Fotógrafo Guajajara registra cotidiano da aldeia onde cresceu
Genilson Guajajara nasceu na Terra Indígena Rio Pindaré, no Maranhão. Com suas fotografias, quer construir um novo imaginário a respeito dos povos indígenas
Rafael Ciscati
5 min
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No começo de 2020, quando a pandemia do novo coronavírus parecia ainda uma tragédia improvável, o fotógrafo Genilson Guajajara foi convidado a registrar um ritual que aconteceria numa das aldeias do seu povo, no norte do Maranhão. Como de costume, aceitou o convite. “Para mim, é sempre um privilégio poder mostrar nossa cultura. Contar nossas histórias do nosso jeito”, conta ele.
Tratava-se da Festa da Menina-Moça, que ele apresenta nas três primeiras imagens desta série. O ritual marca o momento em que as meninas Guajajara chegam à idade adulta, depois da primeira menstruação. “É como uma festa de debutante”, brinca Genilson. À convite dos pais das moças, toda a aldeia participa de rituais que duram dias inteiros: da sexta-feira ao domingo de manhã
Nascido e criado na Terra Indígena Rio Pindaré, Genilson registra essa movimentação com a intimidade de quem conhece o significado de cada gesto. “Quando fotografo o ritual, eu também participo” conta ele. “Procuro registrar aquilo que eu acho curioso ou interessante. Mas há momentos que são só nossos”. Esses, Genilson não fotografa. Prefere vivê-los — e guardá-los na memória.
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Genilson Guajajara tinha 23 anos e sonhava ser pedagogo quando, num golpe do acaso, elegeu a fotografia como vocação. O encontro com a câmera, conta ele, aconteceu durante uma oficina de formação política promovida pela organização Justiça nos Trilhos. A atividade reuniu jovens de comunidades indígenas e povos tradicionais cujas vidas eram afetadas por grandes empreendimentos minerários. “Aquelas conversas me abriram os olhos” conta Genilson. “Percebi que muita coisa que acontecia na aldeia, e que para mim era normal, não tinha nada de natural”.
Localizada às margens da BR 316, que corta a terra indígena Rio Pindaré, a aldeia onde Genilson cresceu é alvo fácil de invasores. A presença da rodovia, por si só, representa risco à vida de quem circula pelo território. “Nos últimos anos, pessoas morreram atropeladas”, afirma Genilson. Na roda de discussão com outros jovens, ele ouviu histórias semelhantes às suas. Casos em que obras de infraestrutura ameaçavam o modo de vida de populações inteiras. E casos de pessoas que se reuniram para defender seus territórios. “Decidi que iria lutar também. Mas do meu jeito”, conta. “Resolvi mostrar, a quem é de fora, como a gente vive”.
As primeiras fotos foram feitas de improviso, com a câmera do celular. Mostravam o dia a dia da aldeia, as brincadeiras das crianças e a lida dos anciãos. Hoje, o equipamento é profissional. Mas o foco das lentes segue o mesmo. “A sociedade ainda acha que o indígena é preguiçoso, que nós atrasamos o progresso. Eu fotografo para desconstruir essa visão”, afirma. “Mostro que temos uma relação diferente com a natureza”.
O despertar de Genilson para a fotografia, lembre ele, coincidiu com o surgimento de outros fotógrafos e comunicadores indígenas que, espalhados pelo Brasil, contam as próprias histórias, sem intermediários. E recorrendo à internet para alcançar público amplo. Um marco desse processo foi a criação da Mídia Índia em 2017. O coletivo, de que Genilson faz parte, reúne jovens que fazem comunicação para mostrar “a verdadeira história, culturas e tradições de todos os povos Indígenas do Brasil”. “Antes de participar da luta, eu achava que a foto servisse somente para registrar o momento e postar nas redes sociais”, conta Genilson. “Hoje, eu acredito que isso vai além. É uma forma de mostrar nossa resistência e ocupar um espaço que antes a gente não tinha”.
A maior parte dessa produção pode ser vista no instagram do fotógrafo. No começo do ano passado, Genilson lançou o projeto Memória Viva Guajajara, em parceria com o fotógrafo Antônio Guajajara. Contemplado em um edital do governo maranhense, a iniciativa deve virar exposição física ainda em 2021.
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Logo que chegou à Festa da Menina Moça, no início do ano passado, Genilson notou que não era o único fotógrafo convidado. Um outro profissional, de fora da aldeia, circulava entre as pessoas, pedindo fotos e instruindo poses. Genilson achou a postura curiosa. “Logo que comecei a fotografar, eu tinha medo de atrapalhar”, conta. “Mesmo hoje, antes de fazer as fotos, peço permissão e deixo que as pessoas continuem com seus afazeres”. Observou à distância, enquanto o colega perfilava as crianças para mais um clique. Genilson não viu as fotos prontas. Mas algo ali o incomodou. “ Aquele era um outro olhar”, pondera. “Por muito tempo, nós fomos representados pelas lentes de gente de fora. Agora, eu quero que o olhar que fotografa seja o nosso”.
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