Justiça criminal
Pesquisadores analisaram decisões do Tribunal de Justiça baiano sobre pedidos de prisão domiciliar e progressão de regime durante a pandemia
Justiça criminal
Covid-19: como o TJ da Bahia decide pedidos de liberdade
Pesquisadores analisaram decisões do Tribunal de Justiça baiano sobre pedidos de prisão domiciliar e progressão de regime durante a pandemia
RESUMO: Em abril de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma recomendação estimulando juizes a conceder prisão domiciliar a pessoas presas que se encaixassem nos grupos mais vulneráveis para a covid-19. Sem estrutura para oferecer cuidados de saúde adequados, havia o temor de que as prisões se transformassem em locais ideias para a propagação do novo vírus.
Sabendo disso, pesquisadores analisaram 34 processos que passaram pelo Tribunal de Justiça da Bahia. Motivados pela pandemia de covid-19, esses processos pediam que pessoas presas cumprissem pena em regime domiciliar, ou progredissem de regime. O objetivo da pesquisa era entender a que tipo de argumentos os desembargadores recorriam para justificar suas decisões. Dos 34 processos acompanhados, em apenas um caso os pedidos feitos pela defesa da pessoa presa foram parcialmente acatadas.
As análises sugerem que os magistrados apresentam “obstáculos de última hora”: para não conceder a prisão domiciliar ou a progressão de regime, “criam-se outros obstáculos, aumentando-se o nível de exigência para a comprovação da situação de risco’”.
Apresentamos, nesse texto, as primeiras reflexões de uma pesquisa coletiva realizada pelo Grupo Clandestino de Estudos em Controle, Cidade e Prisões, em que são analisados os sentidos da prática discursiva do sistema de justiça baiano sobre o cárcere no contexto da pandemia de Covid-19. As decisões no âmbito da execução penal expressam a resposta a uma pressão jurídico-política que demanda do Poder Judiciário a explicitação de suas leituras sobre a prisão, as condições de vida das pessoas presas, a salubridade do ambiente prisional e as dinâmicas jurídicas da execução.
Essa pesquisa se orientou pelo seguinte problema: diante da pandemia, como o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) tem decidido os pedidos de liberdade no campo da execução penal? O objetivo era compreender o papel que o Judiciário exerce em relação às prisões na atual conjuntura de agravamento dos riscos à vida. A investigação foi conduzida a partir da análise de decisões sobre pedidos de prisão domiciliar e progressão de regime prisional motivados pela pandemia.
>>Impedir visitas às prisões agrava violações de direitos durante a pandemia
>>Como é ser mãe de uma detenta no meio da pandemia
Em outras decisões, apesar do mérito da demanda ser aparentemente enfrentado, sustentam-se fundamentações abstratas, que nem chegam a dialogar com as alegações relativas ao caso concreto. Na decisão 5 [1], a defesa traz uma extensa fundamentação sobre os riscos que a prisão em regime fechado representa para o paciente, alegando demonstrar documentalmente que ele faz parte do grupo de risco, sendo hipertenso, obeso e diabético, e preenche os requisitos da Resolução n° 62 do CNJ. O pedido também afirma que havia sido protocolado agravo em execução em dezembro de 2019, mas que o recurso estava parado por conta do atraso na manifestação do Ministério Público. A decisão, contudo, não enfrenta esses argumentos, sustentando não estarem presentes “elementos capazes de revelar o alegado constrangimento ilegal sofrido pelo paciente”, sem se aprofundar nas questões trazidas pela defesa.
A decisão 6 [4] ajuda a compreender a questão. O habeas corpus apresenta uma série de argumentações em torno da situação jurídica do paciente que, estando em regime fechado, já teria cumprido os requisitos para a progressão de regime e, até mesmo, para o livramento condicional. Esses pedidos haviam sido feitos 15 dias antes ao juiz de 1º grau, que, até o momento da impetração do habeas corpus, não havia se manifestado. O pedido defendia o cabimento da análise pelo Tribunal diante da gravidade da pandemia e dos riscos a que o paciente estava submetido. O desembargador não chega a discutir o argumento jurídico, alegando supressão de instância. A decisão ensaia uma comparação, presente em muitos discursos sobre pandemia e cárcere, entre os riscos que a pessoa presa representaria para a “sociedade” e os riscos que a manutenção da prisão representa para sua saúde. Nos termos da decisão, “o paciente tem histórico que indica, prima facie, a propensão à prática de delitos”, inexistindo, por outro lado, “a demonstração de qualquer risco concreto à integridade do Paciente”.
[1] Processo nº 8006289-94.2020.8.05.0000, DJe, 25 de março de 2020.
[2] Processo nº 8007780-39.2020.8.05.0000, DJe, 6 de abril de 2020.
[3] Sobre o marcador racial da categoria “periculosidade” na teoria criminológica e na prática judicial, ver Luciano Góes (2020), Flauzina (2008), Anitua (2015); Barreto (2018).
[4] Processo nº 8006624-16.2020.8.05.0000, DJe, 25 de março de 2020.
Originalmente publicado no Covid nas Prisões
Iser
O Instituto de Estudos da Religião, ISER, é uma organização da sociedade civil, de caráter laico, comprometida e dedicada à causa dos direitos humanos e da democracia. Surgida no contexto brasileiro dos anos 1970, objetiva promover estudos, pesquisas e também intervenção social a partir de eixos temáticos plurais da sociedade brasileira, como a defesa e a garantia de direitos, segurança pública, meio ambiente, diversidade religiosa, entre outros.
CONHEÇA +Você também vai gostar
Justiça criminal
Fabio Leon
No tráfico de drogas, há uma divisão sexual do trabalho, conta pesquisadora
Entrevista