Aquecimento global: perguntas e respostas para entender a crise climática
Seca extrema, fogo fora de controle, inundações: o Brasil já vive os reflexos da crise do clima. Entenda o fenômeno provocado pela ação humana
Rafael Ciscati
10 min
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O Brasil vive hoje a pior estiagem dos últimos 70 anos. Números do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem) mostram que pelo menos 201 municípios espalhados pelo país enfrentaram seca severa em agosto. E mais da metade das cidades — 3978 de um total de cinco mil— experimenta falta de chuvas em algum grau.
O problema, claro, não vem sozinho. A falta de chuvas facilita a propagação de incêndios. De janeiro a setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais de 190 mil focos de calor — um aumento de 101% quando comparado ao mesmo período do ano passado. No caso da Amazônia, trata-se da pior temporada de fogo das últimas duas décadas.
O resultado disso, dá para sentir no ar: no começo deste mês, perto de metade das cidades brasileiras amanheceu encoberta por fumaça.
Os cientistas são cautelosos, e ainda não chegaram a um consenso quanto às razões da estiagem severa de 2024.
Mas ela se assemelha muito à seca que afetou o país em 2023. E, no caso do ano passado, sabemos que a seca recorde teve um catalisador importante: o aquecimento global. A conclusão consta em, pelo menos, dois estudos realizados de maneira independente e publicados neste ano.
Um deles, divulgado em finais de abril, foi conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em parceria com cientistas de outras instituições. Sugere que o planeta mais quente intensificou os efeitos do El Niño – um fenômeno natural que, normalmente, já derruba os índices pluviométricos no Norte do Brasil. Agravado pelas mudanças climáticas, teve efeito desastroso.
Outro, publicado em janeiro, foi conduzido por cientistas da Rede Mundial de Atribuição (WWA), que reúne pesquisadores de instituições europeias. Aponta que o aumento da temperatura média do planeta tornou a Amazônia brasileira mais suscetível a períodos sem chuvas. Com ou sem El Niño.
Os casos de 2023 e 2024 podem surpreender, mas não são pontuais: a ciência já demonstrou que, conforme o planeta aquece, o regime de chuvas no Brasil muda. Um terceiro estudo, recém-divulgado pelo Inpe, mostrou que a média de dias consecutivos sem chuva no país aumentou nos últimos 60 anos. Foi de 80 dias para 100.
“Esse aumento progressivo é um indicador claro de que as mudanças climáticas já estão impactando significativamente o clima no Brasil”, disse o pesquisador do Inpe Lincon Alves. Por causa do aquecimento global, deve chover menos em boa parte do país. Em outras regiões, é possível que as chuvas fiquem mais intensas: e as inundações, mais comuns.
A estiagem prolongada, os incêndios fora do controle e o ar quase irrespirável do Brasil nas últimas semanas são o reflexo presente de uma crise sobre a qual a ciência nos alerta desde meados do século passado.
Mas, afinal, o que é o aquecimento global – ou a crise do clima? Algo pode ser feito para evitar que a situação se agrave? O que já está sendo feito?
A seguir, Brasil de Direitos responde a algumas dessas questões.
Quais as causas do aquecimento global?
Nos tempos de escola, você deve ter ouvido falar de um fenômeno natural chamado “efeito estufa”. Ele é provocado por gases importantes, como o metano e o dióxido de carbono (CO2), que aprisionam o calor do Sol, e evitam que ele seja perdido para o espaço. O efeito estufa, propriamente, não é ruim: sem ele, a Terra seria um planeta gelado, incapaz de abrigar as formas de vida que existem no planeta hoje.
O problema é que, desde meados do século XVIII, a atividade humana desequilibrou esse processo. A queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão mineral — usados em atividades industriais e no transporte — fez crescer a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta.
Hoje, estima-se que a humanidade lance 41bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera todo ano.
Desse total, o Brasil responde por cerca de 3 bilhões.
O resultado é que o cobertor ficou mais espesso. A esse fenômeno, provocado pela ação humana, os cientistas chamam de “aquecimento global”.
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O clima já mudou?
Os casos de seca e eventos climáticos extremos, relatados nos parágrafos anteriores, dão a dica: sim, o clima do planeta já mudou. A comparação é feita com o período antes da revolução industrial. De lá para cá, a quantidade de CO2 na atmosfera terrestre aumentou muito: hoje, a concentração é a maior dos últimos 2 milhões de anos. Em função disso, o planeta ficou mais quente: em média, 1,2 ºC.
Esse é um número médio: recentemente, houve momentos em que o planeta esteve, momentaneamente, mais quente que isso. Desde junho de 2023, a temperatura na terra está 1,5ºC mais alta que no período pré-industrial. Em função disso, 2023 foi declarado o ano mais quente da história.
Um aumento de 1,5ºC ou 2ºC parece pouco. Quais as consequências das mudanças climáticas?
Parece pouco, mas um aumento de 1ºC já é suficiente para perturbar o equilíbrio fino que rege o clima no planeta. Os resultados são secas severas, como as observadas no Brasil desde 2023. Ou a ocorrência de eventos climáticos extremos: inundações maiores, ciclones mais destrutíveis.
A escalada da temperatura também pode acarretar no aumento do nível do mar; e na extinção de espécies.
Em 2018, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — um grupo que reúne cientistas renomados do mundo todo, e que ganhou o prêmio Nobel da paz em 2007— publicou um relatório que analisa os potenciais impactos de um mundo 1,5ºC mais quente.
