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Perspectivas e desafios no campo dos direitos LGBTQIA+ no Brasil em 2021

São lutas difíceis, sabemos. Mas não temos outra saída senão a luta, já que nossas próprias existências dependem dela. Para 2021 desejamos poder unir mais forças.

Guilherme Gomes Ferreira

Laura Barcellos de Valls

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Por Guilherme Gomes Ferreira¹ e Laura Barcellos de Valls²

Vivemos um tempo de vidas pela metade. Todos os dias, no Brasil, recebemos notícia de que um dos nossos direitos está em risco ou então vemos uma política pública diferente sendo sucateada pelo desfinanciamento público acelerado, desde a “PEC da morte” – a Emenda Constitucional nº 95, que estabelece um limite de gastos públicos durante vinte anos – até o recente parecer favorável à redução da maioridade penal assinado pela Secretaria Nacional da Juventude, órgão que foi conquistado a duras penas e que atualmente está a serviço deste governo genocida e ultraliberal.

O sentimento, por isso, é de exaustão. Já não sabemos em que luta ou defesa devemos depositar nossas energias, sobretudo em um ano como este em que as crises que já experimentávamos – econômica, social, de representação política – se uniram a uma crise sanitária sem precedentes nos últimos tempos. Junto a isso, temos vivido ataques moralizantes específicos em relação a determinadas populações, ataques que são fortalecidos pelo representante político mais importante de um país, que, fazendo com as mãos o gesto de uma arma, aponta contra as vidas de quem, para ele, não tem importância.

>> >Os direitos das pessoas transexuais e travestis migrantes

É a política “liberal na economia e conservadora nos costumes”. A pluralidade que compõe a sociedade brasileira parece, assim, correr um risco diante da racionalidade neoconservadora do tempo presente: a ideologia dominante que se expressa nas relações sociais se apresenta de maneira contrária e violenta em relação a determinados grupos sociais específicos, entre eles, as pessoas LGBTI+.

É interessante perceber, por outro lado, que mesmo nesse cenário nós nos encontramos, também, em um momento de intensa normatização institucional dos direitos sociais através da constituição de legislações que dão contorno às particularidades que compõem a realidade brasileira.

>>>Resistência do Judiciário dificulta punição a LGBTIfobia no Brasil

As agendas de gênero e de sexualidade e suas conexões com marcadores de raça/etnia, geração, território e outros são desmontadas no plano político, restando para as pessoas LGBTI+ a política da morte.

Evidentemente, essa população que morre tem raça e classe, já que sabemos quem perde primeiro: as travestis, cujas experiências com o estigma e o abandono as levam para o trabalho sexual precarizado, o que ocorre com 95% dessa população, cuja expectativa de vida é de 35 anos; negros e negras LGBTI+, que são alvo fácil da “bala perdida” das polícias; e pessoas LGBTI+ privadas de liberdade, grupo que atualmente se constitui em pouco mais de 10 mil pessoas segundo dados do Departamento Penitenciário (Depen).

>>>Entrevista: Candidaturas trans batem recorde em 2020, mas falta apoio dos partidos. dis Antra

Essa política da morte é tão visível que mesmo no contexto pandêmico atual é possível perceber como certas classes e grupos são negligenciados no combate e prevenção da covid-19. A população prisional, por exemplo, foi retirada do plano emergencial de vacinação do governo brasileiro, mesmo o sistema prisional sendo um espaço privilegiado para o desenvolvimento e agudização dos mais diversos problemas de saúde física e mental.

Também podemos esperar que a vacina demore mais a chegar às zonas rurais do nosso país e aos interiores onde os serviços de saúde são mais sucateados e distantes das moradias residenciais.

E que saídas podemos vislumbrar nesse cenário? Se a população LGBTI+ que está mais em risco nesse momento é, como dissemos, a de pessoas negras e periféricas, um dos nossos principais desafios é justamente incidir sobre a política de segurança que está aí, esta que tem substituído cada vez mais o “social” pelo “penal”; que trata o uso de drogas não como questão de saúde mas como questão de polícia; que etiqueta o precariado como “classe perigosa” numa evidente criminalização da pobreza; que deseja reduzir a maioridade penal e oferecer armamento à população.

Em outros países do mundo, os movimentos sociais da diversidade sexual e de gênero já entenderam que a luta contra o complexo industrial-penal tem de ser uma luta central das pessoas LGBTI+.

Historicamente nossas experiências sexuais e de gênero são marcadas como desvio ou como crime, e pessoas da nossa comunidade têm sido presas e punidas mais facilmente, o que evidencia a forma como a seletividade penal é operada em excesso, tornando pessoas LGBTI+ negras e negros, jovens e pobres um público preferencial das atividades de segurança.

>>>Covid-19: Sociedade civil dá suporte a populção LGBTI+ em favelas cariocas 

Para 2021 desejamos poder unir mais forças na redução da prisão provisória no Brasil, entendendo que esse tipo de prisão compõe o grande encarceramento brasileiro. Desejamos construir mais emprego e renda para pessoas LGBTI+, mais política social e mais acesso a direitos, bens e serviços socioassistenciais que fortaleçam nossa população para o enfrentamento à moralidade conservadora que faz parte das instituições de justiça e segurança.

Desejamos mais trabalho de base e mais presença do Estado naqueles lugares que foram ocupados pela igreja ou pelo tráfico. Desejamos o fortalecimento do SUS e do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) em todos os seus níveis.

São lutas difíceis, sabemos. Mas não temos outra saída senão a luta, já que nossas próprias existências dependem dela.

¹ Coordenador voluntário do Núcleo de Justiça da Somos;
² Assistente de coordenação do Projeto Passagens.

Foto: Mídia NINJA

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