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Como é ser um jovem negro para você?

Quem é mãe sabe o quanto é difícil dormir enquanto seu filho não chega. Nas ruas da cidade, menino branco correndo tá atrasado. E menino preto correndo, é ladrão?

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“Cadê o toicinho daqui?
 – Gato comeu.
 – Cadê o gato? 
– Foi caçar rato. 
-Cadê o rato?
 – Foi pro mato. 
– Cadê o mato?
 – Fogo queimou. 
– Cadê o fogo?
– Água apagou.

 Eu interrompia as perguntas da brincadeira para saber coisa além dela. Uma vez foi assim: -Quem fez o fogo e a água? 

-Deus é claro. Quem haveria de ser?
 -E se pegar fogo no mundo? 
-Ele faz água virar chuva e apaga fogo do mundo. 
-Mãe, se chover água de Deus, será que sai a minha tinta? 
-Credo-em-cruz! Tinta de gente não sai. Se saísse, mas se saísse mesmo, sabe o que ia acontecer? -Pegou-me no colo e, fazendo cócegas na barriga foi dizendo: -você ficava branca e eu preta, você branca e eu preta, você branca e eu preta…

Repentinamente, paramos o riso e a brincadeira. Pairou entre nós um silêncio esquisito. Achei que ela estava triste, então falei: -mentira boba. Vou ficar com esta tinta mesmo. Acha que eu ia deixar você sozinha? Eu não. Nunca, nunquinha mesmo, tá?” 
(Geni Guimarães) 

Quem nunca brincou de gato comeu? Seja com a vó, mãe, tia, amiga, se estende a mão para a outra, que toca em cada dedo e diz o nome popular dele: mindinho, seu vizinho, pai-de-todos, fura-bolos e mata-piolho. Em seguida, toca na palma da mão com o dedo indicador e pergunta: “Cadê o toucinho que tava aqui?” 

Você também fazia perguntas como as da menina do livro da autora Geni Guimarães chamado “A cor da ternura”? 

Curiosa ela, né? As nossas primeiras lembranças são bem diversas, assim como somos crianças diferentes. Nenhuma criança é igual a outra. Cada uma de nós carrega infinitos universos reais e imaginados. Cada sonho nos leva a um mundo de infinitos sabores e, para alcançá-los, operamos sobre o nosso mundo, o que está ao nosso redor, o que nos gera novas sensibilidades e identidades. Somos únicas! Somos protagonistas de nossas vidas e cada vida importa! 

Crescemos escutando de algumas pessoas que ser jovem é um problema. Outras vezes, nos corres da vida, nem temos tempo para pensar sobre o que é ser jovem, parando para sentir nossa juventude! Muitos de nós saímos para trabalhar de manhã e só chegamos à noite, e há sempre tensão em voltar para casa. 

Quem é mãe sabe o quanto é difícil dormir enquanto seu filho não chega. Nas ruas da cidade, menino branco correndo tá atrasado. E menino preto correndo, é ladrão? 

O que é ser um jovem negro pra você?
 “Ser criança é padecer no paraíso”, diz o ditado popular. Mas que paraíso é esse em que, em 2020 no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, morreram aproximadamente 11126 jovens brancos, entre 15 e 29 anos, contra 33000 jovens negros? 

Pera, pera, que essa conta não bate… Foram 33 mil jovens negros mortos, através, principalmente, do extermínio do Estado brasileiro que atende as normas brancas culturais que colocam todo indivíduo negro e morador de periferia como um pretenso “marginal”. 

Lembrando então que “marginal” não é um apelido que nos demos, mas sim o peso racista que nos permite, por exemplo, comer à frente das televisões, naturalizando violências contra os nossos corpos negros. No Brasil, o projeto genocida contra o povo negro mascarou durante anos o racismo. Quando deixamos de estudar e disputamos entre nós, caímos neste projeto, sem ao menos perceber isso. 

Cansadas de tantas violências contra nós, mas revigoradas com o que temos entendido como potências: Resistimos e queremos viver! 

Foi-se o tempo que queríamos tirar a tinta dos nossos corpos! 

Somos juventudes pretas e tamos aqui dizendo que #vidasnegrasimportam: 
Saraus, encontros de Mc’s, recitais, sonzão na quebrada e fora dela, vivências diversas que nos conectam e nos permitem perceber que somos muitos, com conhecimentos e habilidades diferentes, e que cada vida nos importa muito! 

Temos escutado mais e percebido as ancestralidades que perpassam nossos corpos-memórias.

“Eu sou, porque nós somos”. Ubuntu! 

Somos resistências! 

Nos unimos, ampliamos forças e hoje somos 54% das pessoas que se identificam negras no Brasil! É isso mesmo! 

O reconhecimento das nossas identidades, através das nossas memórias e histórias de vidas, nos fortalece e permite trocas de saberes geracionais. 

Muitos lutaram, de diversas formas, para implementar as leis 10.639/03 e 11.645/08 para o ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. 

As cotas para as Universidades vêm como reparação histórica dos longos anos de escravização dos povos originários do Brasil. São resultado de muito tempo de lutas coletivas por libertações, escutas e estudos das nossas memórias, valorizando outras maneiras de enxergar o mundo, respeitando-nos com afetividades, autocuidado e cuidado com nossos jovens e também com nossos mais velhos. 

Sempre houve resistência, por isso as cotas não nos inferiorizam, ao contrário, nos permite adentrar espaços e trocas também possíveis entre nós! 

(Texto originalmente publicado na edição de setembro de 2019 do Comunica Grumap)

Foto de topo: Mídia Ninja

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