O documento projeta que, nessa temperatura, cerca de 4% dos ambientes terrestres devem passar por alterações que podem acarretar na perda de biodiversidade. Com os oceanos mais quentes, diversas espécies marinhas vão migrar para latitudes mais altas, o que reduzirá a produtividade da pesca.
Os efeitos se agravam conforme a temperatura sobe. Em artigo no jornal Folha de S.Paulo, o climatologista Carlos Nobre — um dos cientistas mais respeitados do mundo— explica que, se a temperatura do planeta aumentar em 2,5ºC, vamos atingir os chamados “pontos de não retorno”. São aqueles fenômenos danosos impossíveis de reparar, como a morte de todos os corais; e a desertificação de até 70% da floresta amazônica.
Cada uma dessas mudanças pode servir de gatilho para outros danos. A desertificação da Amazônia, por exemplo, mudaria a dinâmica das chuvas em todo o país. Hoje, a chuva que cai no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil vem da floresta. Ela viaja por meio de “rios voadores”— os mesmos que, nas últimas semanas, transportaram fumaça em lugar de águia. Se a mata virar deserto, não vai mais chover nessas regiões. Sem chuvas, não há como manter cultivos ou criar animais, e deve faltar comida.
No mesmo artigo, Nobre lembra que o aumento da temperatura da Terra pode acelerar conforme os danos se acumularem: se ultrapassarmos a marca dos 2,5ºC de aquecimento, a camada de gelo que recobre a Tundra da Sibéria vai desaparecer. Com isso, imensas quantidades de CO2 serão liberadas na atmosfera, fazendo o planeta ficar ainda mais quente.
Cientista acreditam que vamos ultrapassar esse limiar – dos 2,5ºC – ainda neste século.
Por que, hoje, se fala em uma “crise climática”?
A expressão tem o objetivo de destacar a gravidade do problema. Não se trata, afinal, de uma mudança inócua: o aumento da temperatura do planeta pode encadear uma série de efeitos desastrosos, que levarão ao desaparecimento de espécies inteiras.
O que está sendo feito para combater a crise do clima?
Em 2015, 195 países membros da Organização das Nações Unidas assinaram o Acordo de Paris: se comprometeram a zerar suas emissões líquidas de CO2 até 2050. Isso significa que, nessa data, todo o gás carbônico que for emitido por atividades humanas deverá, logo a seguir, ser retirado da atmosfera. O objetivo, com isso, é evitar que a temperatura do planeta suba para além do limite de 1,5ºC.
Para alcançar essa grande meta, cada país definiu para si objetivos intermediários batizados de NDCs – as Contribuições Nacionalmente Determinadas. Elas descrevem em quanto cada país pretende baixar suas emissões a cada ano; e apontam as estratégias que as nações pretendem adotar para tornar isso possível. No caso da NDC do Brasil, por exemplo, o país se compromete a zerar o desmatamento até 2030.
Essa medida é especialmente importante porque, hoje, florestas tropicais estão entre as principais responsáveis por sequestrar carbono da atmosfera: as árvores desses biomas absorvem grandes quantidades de gás conforme crescem. Quando a floresta queima ou é cortada, além de parar de absorver CO2, ela libera o gás de volta para a atmosfera.
Hoje, cientistas temem que grandes florestas, como a Amazônia, podem em breve se transformar em emissoras de gases de efeito estufa, por causa do desmatamento e do aumento da temperatura terrestre.
Estamos perto de alcançar as metas definidas no Acordo de Paris?
Não. Como dissemos alguns parágrafos atrás, a humanidade lança na atmosfera algo em torno de 41 bi de toneladas de CO2 todos os anos. Considerados todos os gases de efeito estufa, essa quantidade chega a 51 bi de toneladas. Esse número pouco mudou nos últimos 10 anos: segundo o Global Carbon Project, um consórcio de cientistas que calcula essas emissões, as emissões decorrentes do uso de combustíveis fósseis chegaram a aumentar em 1,1% entre 2022 e 2023.
O Acordo de Paris, assinado há oito anos, prevê que os países reduzirão suas emissões gradualmente até chegar a 0 em 2050. Depois de quase uma década, pouco se avançou: segundo a ONU a quantidade de gases de efeito estufa emitidos anualmente continua a aumentar, ainda que o ritmo dessa aumento tenha desacelerado.
Segundo o World Resources Institute (WRI), para ficar dentro da meta de um mundo 1,5ºC mais quente, precisamos cortar as emissões de carbono pela metade ainda na década de 2020.
Qual a relação entre o agronegócio e a crise do clima?
Hoje, o Brasil é um dos grandes poluidores globais. Se, em países como China e Estados Unidos, a maior parte das emissões decorre de atividades industriais ou de geração de energia, no Brasil as emissões são resultado de atividades relacionadas ao uso do solo.
O grande vilão é o desmatamento: segundo o Observatório do Clima, que monitora a emissão de gases de efeito estufa na América Latina, o Brasil emitiu 2,5 bilhões de toneladas desses componentes em 2023. Desse total, 48% foram fruto do desmatamento. Essa derrubada de floresta é criminosa: grileiros botam a mata abaixo e queimam os terrenos para, mais a frente, vendê-los. A maior parte desses terrenos vira pasto para criação de gado.
Em segundo lugar vem o setor de agropecuária propriamente, que responde por 27% das emissões brutas do país.
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