Dia da Consciência Negra é momento de reflexão e resistência
Num país de maioria negra, data é feriado em somente 15% dos municípios
Alex Vargem
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Alex André Vargem
Sociólogo, doutorando em ciências sociais (Unicamp)
No ano de 2020, a questão do enfrentamento ao racismo foi destacada em diversos momentos, mesmo no contexto adverso provocado pela pandemia do novo coronavírus. A emergência da pandemia evidenciou desigualdades e dificuldades. Ganharam destaque, também, as formas de resistência dos movimentos negros. Pessoas negras têm chances maiores de ser vítimas do novo coronavírus. Segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde do dia 21 de outubro, pretos e pardos já somam mais da metade (63%) das vítimas da nova doença.
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Questões da negritude estiveram em destaque ao longo deste ano – falou-se sobre o associativismo, protagonismo e feminismo negro. Refletiu-se sobre a importância de maior participação política, e de como é importante que essa discussão avance para que partidos ofereçam mais apoio às candidaturas negras. Reflexo disso, candidatos representativos do movimento negro foram eleitos para as Câmaras Municipais. Discutiu-se representatividade na mídia, no setor público e privado; no acesso às universidades, à produção do conhecimento e à agenda de pesquisa, críticas à branquitude.
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Ações de denúncia contra o assassinato de negras e negros no Brasil e em diferentes países ganharam relevo talvez inédito, como no caso do afro-americano George Floyd: assassinado em maio de 2020 por policiais brancos na cidade de Minneapolis, a revolta pela sua morte potencializou, à nível global a campanha Vidas Negras Importam, que desde 2014 denuncia as formas de violência físicas e simbólicas contra a população negra. A campanha despertou solidariedade internacional, com adesão de diversas pessoas no Brasil e no mundo.
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Em um ano marcado por protestos antirracistas, o Dia da Consciência Negra — celebrado nesta sexta-feira, (20) — representa uma oportunidade de reflexão e de resistência.
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A data lembra a morte de Zumbi, que foi escravizado e virou um símbolo da luta dos negros contra a escravidão ao liderar o Quilombo dos Palmares. Ela foi incluída em 2003 no calendário escolar nacional, mas somente em 2011 foi sancionada a Lei 12.519/2011 que institui oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Cada estado ou cidade brasileira tem de aprovar uma lei regulamentando o feriado cujo objetivo é fazer um conjunto de reflexões contra o racismo.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui a 2º maior população negra do mundo, somente atrás da Nigéria — 56% da população brasileira é composta por afrodescendentes. Nesse país, de maioria negra, há 5.570 municípios. Em apenas 832 deles, a data é também feriado. Somente 15% do total, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo realizado em 2019, com base em dados da Secretaria Nacional de Políticas Promoção da Igualdade Racial, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Na cidade de São Paulo o feriado municipal é estabelecido desde 2004, instituído por lei. Em 2020, por conta da pandemia e da quarentena estabelecia na cidade, foi antecipado para o dia 21 de maio. Isso, no entanto, não tira a importância da data. Inclusive, diversas atividades, boa parte delas remota, foram organizadas para ações de conscientização.
Do ponto de vista histórico, mais de 4 milhões de africanos, mulheres e homens de diferentes regiões do continente africano foram escravizados e trazidos para o Brasil por meio do tráfico, também conhecido como tráfico negreiro.
A escravidão no Brasil durou mais de 388 anos e o país foi o último em toda a América a abolí-la, apenas em 1888. Ainda será necessário um longo caminho de lutas para combater o racismo que estrutura nossa sociedade. Essa jornada inclui a formulação e implementação de políticas públicas, ações afirmativas como a adoção de cotas, consolidação do ensino sobre história e cultura afro-brasileira (já prevista em lei), entre outros mecanismos que devem ser fortalecidos para o enfrentamento da desigualdade racial, principalmente pela importância do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) que fez 10 anos em 2020.
O Dia da Consciência Negra é um convite à todas e todos a refletir e agir. Possui significados para toda a sociedade, em especial, para os afro-brasileiros que lutam a cada dia para reverter posições nos indicadores sociais e construir um país mais justo.
Foto de topo: Mídia Ninja
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