Com poesia, Florência busca visibilidade para imigrantes LGBT+
A drag queen é alter ego do boliviano Remberto Suárez Roca. Em 2018, foi uma das vencedoras do festival de Música e Poesia do CAMI
Alex Vargem
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Por Alex Vargem, do CAMI
Fazia uma tarde de domingo gelada em São Paulo quando Remberto Suárez Roca subiu ao palco instalado na praça Kantuta, no centro da capital. Vinha caracterizado: tranças longas coloridas no cabelo, vestido rodado e chapéu coco, como uma perfeita chola boliviana. Naquela tarde, o tímido Remberto cedia lugar a Florência Transformista, uma drag queen imigrante e debochada, ativista dos direitos LGBT+: “Basta de explorar me!”, declamou, séria, para surpresa da plateia.
O ano era 2018 e Florência era uma dos mais de 20 artistas que se apresentariam durante o VII Festival de Música e Poesia do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI). Anualmente, o evento reúne cerca de 700 pessoas de diversas nacionalidades na praça Kantuta, um tradicional ponto de encontro das comunidades de imigrantes latino-americanos que moram em São Paulo.
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Bolivianos, chilenos, peruanos, cubanos, haitianos, e africanos de diversos países — sobretudo, de Angola, Burkina Faso,Guiné, Guiné-Bissau, Moçambique, Nigéria,Quênia, República Democrática do Congo, Senegal e Serra Leoa — participam do festival, que dura uma tarde inteira e se estende pelo começo da noite.
Em 2019, a VIII edição do festival está marcada para o próximo domingo, dia 1, a partir das 13h. Será feita com orçamento mais modesto que o normal, e com menos apoio da prefeitura da capital. É possível que, neste ano, falte um palco de fato ao evento. Em contrapartida, há expectativa de que imigrantes de um maior número de nacionalidades se apresentem.
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Em tom de festa, os participantes apresentam músicas e poesias. Muitas são composições próprias. Embora não seja regra, a maioria vem carregada de forte conteúdo político. Era o caso do poema declamado por Florência: “Basta de humilharme! De discriminarme! Reclame! Donde están mis documentos? Porque no me aceptan? Porque no me respetan?”, continuou Florência. As frases, duras, contrastavam com os trajes alegres da drag queen. Os cinco membros do júri ficaram encantados. Naquele tarde, Florência levou o primeiro lugar na categoria poesia.
Remberto Suárez Roca tem 32 anos de idade e cinco anos de Brasil. Alegre e tímido, migrou de sua Bolívia natal em busca de melhores condições de vida em terra estrangeira. No Brasil, trabalhou como costureiro de perucas e cuidador de idosos. Hoje, faz um curso técnico de enfermagem. Florência Transformista, seu alter ego debochado e festivo, surgiu em meio às apresentações que Remberto fazia em saraus, teatros e escolas, como artista performático. Usando trajes tradicionais e maquiagem pesada, a drag recorre à poesia para tratar de temas caros à comunidade LGBT+: “Como artista e transformista, quero dar um grito de diversidade”, sentencia em um dos poemas. O figurino, vez ou outra, é coroado por uma lhama de pelúcia, encarapitada no ombro direito do artista. Os textos, de sua composição, são sempre escritos em espanhol.
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Entre as comunidades de imigrantes que vivem em São Paulo, as discussões sobre direitos LGBT+ são vistas como um tema ainda sensível. Parte dos ativistas que chegam ao Brasil sofriam algum nível de perseguição em seus países de origem, devido a sua sexualidade ou identidade de gênero. Entre alguns, persiste o temor de, já no Brasil, sofrer com o ostracismo provocado pelo preconceito.
Mas essa é uma discussão que avançou nos últimos anos. Criaram-se grupos de mulheres que discutem femininismo e visibilidade lésbica. Entre os bolivianos que residem em São Paulo, Remberto é um dos poucos a se posicionar abertamente em favor dos direitos da população LGBT+. Nos eventos de que participa, Florência é sempre recebida com alegria.
Florência deve se apresentar novamente no festival de 2019. Mas faz mistério sobre a poesia escolhida — é de bom tom que os jurados não conheçam o texto até o momento da apresentação.
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