Como é ser mãe de uma detenta no meio de uma pandemia
Para quem está do lado de fora, a saudade é grande. Para quem está la dentro, falta suporte. Visitas foram retomadas, mas são quinzenais. É pouco o tempo de contato com a família
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Depoimento publicado no site Covid nas Prisões
Terça de manhã, durante uma das esperas na porta do presídio, faço esse relato sobre como é ser mãe de uma detenta no meio de uma pandemia.
Meu nome é Mônica, tenho uma filha no sistema penitenciário, no Instituto Penal Talavera Bruce, presídio feminino de Bangu, no Estado do Rio de Janeiro. Minha filha já está privada de liberdade há 6 anos.
>>Se correr, você toma um tiro. Se ficar, perde a liberdade
A vida de uma pessoa que está presa já é difícil. Eu acompanho a minha filha desde o início e é difícil porque elas não têm acesso com facilidade, como a gente tem, ao suporte que temos aqui fora de sentir uma dor de barriga ou uma dor de cabeça e ir ao médico, por exemplo. Para elas, é bem mais difícil porque o sistema não dá esse suporte. Têm muitas presas que ficam doentes por dias e com a pandemia nada disso mudou, na verdade só piorou. Além das doenças físicas, muitas delas estão com doenças mentais, problemas psiquiátricos por conta de todas as violências que sofrem no sistema.
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E isso só foi agravado durante a pandemia, pois elas não podem mais ver os familiares, foi muito tempo sem visitas, e agora elas voltaram a acontecer de 15 em 15 dias. Umas têm oportunidade de ver seus familiares e outras não porque muitos moram longe e a crise financeira piorou as condições que já eram ruins. Muitos estão desempregados e não podem mais dar suporte. Isso a pandemia piorou demais.
Se está difícil para os familiares que estão aqui fora, para elas ficou ainda mais complicado. Nós aqui fora, podemos correr atrás de tentar alguma coisa pra melhorar, elas não podem. E com a diminuição das visitas, não tem nem quem possa ajudar.
Eu e também as outras mães ficamos tristes porque o contato que tínhamos era durante a visita, agora com a pandemia é só uma vez por mês ou de 15 em 15 dias. Nós não temos mais como nos ver e saber uma da outra.
Eu fico imaginando como está a cabeça dessas meninas aí dentro, totalmente reclusas. Essa é a minha maior preocupação porque o suporte delas somos nós familiares e agora elas estão sem isso. A gente fica com o coração apertado sabendo que elas precisam pelo menos ver a gente e entender “Ela tá bem. E eu sei que eu estou bem porque vi que a minha mãe está bem”. Que seja mãe, pai, avô…
O sistema, ele é cruel. Ele tira a dignidade e autoestima e quando temos a visita, a gente tenta resgatar isso com elas. Eu já vivi momentos muito difíceis com a minha filha no sistema. Daria um livro. Eu fui com ela no fundo do poço para trazer ela de volta.
Em uma das visitas, antes de a pandemia começar, eu falei para ela que estava começando o anúncio da doença e ela ficou preocupada, perguntando o que iríamos fazer. Eu falei “estamos juntas nessa. Não tem pandemia que vá me separar de você”.
Mas existem muitas regras. Entendo que são para preservar elas e a gente. Eu falo muito aqui, entre as guerreiras que fazem as visitas também, que é difícil sim, mas que nós vamos sobreviver. A saudade é grande, mas não queremos ver elas doentes porque nós levamos a doença lá pra dentro. Estamos seguindo as regras. Tá doendo, mas seguimos.
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