A necropolítica, Ágatha e o direito à vida
A morte da menina de 8 anos é reflexo de um projeto de poder. Da ação de um Estado que determina quem tem direito à vida
Maria Teresa Ferreira
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por Maria Teresa Ferreira Jurado — do Momunes
Há exatos 1 ano, 6 meses e 5 dias, Mariele Franco foi assassinada. Até hoje, não houve qualquer resposta sobre os mandantes do crime. Há 5 meses, uma ação do exército do Rio de Janeiro interpelou um carro e matou um homem com 80 tiro. Evaldo Rosa dos Santos era músico, e passeava com a família. A menos de 20 dias, o país assistiu perplexo um menino ser chicoteado em um supermercado em São Paulo. Há cinco dias, Ágatha Felix, uma menina de 8 anos, foi morta com um tiro de fuzil nas costas durante uma operação policial no Complexo do Alemão. Foi a 16ª criança baleada no Rio de Janeiro neste ano, segundo a Plataforma Fogo Cruzado. E a quinta a morrer.
É importante deixar claro que todos esses casos, que tomaram o noticiário, não são episódios isolados. Trata-se do estado executando cirurgicamente, e sem constrangimento, a necropolítica, que decide quais corpos têm direito a vida, e quais podem morrer.
>> O que é: racismo estrutural
A constituição federal garante no Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Em relação às crianças, o Estatuto da Criança e do Adolescente no 4ºcapitulo fala sobre o dever da sociedade e do poder público de assegurar a vida e a saúde, entre outras prerrogativas, dos jovens brasileiros.
Os dados relativos a violência são contundentes: o Estado brasileiro descumpre esses deveres legais.
>>O lugar de alguns corpos no mundo
Esse descumprimento é denunciado, continuamente, pela sociedade civil. Os movimentos sociais fazem denúncias, realizam atos e intervenções contra a truculência do estado.
Essas organizações, movimentos e ativistas expressam a inquietação crescente de uma sociedade — ou de parte dela — que assiste estarrecida a ação violenta do aparato da segurança pública. Aparato que age sem a preocupação de proteger.
Mesmo assim, o problema persiste. Como nos diz Achille Mbembe (o filósofo camaronês estudioso da escravidão, da descolonização e da negritude), persiste o problema da soberania, ou da tirania, sobre os corpos que se distanciam dos padrões eurocentrados de comportamento e filosofia. Ele continua, sem data para diálogos possíveis.
As vítimas e suas famílias levam nossas lágrimas de tristeza e pesar. Todas, sem distinção, recebem nossa solidariedade.
O tempo e as reflexões acerca dos reflexos dessa brutalidade em nossas vidas desgastam e esgotam nosso cotidiano sem, no entanto, convencer o estado da urgência de repensar suas práticas.
As pseudo-minorias (e eu digo que são minorias falsas porque, na verdade, somos muitos) esboçam a fragilidade da sua existência quando percebem o crescente nível de agressão a que estão expostas, perdendo cada dia mais seu direito de ser reconhecidas como parcela da humanidade.
É tarefa inadiável do estado rever suas táticas desumanizantes, sua estratégia bélica e seu comportamento conservador. O resultado dessa equação é um caldeirão estratificado, uma sociedade excludente e que a cada dia torna mais evidentes as relações de poder que beneficiam poucos e matam muitos.
A desvalorização da vida, feita em favor da manutenção do estado capitalista e patriarcal, faz a humanidade caminhar com celeridade para a escassez e para o aniquilamento.
Imagem: Bruna Bandeira/ @imagineedesenhe
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