Análise: qual a responsabilidade do Estado pelas rebeliões em presídios
Em fevereiro, uma rebelião no Complexo Penitenciário da Mata Escura (BA) deixou seis mortos. O Estado, que controla a vida das pessoas encarceradas, precisa ser responsabilizado
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por Irmã Petra Pfaller, Lucas Gonçalves, Clariane Santos e Mayra Balan*
As notícias do sistema carcerário que ocupam a mídia conservadora são sempre sombrias e sangrentas, relatando os constantes massacres e as alardeadas “brigas de facção”. Na maioria das vezes, os meios de comunicação apenas reproduzem superficialmente o discurso oficial do próprio Estado, sem apurar a realidade concreta. Mas o que vem antes da rebelião?
No último domingo, dia 20 de fevereiro de 2022, no Complexo Penitenciário da Mata Escura (BA), oficialmente seis pessoas presas morreram e vinte e três ficaram feridas na Penitenciária Lemos Brito, em Salvador. Familiares das pessoas presas apontam que o número de mortos teria chegado a oito no total.
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A narrativa de que foi apenas uma “briga de facção”, uma exceção ao funcionamento “normal” dos presídios, se repete, assim como se repetiu nos massacres de Manaus, de Altamira e no Carandiru.
Isso está ligado ao processo de marginalização e desumanização das pessoas periféricas, sobretudo, das que se encontram controladas pelo Estado em situação de encarceramento. É afastada a ideia de que aquela pessoa possua um nome, com endereço, com família e uma história de vida.
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Não devemos mais aceitar esse discurso proclamado pelo Estado e por parte da imprensa. Chega a ser revoltante ouvir sempre a mesma história: houve uma rebelião, causada por briga de facções que resultou em mortes. Essa narrativa se transformou em um verdadeiro fantoche argumentativo cíclico para o Estado genocida tentar maquiar e se esquivar da responsabilidade pelas mortes, buscando sempre lavar as suas mãos do sangue produzido no cárcere.
Se nada for feito para responsabilizar os representantes do Estado de suas ações e omissões, essa matança continuará acontecendo. E um primeiro passo, talvez, para lutarmos contra esse massacre constante que as pessoas que agem em nome do Estado produz no interior do cárcere seja perceber e reconhecer que mortes nos presídios não ocorrem por causa direta de conflitos de facções, e que o Estado é autor e responsável pelos massacres.
Na verdade, a forma como esse sistema punitivo foi construído e se desenvolve catalisa o processo de formação de grupos entre pessoas presas, como uma tática de sobrevivência às violações de direitos diárias produzidas pelo Estado, numa lógica de violência-sobrevivência.
Descartar, trancafiar e torturar cada vez mais as pessoas dentro de espaços superlotados e claustrofóbicos, sem direito a saúde, alimentação, água e vida, faz com que as vítimas encarceradas se unam contra o torturador. É assim que chegam ao ponto de rebelarem-se, há toda uma trajetória de violações.
Contudo, essa “disputa” que parece existir no cárcere é totalmente desigual, afinal o único detentor de um arsenal bélico ilimitado e o único juridicamente legitimado a agredir e matar as pessoas é o próprio Estado, sem qualquer responsabilização. Não resta outra saída que não seja imputar a autoria das mortes de pessoas encarceradas ao Estado penal.
A vida das pessoas encarceradas está ali, na mão do Estado, pois ele é capaz, a qualquer momento, de apertar o gatilho. A repetição da história desses massacres só nos leva a uma conclusão: é o Estado que mantém essa máquina de morte chamada cárcere operando, é o Estado que mata.
Por isso, está mais do que na hora de lutarmos pela responsabilização dos atores do Estado – Executivo-Administrativo, Judiciário e Legislativo – diante das mortes que acontecem no cárcere, e lutarmos também por um mundo sem massacres, que só será alcançado com um mundo sem cárceres.
*Irmã Petra é coordenadora nacional da Pastoral Carcerária. Mayra Balan, Clariane Santos e Lucas Gonçalves são do setor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional.
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