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A insurgência de mulheres negras resiste a Estado que produz morte

Operação da PM assassinou jovens negros e pobres no Complexo do Alemão. No Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, é com projeto político delas que resistimos

Giselle Florentino - Idmjr

6 min

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Publicado originalmente no site da IDMJR

Mais um dia 25 de julho chegou e nas ruas e nas mídias assistimos uma profusão de debates, intervenções artísticas e encontros para discutir a “potência das mulheres negras”. No máximo que atingem é o nível simbólico, a superfície das características das distintas e admiráveis mulheres negras do Sul insurgente, um Sul cada vez mais paupérrimo. Em que a pobreza, a miséria e o desalento tem a face de uma mulher negra.

Mas, dizem que hoje é dia de alegria, de celebração, de contar os pontos positivos e as vitórias das mulheres afrolatinoamericanas e afrocaribenhas. Eu, uma jovem mulher negra afrolatinoamericana, cria de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense/RJ, de asè, comunista, abolicionista penal e policial não vou pedir licença para mostrar as nossas dores e reivindicar nossos ideais.

 

Os dissabores de ser preta, o ódio e a raiva cotidiana que somos submetidas devido ao racismo que estrutura todas as relações sociais brasileiras, a luta constante para provar a esta sociedade racista, heteronormativa e patriarcal que nossos direitos sociais precisam ser exercidos e acima de tudo respeitados e principalmente a luta urgente pra se manter viva em um sistema que tenta a todo momento nos aniquilar. 

Vou aproveitar que nos dias simbólicos de luta antirracista, a branquitude finge abrir espaço e ouvidos para as pautas ditas identitárias. Por isso, vou exercer o meu direito de causar incômodo, de garantir constrangimento e o mal-estar à audiência branca, rica e cristã.

Como bem define Conceição Evaristo, “A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para ninar os da casa-grande e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”.

Da ponte pra cá, a vida é dura. O corre é grande! Vivemos uma rotina de terror de Estado há 522 anos, o cotidiano de incursões da polícia para executar mais pretinhos nas ruas e vielas das favelas e periferia, as constantes desapropriações e expulsões, a ausência de alimentação digna, a fossa aberta nas ruas – já que o saneamento e acesso a água limpa parece um sonho distante, o emprego que nunca aparece, o direito à saúde, educação e assistência social que nunca chega nos territórios pretos.

Afinal, quando este Estado genocida não nos mata na ponta do fuzil da Polícia ou na tortura das prisões, utiliza a máquina pública para impedir que os direitos sociais conquistados pelas lutas incessantes da classe trabalhadora possam ser experimentados pelas favelas e periferias.

 

Fala-se muito em democracia, em direitos humanos, em proteção social. Fala-se. Aqui, na minha terra, desconheço. Apenas ouço falar em períodos eleitorais, quando a direita e à esquerda atravessam a ponte da cidade para conquistar votos nas áreas pretas e empobrecidas do estado. Chegam aqui com suas bandeiras, panfletos e promessas que não vão cumprir. Eu acho tétrico, as moradoras e os moradores estão cansados de tanto teatro branco, coberto pelo véu da santa e ilibada democracia.

E como lembra a ingovernável, Assata Shakur: “Ninguém no mundo, ninguém na história, nunca conseguiu a liberdade, apelando para o senso moral do seu opressor.”

E não será com o pires na mão que virei aqui, pelo contrário. Tenho certeza que nossos sonhos de emancipação social, liberdade e vida digna não virão pela mão torpe da máquina do Estado. Pois, é este mesmo Estado, que a esquerda institucional insiste em disputar e adentrar, que envia 400 policiais, 4 caveirões e 2 helicópteros como plataforma de tiros para assassinar 25 jovens no Complexo do Alemão.

Um Estado que mantém 726 mil pessoas privadas de liberdade, a 3° maior população carcerária do mundo, em prisões insalubres e sob torturas. Um Estado que assassina quase 50 mil pessoas por ano, sendo 77%  dessas mortes são pessoas negras. Esse mesmo Estado que a cada 8h uma mulher é vítima de feminicídio no país, que também mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo e o 3° país da América Latina que mais registra morte de ativistas ambientais e dos direitos humanos.

Não faltam dados, estatísticas, depoimentos, relatos, imagens e vídeos que comprovam como o Estado brasileiro é genocida.  Há uma escolha política do Estado em promover uma política baseada na produção de morte de corpos pretos e pobres. Não é aleatório, um equívoco ou erro de gestão pública. O inimigo público da população negra é o Estado. Um Estado neoliberal, conservador, cristão, heteronormativo, patriarcal e racista. Por isso, reitero que não existe reforma ou melhoramentos a serem feitos em uma estrutura que comanda a reprodução de violência cotidiana na população negra.

Então, qual a saída para manter o povo negro vivo e com dignidade?

O horizonte de luta é o liderado pelas mulheres negras há séculos, só estamos resistindo bravamente aos intentos constantes e assassinos do Estado porque essas mulheres negras possuem o projeto político de sobrevivência do nosso povo e manutenção do legado e memória daquelas e daqueles que vieram antes de nós.

A branquitude insiste em dizer que o povo negro não é organizado politicamente, um enorme equívoco. Afinal, nossa organização não é nos marcos de um ocidente branco, individualista e sedento por poder. Nossa organização política não depende de um estatuto, nem de um partido político ou de um contrato.

Nos organizamos, a partir da coletividade, da partilha, da circularidade, dos ensinamentos dos mais velhos, aqueles e aquelas que vieram antes de nós. Guardamos nossos segredos de vida, awo. Somos plurais e diversos, contamos com a confiança da comunidade, nossos nomes e nossas palavras impõem respeito. Vivemos em outra lógica de tempo e vida.

Ao contrário dos que torciam pela vitória do fracasso / Estamos de volta (Natiruts)

Neste 25 de julho, reivindico tudo o que nos foi tirado. Nossas memórias, nossas lutas, nossas riquezas, nossas famílias que foram dilaceradas com a diáspora negra, nosso conhecimento e principalmente a oportunidade de um futuro digno que foi arrancado de nossa história como povo.

A escravidão negra foi uma interrupção sangreta que alterou completamente o futuro das gerações vindouras. Eles acharam que não iríamos resistir. Se enganaram, continuamos vivos, fortes e insurgentes. A derrocada da supremacia branca capitalista virá pelas mãos negras, de mulheres negras ingovernáveis e incansáveis.

Continuemos vivas, vivos e vives para ver raiar um novo mundo, o nosso mundo preto.

Até lá, paz entre nós, guerra aos senhores.
Nós por Nós.

Foto de topo: a Marcha das Mulheres Negras em São Paulo em 2018 (Mídia Ninja)

 

 

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