Angela Davis e as faíscas que acenderão a revolução
Em visita ao Brasil, Davis e Patricia Hill Collins ensinaram que é preciso redirecionar o olhar para o futuro a partir de nossas conquistas, e não somente de nossas dores
Maria Teresa Ferreira
4 min
Navegue por tópicos
por Maria Teresa Ferreira Jurado, do Momunes
A entrada da primavera parece ter trazido consigo, da América do Norte, uma espécie de frescor que emana consciência, força e propriedade combinadas na singular interpretação da luta antirracista e do pensamento feminista negro.
A intelectuais estadunidenses Angela Davis e Patricia Hill Collins vieram ao Brasil participar de debates e conferências públicas. Consegui acompanhar uma das conferências de Davis, no parque do Ibirapuera em São Paulo. Numa noite de segunda-feira, a filósofa reuniu uma multidão (cerca de 15 mil pessoas ) no gramada diante do auditório Oscar Niemeyer.
>>A necropolítica, Ágatha e o direito à vida
Saí do evento animada. Senti que essas duas mulheres trouxeram, nessa rápida passagem pelo país, fôlego novo às velhas lutas sociais. Suas presenças esquentaram as brasas que norteiam as discussões e as ações mobilizadoras do movimento social brasileiro, sobretudo o movimento negro e o movimento de mulheres negras.
Desde que “aquele que ocupa o escritório” (como disse Davis durante sua conferência em São Paulo) chegou ao Palácio do Planalto, o Brasil mergulhou numa espécie de escuridão. Sobreveio a brutalidade da histeria coletiva que recrudesce cada dia mais sua violência contra as minorias sociais.
A filósofa Angela Davis durante evento em São Paulo (foto: Maria Teresa Ferreira Jurado)
O movimento feminista, o movimento de mulheres negras, o movimento negro, a população LGBTQI+, o movimento sem terra, o movimento sem teto, os quilombolas, levantam-se contra esse poder que se estabeleceu. Questionam a falta de humanidade dos valores impostos pela sociedade heteronormativa, e exigem mudanças concretas e urgentes. Resistimos com firmeza. Mas, às vezes, parece difícil driblar o cansaço e o temor.
>>No Recife, projeto quer produzir narrativas antirracistas
Davis e Collins nos ajudam a retomar o fôlego. O clarão do entendimento dessas duas mulheres acerca da importância de reconhecer a centralidade das questões raciais para a diminuição da violência e da pobreza, e do quão fundamental é a presença das negras nesse processo, reafirma que o único caminho possível para sermos livres do hetropatriarcado é a unidade e a organização popular.
>>Quem pede desculpas às crianças negras?
Qualquer alternativa fora desse caminho atrasará ainda mais o desenvolvimento autônomo das relações políticas sociais e econômicas. Urge entender o viés racializado com que construímos as práticas sociais e afetivas que vivenciamos hoje.
Ao longo da história, uma série de eventos que eclodiram pelo mundo — a Primavera Árabe, a Revolução dos Cravos, a revolução Russa, a Revolução Cubana — nos permitiram perceber que as grandes vitórias foram construídas ao custo de muitos — e, às vezes, diminutos — passos.
No Brasil, a Revolta dos Malês, a Revolta da Chibata, a Balaiada foram gestadas a partir de Palmares e seus desdobramentos continuam a desabrochar em aquilombamentos como As Mães de Maio, A Marcha das Mulheres Negras, A marcha da Consciência Negra, a Coalizão Negra por Direitos.
São movimento e coletivos conduzidos por pessoas que assumiram o protagonismo da sua existência, e tomaram ações concretas para garantir o avanço das suas pautas tanto no âmbito federal, estadual e municipal, maximizando e dando voz as suas realidades sociais. São movimentos modernos, com raízes ancestrais. Avançamos, e vamos continuar avançando.
Perguntaram-me o que aprendi com Angela Davis e Patricia Hill Collins.
Aprendi a redirecionar o olhar para o futuro a partir dos avanços e não somente das dores. A valorizar cada chibatada, porque foram elas que fortaleceram nossos ideias de permanecer. A resignificar ensinamentos ancestrais com mais tenacidade para enfrentar o capitalismo nefasto que se apodera das nossas pautas, as transforma e nos entrega de volta degeneradas. A celebrar a alegria da negritude dos cabelos, das formas, do modo de ser. A agradecer a cada Mãe Preta e a cada Preto Velho que de Aruanda protegem nossos passos. Porque esses passos vêm de longe, e vão nos nos levar mais longe ainda.
foto de topo: reprodução Facebook
Você vai gostar também:
Cis e trans: qual a diferença dos termos?
3 min
Saiba o que pode e o que não pode em uma abordagem policial
19 min
4 escritoras lésbicas brasileiras que você precisa conhecer
3 min
Entrevista
Ver maisMarielle: como a violência política contra a mulher cresceu desde o assassinato da vereadora
8 min
Com acordo em Alcântara, Estado se antecipa à condenação internacional, diz ativista
9 min
Glossário
Ver maisConsciência negra: qual a origem da data celebrada em 20 de novembro
6 min
Abdias Nascimento: quem foi o artista e ativista do movimento negro
8 min