A história do movimento LGBTQIA+ brasileiro em 3 conquistas, segundo ativistas
Organizações destacam momentos marcantes em história de conquistas e resistência
Rafael Ciscati
7 min
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Quando o movimento LGBTQIA+ surgiu no Brasil, em 1978, ele era conhecido somente como “movimento gay”. O termo refletia a realidade do primeiro grupo surgido no país a carregar essa bandeira: o grupo Somos, então formado majoritariamente por homens.
Naqueles anos de ditadura militar, a organização cobrava da sociedade brasileira uma revolução nos costumes. Punha em xeque a moral conservadora da época, em prol de maior liberdade sexual.
De lá para cá, 44 anos se passaram. Mudou a cara do movimento, a sigla que o representa e mudaram – ou se ampliaram – suas pautas prioritárias.
Conforme avançava o processo de redemocratização do país, ativistas entenderam que era possível, e necessário, desenhar politicas públicas capazes de promover os direitos dos muitos segmentos da população LGBTQIA+. Às pautas culturais e de costumes, uniram-se demandas relacionadas à saúde, ao acesso à educação, ao combate à violência.
Organizades em milhares de grupos pelo país, homens e mulheres cis e trans, pessoas não-binárias, bissexuais, homossexuais, assexuais – dentre tantas outras orientações sexuais e identidades de gênero – pressionaram o poder público para promover mudanças.
Forçaram o Estado a reconhecer a validade das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo; levaram a Justiça à equipar a LGBTfobia ao crime de racismo; e fizeram governos pensar políticas capazes de promover a saúde dessas populações.
>>Resistência do judiciário prejudica punição à LGBTIfobia no Brasil
No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, Brasil de Direitos convidou defensoras e defensores de direitos humanos, que atuam nessa pauta, a apontar momentos e conquistas marcantes para a história do movimento no Brasil.
A seguir, Marinalva Santana, do Grupo Matizes; Rildo Veras, do movimento LGBT Leões do Norte; Alexandre Bogas e Fabrício Bogas, do Acontece – Arte e Política LGBTI+; refletem sobre momentos que marcaram essa trajetória de avanços e resistência.
O reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo
Há pouco mais de 10 anos, em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de duas ações que se tornaram históricas para a população LGBTQIA+.
Ao apreciar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277, a Corte concluiu que “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”. A partir dali, o país passou a reconhecer a validade das uniões estáveis firmadas entre pessoas do mesmo sexo.
“Foi um dos marcos mais importantes da nossa história de luta”, afirma Marinalva Santana, do Grupo Matizes, do Piauí. “
A partir desse reconhecimento do Supremo, abriram-se as portas para a ampliação de vários direitos no campo civil. O direito ao casamento, o direito à herança e à adoção”.
Com isso, o Brasil foi pioneiro: tornou-se o primeiro país a reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo. A novidade trouxe segurança às famílias homoafetivas. “Elas saíram e uma espécie de limbo jurídico”, conta Fabrício Bogas, da Acontece – arte e política LGBTI+.
Antes desse avanço, casais homoafetivos não tinham direito à herança no caso da morte de um dos parceiros. Também não podiam fazer coisas simples, como contratar, juntos, um plano de saúde.
A mudança abriu caminho para que, anos depois, em 2013, o país passasse a reconhecer, também, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
A criminalização da LGBTIfobia
A criminalização da LGBTIfobia era um pleito antigo de setores do movimento LGBTQIA+. A primeira grande campanha a tratar do tema surgiu em 1982, idealizada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).
Na ocasião, o GGB organizou um abaixo-assinado reivindicando a medida, e cobrando que a homossexualidade deixasse de ser considerada uma doença. A campanha reuniu 16 mil apoiadores.
Mas a pauta avançou pouco no legislativo federal. Em 2006, a deputada federal Iara Bernardi (PT-SP) apresentou o projeto de lei 122, que tratava da criminalização da homofobia. O texto teve tramitação lenta, e foi alvo de oposição ferrenha, liderada pelo deputado Marco Feliciano.
A recusa do parlamento em discutir a criminalização resultou em duas ações no Supremo Tribunal Federal. Ambas argumentavam que, ao não pautar a questão, o legislativo se omitia.
No dia 13 de junho de 2019, 8 dos 11 ministros do STF votaram que, na ausência de uma lei específica, a LGBTIfobia fosse punida de acordo com a lei de Racismo (7716/85).
“Foi uma conquista muito significativa. Passamos anos reivindicando, e mostrando estatísticas de que o Brasil é um dos lugares que mais mata a população LGBTQIA+” afirma o sociólogo Rildo Veras, do grupo LGBTI+ Leões do Norte.
“Ainda que não tenha sido aprovada uma lei que criminalize a LGBTfobia, esse reconhecimento do STF foi importante. E mostrou que o Supremo Tribunal Federal está na vanguarda da garantia de direitos das populações historicamente marginalizadas”.
A Realização da I Conferencia de Direitos LGBTI
Entre os dias 05 e 08 de junho de 2008, o Brasil realizou a primeira Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. O evento foi convocado pelo governo federal e reuniu organizações de todo o país em Brasília para discutir a formulação de políticas públicas para essas populações.
De saída, a ideia era que o encontro servisse de base para a elaboração do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
“Foi uma conferência com vários desdobramentos. Reuniu pessoas de todos os lugares do país e trouxe uma visibilidade importante para o movimento”, afirma Fabrício Bogas, o Acontece – arte e política LGBTI+.
Outro desdobramento da primeira conferência foi a mudança oficial da sigla que designava o movimento no Brasil. Até ali, os movimentos eram agrupados sobre o acrônimo “GLBT”.
Uma votação entre os presentes definiu que a ordem dos termos deveria mudar, dando precedência ao L de lésbicas – uma sinalização de que o movimento estava comprometido com o combate ao machismo. (Já contamos essa história na Brasil de Direitos. Dê uma olhada).
Foto de topo: Registro da V Caminhada pela Paz do Grande Bom Jardim, em Fortaleza (Lucianna Maria da Silveira Ferreira/Cedeca-Ceará)
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