Programa federal de proteção a defensores vive “pior momento”, afirma relatório
Análise aponta que, em 2020, apenas 10,2% do orçamento previsto para o ano foi empregado em ações de proteção. Segundo ativistas, faltam recursos e diálogo com a sociedade
Rafael Ciscati
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Criado no final de 2004, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) chega, 17 anos depois, “ao seu pior momento”. Financiado pelo governo federal, o programa funciona por meio de convênios com organizações sociais, além de manter equipes próprias em oito estados e uma equipe federal, sediada em Brasília. Segundo ativistas que acompanham sua atuação, o PPDDH sofre hoje com baixa execução orçamentária, e tem menos funcionários do que o necessário para atender a uma demanda crescente. “Há uma enorme diminuição no número de atendimentos feitos pelo PPDDH, ao mesmo tempo em que a gente vê um acirramento da violência contra defensoras e defensores de direitos humanos”, afirma Sandra Carvalho, coordenadora da ONG Justiça Global.
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A avaliação consta em uma análise que a Justiça Global recém publicou em parceria com a Terra de Direitos. O documento examina a condução do programa desde sua criação. Mostra que, em 2020, apenas 10,2% do orçamento disponível para o ano foi executado até dezembro. A não utilização dos recursos, apontam os autores, deixa ativistas vulneráveis. Hoje, o Brasil é o sexto país que mais mata ativistas em todo o mundo, segundo levantamento da ONG Front Line Defenders.
O PPDH surgiu durante o primeiro governo Lula, pouco depois do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, no Pará. O crime chamou a atenção internacional para os riscos enfrentados pelos defensores de direitos humanos no Brasil. O problema ainda persiste mas, desde 2018, o volume de recursos pagos para manutenção do programa despencou: foi de pouco mais de R$12 mi para R$3 mi em 2019. Desde então, a tendência é de queda. Os valores contrastam com o orçamento disponível, que cresceu a partir de 2017, mas não é integralmente aplicado.
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Segundo Sandra, a baixa aplicação dos recursos acontece em um contexto de “falta de transparência”, com pouca participação da sociedade civil na definição dos rumos das atividades. Ela explica que, ao ser criado, o PPDDH contou com o acompanhamento próximo de grupos e movimentos sociais. “A sociedade civil participava da coordenação nacional do programa, contribuía com análise de casos e pensava estratégias de proteção”. O quadro mudou no final do governo Dilma quando, por decreto, esses grupos foram excluidos da coordenação do PPDH. A participação popular seria parcialmente restabelecida em setembro de 2021, com a criação de três vagas para a sociedade civil no Conselho Deliberativo do programa. “Mas ainda não há equilíbrio” aponta Sandra. “A sociedade civil ainda está em desvantagem em relação ao número de representantes de órgãos do Estado”.
A falta de diálogo, sustenta ela, têm impacto direito nas ações do programa, que falha ao não atender as necessidades dos ativistas ameaçados. “São as organização e movimentos que estão nos territórios que podem contribuir, efetivamente, para incrementar as medidas de proteção”.
Brasil de Direitos: Quais as consequências mais imediatas da baixa execução orçamentária?
Sandra Carvalho: O discurso do governo é de que o orçamento aumento ano a ano. Mas a execução é baixa: o recurso não chega na ponta. Isso tem um impacto na proteção de defensores e defensoras e na capacidade de atuação do programa. Há estados muito grandes, como o Pará e Minas Gerais, que contam com um número grande de defensores inseridos no programa, mas têm equipes técnicas pequenas (em Minas Gerais, 10 funcionários fazem o acompanhamento de 75 casos, segundo dados de junho de 2021). Não há recursos humanos em número suficiente para fazer atendimento mais qualificado. Na prática, algumas organizações, como a Justiça Global, tem aplicado recursos próprios na compra de equipamentos de segurança para atender esses ativistas em risco. Recursos usados na compra de câmeras de segurança, ou na construção de muros nas sedes de movimentos sociais.
Organizações da sociedade civil assumem tarefas que, num cenário ideal, estariam na alçada do programa?
Não é só na compra de equipamento. Quando falamos de proteção de defensores, importam muito as articulações entre políticas que podem enfrentar problemas estruturais. No caso das comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo. Para que elas estejam seguras, é preciso avançar no processo de reconhecimento de seus territórios tradicionais. Isso exige buscar diálogo com órgãos públicos — um diálogo que o Programa, hoje, não fomenta. Hoje, o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos arca com custos de deslocamento, pagando passagens.
O relatório aponta que falta flexibilidade ao Programa. A burocracia dificulta o atendimento às necessidades de defensores e defensoras?
Nos convênios, há uma certa limitação do que o Estado pode fazer ou não. Não há flexibilidade para aquisição de equipamentos de segurança, por exemplo. Esses equipamentos são fundamentais para aumentar o grau de proteção.
Vocês sustentam que a participação da sociedade civil na gestão do programa fica aquém do ideal. Falta diálogo?
Sem dúvida. Quando o programa foi criado, durante do governo Lula, organizações da sociedade civil participaram de um grupo de trabalho que lhe deu forma. Essa participação continuou a existir por vários anos: a sociedade civil participava da coordenação nacional, contribuía com análise de casos e pensando estratégias de proteção. O cenário mudou no final do governo Dilma, quando ela assinou um decreto que pôs fim a essa participação popular. Em setembro de 2021, fomos surpreendidos por um decreto do governo federal que restituiu parte dessa participação social, ao abrir três vagas para a sociedade civil no Conselho Deliberativo, o órgão decisório do programa. Ainda não há equilíbrio. A mudança trouxe apenas uma falsa impressão de participação popular, porque a sociedade civil ainda está em desvantagem em relação ao número de representantes de órgãos do Estado. Isso é prejudicial: são as organização e movimentos que estão nos territórios que podem contribuir, efetivamente, para incrementar as medidas de proteção
O Brasil está entre os países mais mata ativistas em todo o mundo. Qual o cenário para o ano que vem, quando ocorrem eleições? Haverá acirramento das tensões?
A perspectiva é de que as tensões se acirrem. Nos últimos anos, temos realizado pesquisas relacionadas à violência política. Nas últimas eleições, observamos uma ampliação positiva do número de mulheres defensoras de direitos humanos eleitas para as casas legislativas. Mas observamos, também, sucessivos ataques contra elas. São, muitas vezes, mulheres negras. Algumas, mulheres trans. Essa tendência [ de aumento no número de ataques] deve se aventurar no próximo ano. Algo parecido deve acontecer nos territórios. Em parte porque o governo Bolsonaro tem essa característica de estimular o ódio difuso. Ele desqualifica a atuação de ativistas, povos indígenas e quilombolas, e isso conduz a um incremento nos casos de violência.
Foto de topo: Midia Ninja
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