Analfabetismo entre indígenas é reflexo de falta de investimento, diz ativista
Dados do Censo Demográfico mostram que 180 mil pessoas indígenas de até 15 anos não sabem ler nem escrever. Índice é o dobro da média nacional
Bárbara Diamante *
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Pelo menos 15% da população indígena que vive no Brasil não sabe ler nem escrever. Os dados são do Censo Demográfico de 2022, e foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no começo de outubro. Revelam que a taxa de analfabetismo em meio a essa população é o dobro da média nacional: hoje, a cada 100 brasileiros, 7 não sabem ler. Na avaliação da professora Alva Rosa, especialista em educação escolar indígena, os números do IBGE são também um retrato da falta de investimento do governo no setor. “Hoje, o Ministério da Educação (MEC) envia recursos [para custear a educação indígena]”, diz Alva. “Mas é insuficiente para suprir as necessidades”.
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Alva é coordenadora do Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia). Há anos, atua para fortalecer a educação escolar indígena. Trata-se daquela tradicionalmente oferecida nas próprias aldeias. Tem especificidades: além do portugês, as aulas devem ser ministradas no idioma de cada povo, e devem respeitar suas tradições.
Segundo dados do Censo Escolar de 2023, há 3626 dessas escolas de ensino básico em funcionamento no país hoje. A maioria (56%) faz parte da rede municipal de ensino. As demais são mantidas pelos estados.
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Hoje, esse sistema é majoritariamente financiado por repasses feitos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ele paga, a estados e municípios, um valor fixo por aluno, válido para todo o território nacional. O montante que cada cidade ou estado recebe, portanto, varia conforme o número de alunos matriculados em suas redes. No caso da educação indígena, esse valor é maior do que aquele destinado ao custeio de estudantes de escolas urbanas.
Na avaliação de Alva, no entanto, o custeio das escolas indígenas é frágil e insuficiente. Segundo ela, esses estabelecimentos não estão no radar de preocupação da maioria das prefeituras, que não investem no setor. “A maioria dos municípios espera que o governo federal proponha programas [para fortalecer a educação indígena]” diz ela. “A educação escolar indígena fica de lado nos estados e municípios”.
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Falta estrutura nas escolas
A negligência deixa marcas na estrutura precarizada dessas escolas. De acordo com dados do Censo Escolar de 2017, a maior parte delas não tem acesso a tratamento de água (1.970), esgoto sanitário (1.634) nem energia elétrica (1.076). Quase metade não usa material didático apropriado para a educação indígena.
Outro problema, apontado por Alva, é a formação deficitária dos docentes indígenas. Há menos de 30 mil desses educadores no país dando aula no ensino básico (a etapa de ensino que vai do 1º ao 9º ano). Desses, somente 44,5% têm formação universitária.
Apesar de todos esses problemas, o IBGE mostra que houve avanços desde o Censo anterior, realizado em 2010. A proporção de indígenas alfabetizados, que era de 76,6%, subiu para 84,9%. O crescimento foi maior nas Terras Indígenas: de 67,70% para 79,20%.
Como uma possível solução para essas deficiências, Alva acredita que é essencial rever o orçamento disponibilizado e focar nas particularidades de cada estado. É preciso, também, um olhar mais atento às particularidades de cada povo e região do país, de modo a desenhar soluções efetivas.
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Alva também reforça a importância de fortalecer os territórios etnoeducacionais. Criados pelo MEC em 2009, eles foram pensados como uma maneira de organizar as políticas educacionais indígenas segundo a distribuição territorial desses povos, independentemente das fronteiras entre estados: há povos cujas populações estão dispersas por uma área que abrange mais de um estado brasileiro. A proposta de Alva é de que o financiamento da educação deva ser adequado às especificidades de cada um desses territórios etnoeducacianais. “A realidade do interior do Amazonas é diferente da realidade de Brasília”, diz ela.
*Estagiária sob supervisão de Rafael Ciscati
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