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Com mais de 900 mil presos no Brasil, a quem serve o encarceramento em massa?

Brasil alcança a absurda marca de 919.393 pessoas privadas de liberdade. Segundo projeções, país pode chegar a 2 milhões de presos nos próximos dois anos. Não estamos mais seguros

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por  Mayra Balan, advogada na Pastoral Carcerária Nacional

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), temos 919.393 pessoas privadas de liberdade no Brasil hoje. Conforme notícia do Extra Globo, em abril de 2020, eram 858.195 pessoas presas. 

Durante a pandemia de Covid-19, a Pastoral Carcerária Nacional e diversos outros movimentos que lutam pela defesa dos Direitos Humanos se posicionaram, falando o que já se sabia: as prisões são incubadoras do vírus, e prender mais pessoas vulnera não só as pessoas que já estavam presas, bem como toda a sociedade. As prisões são lugares de alta circulação de pessoas, ainda que segreguem as pessoas ali privadas – idas e vindas de audiências, trânsito de funcionários, defensores, advogados, promotores e juízes, entre outros. Ademais, as medidas tomadas pelo Poder Público – como suspensão de visitas e dos alimentos e materiais de limpeza e higiene fornecidos por familiares -, conforme a Carta Aberta publicada pela Pastoral em março de 2020, foram “tomadas mais para responder ao pânico social que a disseminação do vírus tem causado do que garantir que os presos de fato não sejam contaminados”. 

>>Racismo e punitivismo estão na raiz do encarceramento em massa

À época da pandemia, quando pensava-se a Recomendação nº 62/2020 do CNJ, o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse em entrevista ao jornal Folha de São Paulo: “não podemos, a pretexto de proteger a população prisional, vulnerar excessivamente a população que está fora das prisões”. ( a Recomendação em questão instava os magistrados a decretar prisão domiciliar para aquelas pessoas que se enquadrassem em grupo de risco para a covid-19, ou que tivessem cometido delitos de baixo potencial ofensivo).

Segundo a matéria do Extra, foi também o Pacote Anticrime idealizado por ele e pelo Ministro Alexandre de Moraes que ajudou a impulsionar o número de pessoas presas. A socióloga Ludmila Ribeiro, entrevistada pelo jornal, estima que em dois anos estaremos com 2 milhões de pessoas em privação de liberdade no país, devido às alterações da Lei. Segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que reflete dados de 2018 e 2019, o percentual de pessoas negras (pretas e pardas) no sistema prisional brasileiro é de 66,7%. Não é de hoje que se fala em seletividade penal. Não é de hoje que se vê casos em que ela opera: Genivaldo, morto pela polícia rodoviária de Sergipe asfixiado em uma câmara de gás improvisada no camburão, foi abordado porque estava dirigindo sem capacete. O presidente Jair Bolsonaro, nas motociatas realizadas com o aparato financeiro do Estado, é frequentemente fotografado sem o uso do equipamento ou usando capacetes inadequados.

>>Documento discute como cidades podem criar políticas penais melhores

O Anuário, ao analisar os números, faz o paralelo entre as pessoas que são encarceradas e aquelas que são mortas (pelo Estado ou em situação particulares): “Historicamente, a população prisional do país segue um perfil muito semelhante aos das vítimas de homicídios. Em geral, são homens jovens, negros e com baixa escolaridade.”

As pessoas que estarão no número estimado por Ludmila seguirão a mesma lógica: massivamente negras, jovens e pobres. Porque a Justiça Criminal em seu cerne é racista e classista.

Ainda, a Recomendação nº 78/2020 do CNJ, assinada pelo Ministro Luiz Fux e que recrudesceu as medidas desencarceradoras da nº 62, tinha como uma de suas justificativas que “o Estado brasileiro não pode retroceder no combate à criminalidade organizada e no enfrentamento à corrupção”. Alardeou-se que colocar em liberdade pessoas encarceradas e/ou prender menos pessoas – como por exemplo, diminuir as decisões de prisões preventivas ou aplicar medidas alternativas à prisão para crimes cometidos sem violência – seria justificar uma pandemia de criminalidade, para dirimir os efeitos de uma pandemia de saúde.Contudo, conforme a matéria do Extra, o número de pessoas presas nesse período equivale à população total de cidades como Mirassol (SP), Floriano (PI) ou Barra do Garças (MT). E a sensação de segurança aumentou? Dentro de sua casa, andando pelas ruas, você sente que você e sua família estão em segurança?

Chegar a casa de 1 milhão de pessoas presas ajuda em algo para nos sentirmos livres e em segurança? Ou só traz dor e sofrimento para essas milhares de famílias que perdem o contato com seus entes e para as pessoas que estão presas em lugares superlotados, úmidos, sem ventilação e estruturalmente torturantes? O discurso da falsa segurança do Judiciário é também reforçado nos recentes discursos proferidos por diversos candidatos neste ano de eleições; a falsa pauta da Segurança Pública é apenas uma das façanhas do Estado para justificar o encarceramento em massa e o sistema punitivista. 

Nunca houve, de fato, segurança para aqueles que estão dentro do cárcere, e a pandemia só reforçou o total descaso com a saúde e o cuidado daqueles que cotidianamente sofrem dentro da prisão. O número estratosférico de pessoas seletivamente encarceradas e a violência produzida pelo sistema penal em pessoas jovens, negras e marginalizadas – incluindo aqui a memória de Genivaldo, de Moïse Kabagambe e de todas as pessoas assassinadas pela polícia, pelos jagunços do capital e pelos demais agentes do Estado – revelam os dois pilares fundamentais do racismo que estrutura nossa sociedade. É através do encarceramento em massa, traduzido pelos números do CNJ, e da violência estatal, que o capitalismo se mantém de pé, com todas as suas estruturas de desigualdades, exclusões e torturas.   

A Pastoral Carcerária Nacional vê com preocupação essa sanha punitiva do Estado há muito. Neste ano de eleições, em que temos o crescimento de candidatos que usam a pauta da segurança pública para se eleger e depois nada fazem – ou só pioram o cenário com mais leis e propostas punitivas, como a construção de novas prisões, o que só aprofunda o encarceramento em massa – esta preocupação só cresce. Você vai ajudar a eleger pessoas que em nada melhoraram o sentimento de segurança? Que encarceram famílias inteiras? Que são responsáveis por milhares de mulheres que choram a dor de perder um filho?

A luta anticárcere vem muito antes das eleições e permanece depois delas. Mesmo em governos tidos como progressistas, o encarceramento de pessoas negras e pobres aumentou. Contudo, em um ano de eleição, é preciso questionar aqueles e aquelas que estão nessa corrida pelo Poder sobre o que vão fazer para alterar esse sistema capitalista e punitivo que chamamos de Brasil.
 

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