processo, o Tapajós de Fato conversou com Manoel Edivaldo Leite, atual Diretor/presidente da Acosper.

O resgate econômico: os fatores que impulsionam a retomada da produção

Manoel Edivaldo (vulgo Peixe) relata que esse processo de retomada, aqui na região do Tapajós, deu-se a partir do diálogo que a Acosper teve com um dos “representantes do Conselho Nacional das Populações Agroextrativistas e, consequentemente, com o representante da empresa Vert”, que é uma empresa francesa de fabricação de tênis que utiliza a borracha da Amazônia na produção de seus produtos. Esse contato aconteceu em 2021 e “a partir do ano de 2022, iniciamos né? com alguns seringueiros que toparam, que aderiram o projeto”, relata o presidente da Acosper.

 Sobre a parceria com empresas como a Vert, nesse momento de retomada, Luiz Brasi Filho, Coordenador da Rede Origens Brasil no Imaflora, explicou ao Tapajós de Fato que, nos últimos cinco anos, tem-se visto a demanda do mercado pela borracha nativa da Amazônia aumentar. Para ele, essa ampliação na demanda se deve “a Vert, a Michelin, a Mercur, a Osklen e outras empresas que têm comprado a borracha nativa da Amazônia demandado cada dia mais [a produção de borracha natural]”, aponta.

Empresas que têm “feito compromisso com os povos da floresta de uma forma diferente do que, até então, estava sendo posto no mercado. Com relações justas, éticas, com pagamentos por serviços Socioambientais e com uma demanda muito alta”, explica Brasi.

O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) é uma organização não governamental brasileira que tem como missão “Incentivar e promover mudanças nos setores florestal e agrícola, visando à conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais e a geração de benefícios sociais”. (Informação retirada do site da organização)

No início do ano a organização promoveu, em parceria com o WWF-Brasil, o evento Mercado da Borracha Amazônica: 1º Encontro multissetorial de oportunidades, em Rondônia, que reuniu populações tradicionais e povos indígenas do Acre, do Amazonas, do Pará e de Rondônia. Para Brasi, a partir do encontro, “foi possível perceber que existe um potencial enorme para fortalecer e estruturar cada vez a cadeia da borracha, dado que a sinalização do mercado é muito grande” a partir das empresas citadas por ele.

 A Acosper esteve presente nesse evento e, para o presidente da cooperativa, a expectativa de “produção e de venda do produto são grandes”. Estavam também presentes no encontro representantes de sete empresas que demonstraram interesse na compra do produto e, ali, ficou pactuada essa retomada por parte dos seringueiros que estavam ali representando todos os estados da Amazônia. Para Manoel, o encontro “foi um pontapé muito positivo”.

 

Imagem propriedade da Brasil de DireitosOficina sobre qualidade da borracha (Arquivo: Acosper)

A importância da borracha nativa: o potencial produtivo na região do Tapajós

A borracha nativa é um produto sustentável, pois é extraído de uma árvore de origem amazônica, que não requer desmatamento para seu cultivo. Ela também é um artigo de alta qualidade, com propriedades que superam a da borracha sintética.

Sua produção na Amazônia teve seu auge no século XIX, mas entrou em declínio no século XX, com a expansão do cultivo de seringueiras em outros países. Como matéria-prima, sua produção tem grande potencial econômico, ambiental e cultural.

Brasi relata que os dados do PIB e do IBGE, apontam que, anualmente, no Brasil, são comercializados oitocentos e cinquenta toneladas de borracha. Contudo, “a demanda finalizada no encontro de Rondônia é de mil e oitocentas toneladas de borracha por ano, só dessas empresas que estavam presente ali no encontro”, ou seja, “é o dobro do que se tem sistematizado nos dados do IBGE”, por exemplo.

Para ele, os estados do Acre, do Amazonas, de Rondônia e do Pará têm um potencial enorme para escalar a economia da borracha extrativista na Amazônia. Com a valorização do tema sustentabilidade, os consumidores estão cada vez mais preocupados com a origem dos produtos que compram, o que pode tornar esse produto mais atrativo para o mercado.

