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No vale do Javari, povo Mayuruna monitora terra indígena na ausência do Estado

Em junho, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram mortos na região. Segundo Jaime da Silva Mayuruna, fragilização da Funai expõe indígenas a riscos

Rafael Ciscati

5 min

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O povo Mayuruna vive no vale do Javari, numa região de fronteira entre o Brasil e o Peru. Uma área onde, no últimos anos, os conflitos se avolumam conforme avançam o tráfico de drogas, a caça e a pesca ilegal – e conforme o Estado brasileiro se ausenta. Pressionados pela presença de criminosos, os Mayuruna se organizaram para fazer a fiscalização do próprio território.  “Decidimos proteger a terra indígena, em prol das próximas gerações”, diz Jaime da Silva Mayuruna

Silva é uma das lideranças da Organização Geral dos Mayuruna (OGM), que reúne indígenas dessa etnia. Ele também conta que era próximo do indigenista Bruno Pereira, morto por pescadores ilegais em junho passado. O assassinato de Pereira e do jornalista Dom Phillips  colocou o vale do Javari nas manchetes de jornais de todo o mundo. E chamou a atenção para a fragilização da Fundação Nacional do Índio (Funai) na terra indígena. Relatórios da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) alertavam para o problema desde 2018. Segundo Silva, apesar dos muitos alertas, nada mudou para a região. 

Segundo ele, as denúncias feitas pelos Mayuruna e por outros moradores da área não são investigadas. 

>>Amazônia: Funai no Vale do Javari sofre com histórico de ataques

Brasil de Direitos: O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips chamou a atenção para a ausência do Estado no vale do Javari, e para o aumento da violência contra povos indígenas na região. Desde então, algo mudou?
Jaime da Silva Mayuruna: Não. Não houve fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região. Uma organização que, anos atrás, tinha uma presença recorrente no território indígena, mas que hoje é quase nula. Hoje, as bases que foram criadas para proteção de indígenas isolados estão desprotegidas. Basicamente, lhes resta assistir aos madeireiros ilegais subir e descer o rio. Não há estrutura para coibir ilícitos. A Funai acabou. Ficou só o nome nas bases. 

Quais as principais ameaças?
Há tráfico de drogas, caça e pesca ilegal, além de ilicitos com madeira. Nos rios Ituí, Itacoaí,e Jandiatuba há também presença cada vez maior de garimpeiros. Na região onde meu povo vive, esses crimes são menos comuns. Fazemos um trabalho de monitoramento que afasta essas atividades. O trabalho do [indigenista] Bruno Pereira com os mayuruna envolvia capacitar os jovens para continuar fazendo esse monitoramento. Quando foi assassinado, ele tinha acabado de voltar de uma expedição com indígenas. Tinha a expectativa de fazer uma reunião com comunidades nao-indígenas, que são exploradores também. A ideia do Bruno era incentivar o manejo sustentável da pesca. Há programas do governo que deveriam fazer isso. Ele queria implantá-los nas comunidades. 

Como é feito esse monitoramento?
A terra indígena do Vale do Javari é muito grande. São mais de 8 milhões de hectares. É grande, também, a ausência do Estado. Decidimos tomar a iniciativa de proteger nossos território em prol das gerações futuras. Boa parte do trabalho é feita pela água. Identificamos grupos de pescadores que atuam ilegalmente e de madeireiros. 
Em terra, limpamos a mata próxima das placas que assinalam os limites da terra indígena. É importante lembrar que fazemos esse trabalho desde antes da demarcação da terra indígena. Na época, não conseguíamos apreender o peixe e a madeira que eram exploradas. Isso continua difícil. Estamos numa região de fronteira. Os madeireiros sobem o rio, extraem madeira e transferem para o lado peruano. 

As denúncias que vocês fazem são investigadas?
Elas não dão resultado. Mesmo depois da morte do Bruno, fizemos relatórios apontando a presença de pescadores e garimpeiros na região. Mas a sensação é de que denunciar não vale a pena. Trabalhamos sós. Os mayuruna já fizeram enfrentamento, mas não fazemos mais isso. Sobretudo em relação aos traficantes. Eles usam os rios da região como rota de passagem. Nossos grandes problemas são as ações de pescadores, madeireiros e garimpeiros. Se não barramos seu avanço, eles podem nos destruir. 

Sempre houve garimpo na região?
Notamos a presença dos garimpeiros a partir de 2019. O garimpo acontece, sobretudo, no rio Jandiatuba, que fica na região mais ao sul do vale do Javari. 

Apesar de evitar confronto direto, esse trabalho de monitoramento expõe vocês a risco. Vocês são ameaçados?
Temos contato direto com os criminosos. Estamos em risco. Já me disseram: “se você for para a cidade, você morre”. São ameaças diretas. Mas a gente não foge. 

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