A democracia está em crise? Que bom que você perguntou!
Que bom que você perguntou! conversa com Ana Carolina Evangelista (Iser) e Athayde Motta (Abong) para entender quais os limites da democracia brasileira, e como ampliá-los
Rafael Ciscati
5 min
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Em 2022, o termo “democracia” figurou entre as palavras mais procuradas no dicionário online Dicio, popular entre brasileiros. O interesse é fácil de justificar: 2022 foi um ano de eleições gerais no Brasil, quando o país votou para eleger um novo presidente da República. Mesmo assim, dá para dizer que o salto nas buscas por “democracia” é também sintoma de uma curiosidade mais antiga. Já há algum tempo, as discussões sobre sistemas democráticos de governo – suas crises e como salvá-los – animam debates internacionais. Um dos maiores sucessos literários recentes, por exemplo, foi um livrinho chamado “Como as democracias morrem”. Escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, cientistas políticos e professores da universidade Harvard, o volume destrincha o roteiro seguido por líderes autoritários que, nas últimas décadas, corroeram a democracia por dentro: chegaram ao poder pelas urnas e, a partir daí, fragilizaram instituições de controle.
Anualmente, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Gotemburgo, na Suécia,divulga um estudo que busca avaliar a qualidade das democracias pelo planeta. O relatório mais recente, lançado no início de 2023, aponta que ela decai: no final de 2022, a qualidade das democracias tinha retrocedido aos mesmos níveis aferidos nos anos 1980. Hoje, diz o relatório, a forma de governo mais comum no mundo é a “autocracia eleitoral”: um tipo de regime em que há eleições, mas elas são manipuladas; os cidadãos não têm liberdade de manifestação e o poder, na prática, fica concentrado nas mãos de uma liderança autoritária.
Essa marcha autocratizante chegou ao Brasil. Desde 2018, os pesquisadores suecos destacam o país como um daqueles onde a democracia mais se fragilizou. Mas os suecos também apontam o Brasil como um caso positivo inédito: com o resultado das eleições de 2022, se tornou o único país a conter um processo de corrosão democrática já em andamento.
Como isso tudo aconteceu, e como escapar dessa crise?
No quarto episódio da série Que bom que Você perguntou! (o último dessa temporada), Brasil de Direitos conversa com Ana Carolina Evangelista, do Instituto de Estudos da Religião (ISER); e com Athayde Motta, da Associação Brasileira de Ongs (Abong) e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Eles nos ajudam a entender os limites da democracia brasileira, e apontam os caminhos que podemos trilhar para alargar esses horizontes.
Esse é um tema que interessa Brasil de Direitos faz um tempo. No começo de 2022, a plataforma publicou o especial Para onde vai a democracia? Um conjunto de reportagens e textos de opinião em que representantes de organizações da sociedade civil se debruçam sobre os principais problemas do Brasil, e propõem soluções.
Democracia para quem?
Desde 1989, os brasileiros vão às urnas a cada quatro anos, escolher um presidente ou uma presidenta da República. Do ponto de vista formal, a democracia brasileira parece ir bem, obrigado. Para Ana Carolina Evangelista, do Iser, não dá para chegar a essa conclusão analisando somente aspectos formais. “Que democracia é essa em que, a cada 23 minutos, um jovem negro morre assassinado?”, questiona.
Os pesquisadores suecos contam que a qualidade da democracia brasileira fez uma curva nos últimos 40 anos. Subiu continuamente desde o final dos anos 1980, conforme o país se redemocratizava, depois de mais de duas décadas de ditadura militar.. Estagnou por volta dos anos 2000. E passou a cair depois de 2014. A partir daí, alguns analistas começaram a arriscar que os brasileiros passaram a descrer das instituições democráticas: pessoas passaram a apoiar líderes autoritários, houve quem fosse às ruas pedir uma intervenção militar.
Ana discorda dessa interpretação. Para ela, não é a fé na democracia que anda abalada. O que existe é uma espécie de desalento: depois da redemocratização, os brasileiros esperavam que sua qualidade de vida melhorasse. Essa expectativa foi – ao menos parcialmente – frustrada. “As pessoas sentem que a política, e os atores da política, já não entregam melhores condições de vida”. Como reverter esse quadro? “É preciso buscar soluções para os problemas estruturais do Brasil. De modo a promover a emancipação da população, e não somente o incremento paulatino da sua qualidade de vida”.
Para Athayde, do Ibase, a saída para a crise está em dobrar a aposta na democracia, e radicalizá-la. “É preciso levar o que seria um pressuposto da democracia ao seu limite máximo, para testar se essa democracia é capaz de perdurar quando você inclui todo mundo, quando você representa todo mundo, quando você divide todos os meios de subsistência, quando você dá acesso a todas as oportunidades”, afirma. Na leitura dele, é esse o papel da sociedade civil organizada: apontar os limites da democracia e cobrar que ela vá além.
Que bom que você perguntou
A série Que Bom que Você Perguntou! foi pensada como um glossário destinado a facilitar conversas sobre temas complexos.
A primeira temporada foi ao ar em 2021. Desde então, foram publicados oito vídeos que discutiram assuntos diversos: de racismo estrutural ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Assista às temporadas anteriores aqui!
A terceira temporada da série começa a ser publicada nodia 23 de novembro na Brasil de Direitos e no youtube do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Até o dia 14 de dezembro, publicaremos um vídeo novo toda quinta-feira. Nessa temporada, Que bom que você perguntou! discute:
- Por que o Brasil prende tanta gente?
- O que é violência obstétrica?
- Por que demarcar terras indígenas
- Como fortalecer a democracia
Acompanhe e compartilhe!
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