MEC cria GT para discutir universidade indígena e ativistas temem ser excluídos
Pasta vai debater viabilidade de universidade para povos originários. Ativistas apontam que Grupo de Trabalho não inclui membros dos movimentos sociais
Rafael Ciscati
6 min
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A decisão do Ministério da Educação (MEC) de formar um grupo de trabalho (GT) para discutir a criação de uma universidade indígena gerou estranhamento entre lideranças dos povos originários. Divulgada no último dia 17, a portaria que cria o GT não prevê a participação obrigatória do movimento indígena nos debates.
A criação de uma universidade indígena é pauta antiga do movimento, que se queixa de falta com diálogo com a pasta. “Criaram um grupo de trabalho somente com representantes do próprio MEC” afirma a professora Alva Rosa, do Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia). “A universidade é uma antiga reivindicação nossa, mas não faz sentido se não nos incluir”.
De acordo com a portaria 350, de 15 de abril de 2024, o Grupo de Trabalho criado pelo MEC vai discutir a viabilidade técnica da proposta, e quais seus possíveis impactos orçamentários. Será composto por seis membros permanentes, todos eles indicados por secretarias do MEC.
O texto tbm prevê que os membros do grupo de trabalho convidem especialistas em educação e representantes do terceiro setor — do movimento indígena, inclusive— para amparar as discussões. Diz, ainda, que a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI) fará consultas prévias aos povos originários.
O GT deve se reunir quinzenalmente, e apresentar um relatório com os resultados do trabalho dentro de 180 dias.
>>Leia também: Educação escolar indígena não é prioridade para o atual governo, diz ativista
Esse desenho desagrada ativistas do campo da Educação indígena, que reivindicam papel maior na construção da política pública. “Nos chamaram apenas como convidados. O problema é que convidado não tem participação certa. Pode ser chamado ou não”, diz Alva. “Não incluíram o ministério dos Povos Indígenas, nem a Funai, e muito menos o movimento indígena”.
Ela afirma que a discussão que será travada no GT é um trabalho técnico, que exige participação contínua dos membros. E que o movimento indígena conta com especialistas em educação que podem ajudar o debate a avançar. Na manhã desta quinta-feira (18), um grupo de organizações indígenas se reuniu para discutir como pressionar o MEC a incluí-las nos debates. Elas estudam divulgar notas de repúdio à decisão do ministério.
Alva conta que a criação de uma universidade é demanda antiga desses povos. “Falamos disso desde os anos 1990”, afirma. A ideia foi apresentada ao MEC ainda em 2022, quando ativistas indígenas se reuniram com o grupo de transição para o novo governo.
A proposta tornou a ser apresentada ao governo federal em fevereiro de 2023, e foi reforçada durante o acampamento terra livre do ano passado. A mobilização, que contou com a presença do presidente Lula, é considerada a maior manifestação indígena do país.
Não é a primeira vez que o governo federal cria um Grupo de Trabalho para discutir o tema. O mesmo foi feito em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff.
Fragilidades da educação indígena
O modelo de trabalho que será adotado pela eventual universidade indígena ainda está em aberto. No começo de abril, o Foreeia, que Alva coordena, elaborou uma lista de propostas que apontam como, na concepção do grupo, a instituição deveria funcionar. O Fórum sugere a elaboração de cursos adpatados à realidade cultural de cada povo: ” que ela seja pensada a partir dos territórios etnoeducacionais, considerando nossas demandas identitárias e territoriais”, diz o documento. Propõe, também, que a instituição tenha uma sede centralizadora, mas que permita às unidades, espalhadas pelo país, eventualmente se tornarem autônomas, caso queiram.
São ideias que Alva gostaria de levar para o debate no MEC. Ela considera que, hoje, uma das urgências relacionadas ao ensino superior envolve ampliar a oferta de cursos de licenciatura específicos para esses povos. A medida é importante para sanar fragilidades que afetam a educação escolar oferecida a crianças e adolescentes indígenas. Tradicionalmente oferecida nas próprias aldeias, ela deve respeitar a cultura de cada povo. Nesse modelo, as aulas são ministradas em português e no idioma originário. Um levantamento do Foreeia, a partir de dados do MEC, aponta problemas: há 3639 escolas indígenas em funcionamento no país. Dessas, apenas 15% têm aulas de ensino médio. Dos 26243 professores indígenas formados, somente 44,53 % concluíram o ensino superior.
De acordo com Alva, investir na formação de docentes indígenas é uma medida importante para garantir que essas populações continuem a viver nas aldeias. Hoje, como a oferta de ensino médio em terras indígenas é pequena, é comum que os jovens precisem deixar suas aldeias para prosseguir nos estudos. Não é raro que famílias inteiras migrem para acompanhar o adolescente que vai estudar. Alva teme que essa migração fragilize os territórios tradicionais. “Onde não há indígenas há grilagem e desmatamento”, disse ela ao comentar a questão à Brasil de Direitos em 2023. “Nossas terras estão ficando vazias, porque a política pública não chega aqui”.
Outro lado
Procurado pela Brasil de Direitos, o MEC reiterou que deve convidar ativistas e especialistas em educação a participar das discussões. “O Grupo de Trabalho convidará representantes de outros órgãos e de entidades indígenas e indigenistas, públicas e/ou privadas, e especialistas com notório conhecimento sobre as matérias constantes da pauta, para participar de suas reuniões. O Grupo de Trabalho solicitará à Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI) a realização de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, conforme estabelece a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.”, disse em nota.
Perguntada sobre a possibilidade de mudar a composição dos membros permanentes do GT, a pasta não respondeu.
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