Na Acosper, a expectativa é trabalhar e investir cada vez mais no aumento da produção, haja vista que o mercado é promissor. Entretanto, para isso acontecer, algumas dificuldades precisam ser superadas.

Seu Manoel relata que os seringueiros acompanhados pela Acosper já sofreram calotes no passado, pois entregaram o produto e não receberam pagamento. Isso gerou descrédito em alguns produtores e tem dificultado a captação de mais mão de obra, ou seja, um dos problemas enfrentados é a falta de pessoas para trabalhar na coleta da seiva. Seu Manoel relata também que a juventude da região, filhos de seringueiros, não sabem a técnica de corte da seringa, sendo esse, um outro problema enfrentado. Todavia, isso está sendo vencido com a transmissão do conhecimento dos mais velhos aos mais novos, o que possibilita o resgate cultural da prática na região.

Além de produzir borracha, a região também está oportunizando que esse ofício tradicional – de seringueiro – seja passado para a geração dos mais novos, mas ainda não tem sido o suficiente “essa dificuldade está sendo superada porque as pessoas mais antigas, mais experientes, que têm esse conhecimento técnico, né? com a prática do cultivo do látex da seringueira, estão ensinando para os seus filhos e netos. Então, alguns jovens já estão envolvidos na atividade. Isso é muito positivo. Mas ainda é uma dificuldade, de qualquer forma, é uma dificuldade porque a gente sabe que tem os seringais na floresta mas ainda nem todas as pessoas têm esse potencial e estão exercendo [outras] atividades ainda” relata Manoel.

Iniciativas que vêm apoiando a produção de borracha nativa na Amazônia

Imagem propriedade da Brasil de DireitosSeringueiros durante oficina (Arquivo: Acosper)

O projeto Saúde e Alegria (PSA) é uma das organizações que vem contribuindo nesse processo de retomada segundo a Acosper. O PSA, em reportagem divulgada, relatou que, em conjunto com a Acosper, promoveu no período de 8 a 9 de setembro o Seminário de fortalecimento da Borracha na RESEX Tapajós-Arapiuns. O seminário tinha como objetivo discutir caminhos para melhorar o padrão de qualidade do produto.

Vinte e cinco seringueiros e seringueiras do Polo CEFA Tapajós, Arapiuns e Arapixuna (comunidades Lago Central e Piauí) participaram e puderam conhecer melhor como funcionam os contratos, estratégia de comercialização da Acosper e construir prensas para a borracha. (Dados retirados da reportagem disponível no portal do PSA)

De acordo com o presidente da Acosper, o objetivo é produzir uma borracha com qualidade, para que, a cada ano, isso agregue valor ao produto. Porque com um produto de qualidade “tem como exigir mais preço”, afirma.

Outra parceria importante citada é a do Fundo Casa Socioambiental, que apoiou a Acosper na realização de oficinas de boas práticas, em visitas técnicas aos seringueiros e na compra de equipamentos. Para a cooperativa, esse apoio foi muito importante para os seringueiros, que se sentiram felizes em receber os equipamentos.

A Acosper também relata que, visando ao aumento da produção e ao fortalecimento dessa retomada, vem conversando com “pessoas de várias comunidades aqui da região pra gente aumentar essa produção, inclusive firmando parcerias (…), [como] a Coomflona e a Federação da Flona do Tapajós, onde a gente está já conversando pra que envolva seringueiros do município de Belterra”.

 

Os desafios para a retomada da produção

Para Brasi, esse momento “representa uma nova escalada, uma nova retomada da cadeia da borracha na Amazônia”. A produção cresce na região devido aos incentivos das empresas, porém, ainda falta, segundo ele, “um programa de governo – tanto estadual, quanto federal – para fortalecer cada vez mais essa cadeia estratégica para os povos da floresta”, relata.

Realmente, faltam alguns incentivos tributários e econômicos, possibilidade de abertura de estradas para o escoamento do produto e materiais para os seringueiros, bem como, fortalecimento institucional das cooperativas e das associações. É preciso fortalecer cada vez mais a base produtiva, dado que a sinalização do mercado é positiva.

