Como prevenir a violência contra a mulher? Que bom que você perguntou
Em 2023, todas as formas de violência contra a mulher se agravaram no Brasil. Que bom que você perguntou! conversa com defensoras dos direitos humanos para entender como mudar esse cenário
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A advogada Leila Barsted lembra que, quando se casou, nos anos 1960, sentiu como se entregasse um cheque em branco ao marido. “Para as mulheres, casar-se significava abrir mão da cidadania. Sem, necessariamente, entender bem o que isso dignificava”.
Segundo o Código Civil então vigente, o marido tinha poderes quase absolutos sobre a família. Era ele que, por exemplo, controlava o dinheiro da esposa.
Aqueles eram anos de ditadura militar. Leila se uniu à luta contra o regime, foi advogada de presos políticos e, insatisfeita com a maneira como a militância de esquerda (não) tratava questões de gênero, uniu-se a grupos de mulheres que questionavam o lugar subalterno reservado a elas na sociedade brasileira.
Essa desvalorização, diz Leila, era resultado de uma cultura machista que regrava as relações cotidianas, interferia na maneira como as leis eram elaboradas e interpretadas.
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E que punha em risco a vida de mulheres e meninas. Nos tribunais de então, eram recorrentes os casos de homens que matavam suas esposas e que, para justificar o assassinato, lançavam mão do argumento da “legítima defesa da honra”. “E eram absolvidos”, lembra Leila, coordenadora da ONG feminista Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação).
Se a cultura brasileira não mudava, a legislação estava aberta a alterações.
No começo dos anos 2000, Leila e suas colegas se reuniram na sede da Cepia, no Rio de Janeiro, e colocaram no papel um texto destinado a sustar o cheque em branco que a sociedade entregara aos homens. Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha foi resultado de uma articulação encabeçada por seis organizações de mulheres: CLADEM/Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher); CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação); CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria); Instituto Nacional para a Promoção da Equidade de Gênero; THEMIS (Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero) e Advocaci (Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos).
>>Leia também: como funciona a lei Maria da Penha
Ela afirma que é responsabilidade do Estado coibir a violência praticada contra mulheres nos contextos doméstico e familiar. Foi uma novidade importante: até a promulgação da Lei Maria da Penha, não havia legislação no Brasil sobre violência doméstica. Ocorrências de agressão familiar eram tratadas como pequenas causas: casos de menor complexidade, que poderiam ser encaminhados em Juizados Especiais – aqueles que se encarregam de infrações de menor potencial ofensivo. Caso fosse condenado, o agressor poderia substituir a pena pelo pagamento de uma multa, ou pela doação de cesta básica.
Além de combater a violência doméstica ao punir o agressor, a lei também diz que é responsabilidade do Estado preveni-la. Evitar que a violência aconteça. Nesse ponto, o Brasil derrapa. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2023, todas as formas de violência contra a mulher se agravaram: os casos de violência doméstica aumentaram 9,8%; os de estupro, 6,5%; os feminicídios — quando uma mulher é assassinada simplesmente por ser mulher— 0,8%.
Por que é tão difícil prevenir a violência contra a mulher?
É esse o tema do segundo episódio da nova temporada da série Que bom que você perguntou! Ao longo de três vídeos, a equipe da Brasil de Direitos conversa com pesquisadores, defensoras e defensores dos direitos humanos para esmiuçar o significado de termos e conceitos em voga no debate público.
>>Leia também: para combater o feminicídio, eduque os homens
Essa é a quarta temporada da série, criada em 2021. No primeiro vídeo, falamos sobre como é a recepção, no Brasil, às pessoas que solicitam refúgio no país. No último — o 15º da série — você vai descobrir o que significa o termo “Transição Justa”. Ele vai ao ar no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Acompanhe!
Um país que normaliza a violência de gênero
Para explicar porque é tão perigoso ser mulher no Brasil, a socióloga Jolúzia Batista, da ONG Cfemea, dá um salto para o passado. Ela afirma que, desde o período colonial, a sociedade brasileira se acostumou a tratar mulheres como objeto. “Esse é um país que nasceu naturalizando o estupro de mulheres negras e indígenas, fruto da violência racista que arrancou pessoas negras de África, e que tentou escravizar e exterminar os povos originários”, diz.
>>Leia também: mulheres são principais vítimas de violência, mas país pensa pouco em prevenção
Como reverter esse quadro? É preciso mudar a cultura. A tarefa não é trivial, mas existem caminhos para isso. Todos passam, opina Jolúzia, pela educação. “Precisamos mudar mentalidades. E oferecer novas referências para as pessoas se orientarem e construírem melhores arranjos para viver”.
A avaliação de Jolúzia coincide com a de Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé. A equipe de Melina se debruçou sobre trabalhos, produzidos no mundo todo, que avaliaram quais estratégias são eficazes quando o assunto é proteger as vidas de meninas e mulheres. Suas conclusões foram reunidas no recém-lançado Guia Prático para Formulação de Políticas Públicas de Prevenção à Violência Contra Mulheres.
A publicação é pensada para gestores públicos e tomadores de decisão. Descreve iniciativas que submetidas a avaliação criteriosa, se mostraram eficientes no combate à violência de gênero.
O Guia sugere que é essencial focar em três frentes: na promoção da independência financeira da mulher; em intervenções educacionais que combatam a violência intrafamiliar; e no controle àquilo que as pesquisadoras chama de “facilitadores da violência”, como o acesso a armas de fogo ou o consumo de álcool e outras drogas.
Quarta temporada
Voltados a público amplo, todos os vídeos da série Que bom que você perguntou! podem ser republicados e compartilhados livremente. Basta citar os créditos. Com eles, a Brasil de Direitos tenta contribuir com a construção de uma sociedade mais plural e bem informada.
A primeira temporada da série foi ao ar em 2021. Desde então, foram lançados 12 vídeos que discutem assuntos diversos: de racismo estrutural ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
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