Nas regiões do Arapiuns, do Arapixuna e do Tapajós a falta de infraestrutura é um dos importantes desafios a serem enfrentados. Muitas comunidades extrativistas não possuem acesso a estradas, energia elétrica e outros serviços básicos.

No entanto, é importante pontuar que a retomada da produção da borracha nativa na Amazônia é uma oportunidade para o desenvolvimento sustentável da região. Ela é um produto que pode contribuir para a conservação da floresta, para a geração de renda das populações das comunidades extrativistas e para o crescimento econômico da Amazônia.

Investimentos que incentivem a retomada da produção não só geram benefícios econômicos diretos, mas também são uma alternativa sustentável para a produção de borracha, pois a borracha nativa é extraída de forma a não causar danos à floresta. Sua extração é feita de forma a respeitar o ciclo de vida da seringueira e a regeneração da mata.

A retomada da extração da borracha pelos seringueiros ajuda a preservar a cultura dos povos da floresta, mantendo viva uma tradição que é parte importante da identidade dessas comunidades.

Cadeia produtiva da borracha: uma atividade paradigmática para o desenvolvimento sustentável

A retomada da Borracha Nativa na Amazônia é uma ação emblemática, uma vez que a cadeia produtiva desempenhou um papel fundamental na economia nacional durante os dois grandes ciclos da borracha com políticas públicas robustas de incentivo voltadas para o mercado de exportação internacional. Além disso, o movimento dos seringueiros na década de 70 e 80, inicialmente focado em questões fundiárias, internacionalizou-se e chamou a atenção do mundo para a necessidade de conservar as florestas tropicais, especialmente, a Amazônia. Isso, posteriormente, contribuiu significativamente para a criação das reservas extrativistas no Brasil, as quais desempenham hoje, um papel crucial na luta contra o desmatamento.

“A história da cadeia produtiva da borracha, ao longo dos anos, foi marcada por desafios e transformações sociais profundas, destaco o papel fundamental dos seringueiros e seringueiras nessa luta. Temos uma dívida com essas pessoas e, hoje, mais do que nunca, devemos valorizar e preservar essa herança sociocultural. Agora, na era da bioeconomia sustentável, a indústria da borracha desempenha um papel central, envolvendo as comunidades locais, promovendo a inclusão social dessa classe de extrativistas e contribuindo para o debate sobre as mudanças climáticas”, enfatiza Marlisson Borges, assessor técnico de cadeias produtivas do Projeto Saúde e Alegria.

Para ele, essa cadeia está trazendo uma mensagem política importante para o mundo: “a floresta ainda existe porque há pessoas cuidando dela”. Os seringueiros e seringueiras são heróis nacionais, símbolos de momentos importantes da história do Brasil, especialmente, quando se trata de meio ambiente e da conservação de florestas tropicais.

“Agora, no contexto e clima da COP 30, em Belém, uma cidade que já foi um dos grandes símbolos da borracha nativa, tanto o setor público quanto o privado tem a obrigação de eleger essa como a cadeia prioritária do extrativismo amazônico. Isso inclui a implementação de políticas públicas adequadas: investimento, dar voz aos seringueiros e garantir que eles recebam um tratamento especial em reconhecimento à sua contribuição ao longo de décadas e séculos. Essa valorização não apenas mantém a floresta em pé, mas também preserva o modo de vida tradicional e fornece serviços ecossistêmicos benéficos para toda a sociedade”, pontua Marlisson.

É imperativo que reconheçamos o esforço atual do mercado em valorizar não apenas o produto, mas também a história e as pessoas por trás dele. Devemos garantir que essas comunidades tenham destaque e que sua mensagem de sustentabilidade seja compartilhada, através do que produzem e oferecem como um presente para o planeta.

Uma contribuição de Imagem ilustrativa

Tapajós de Fato

Você vai gostar também:

Imagem ilustrativa

Cis e trans: qual a diferença dos termos?

Glossário

3 min

O que pode ou não pode em uma abordagem policial

Saiba o que pode e o que não pode em uma abordagem policial

Para entender

16 min

Imagem ilustrativa

4 escritoras lésbicas brasileiras que você precisa conhecer

Notícias

3 min