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Covid-19: sociedade civil dá suporte a população LGBTI+ em favelas cariocas

A população LBGTI+ está entre as mais vulneráveis aos riscos e danos à saúde provocados pela COVID-19

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por Grupo Conexão G de cidadania LGBT em favelas

O novo coronavírus (Sars-CoV-2), causador da atual pandemia de Covid-19, tem provocado inúmeros impactos sociais e desafios sem precedentes para a gestão do sistema de saúde.Desde os primeiros casos na China, o mundo tem assistindo, assustado o avanço da doença pelo planeta. No Brasil, o novo coronavírus aterrissou através da parcela mais rica da sociedade, que – em geral – são pacientes do setor privado de saúde – que representa um quarto da população do país. A epidemia, no entanto, agora já está nas regiões mais pobres e é uma realidade para o Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela atenção de mais 150 milhões de brasileiros. E grande parte dessas pessoas (48% da população do país) vive em locais que nem sequer têm coleta de esgoto; sendo a higiene um requisito primordial para o enfrentamento de qualquer epidemia. Os dados coletados por um consórcio de veículos de comunicação informam  que passamos dos 1,2 mi infectados, com mais de 54 mil mortos.

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Para os moradores de favelas, no entanto, a doença tem um fator a mais: a negligência do poder público e a intensificação da violência que já acometia nossos territórios, uma vez que as operações policiais não pararam. Portanto, os moradores de favela lutam contra dois vírus: o organismo que mata pessoas ao redor do planeta e o vírus da segurança pública que entende os moradores de favela, especialmente pessoas negras e racializadas, como inimigos que devem ser combatidos na mesma proporção.

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Resta à população de favelas – cujas políticas de empregabilidade, educação, saúde, cultura e lazer é permeada pela racionalidade da subalternização e precarização – organizar à margem do Estado suas próprias medidas de contenção à epidemia, que vem gerando um impacto brutal sobre a sua condição de subsistência; afetando a vida das pessoas no âmbito da direito à mobilidade, na diminuição da renda familiar, da fome, do duplo adoecimento e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde que atendem estes territórios.

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No que se refere à imposição do distanciamento social e higienização das mãos como medida preventiva, para realidade da favela é algo impraticável, tanto do ponto de vista habitacional, quanto do ponto de vista dos modos de vida; onde casas de apenas um cômodo, em geral sem ventilação, onde o compartilhamento do espaço é feito por muitas pessoas (pessoas idosas convivem com jovens, adultos e crianças) e a precariedade de serviços públicos como fornecimento de água, luz, e saneamento básico tornam a situação profundamente preocupante. Haja vista os inúmeros casos de contaminação no território. Se antes a Covid-19 vinha atingindo as populações mais privilegiadas e com acesso aos melhores serviços de saúde, agora temos, como dolorosa realidade, a disseminação da doença entre as parcelas mais pobres da sociedade. Isso se comprova pelo esgotamento do serviço público de saúde, levando as estruturas de várias cidades ao colapso, e o número de mortes que, como indicam pesquisas recentes, vem acometendo, sobretudo pessoas empobrecidas e racializadas.

Diante do quadro de inércia do governo federal e ações governamentais duvidosas no âmbito dos estados e munícipios, as populações de favela agonizam em meio à “fratura” de uma das funções fisiológicas mais necessárias à vida humana, que agora entra em disputa no campo do direito, ou seja, o direito universal à respiração (Mbembe, 2020). A disputa agora não é apenas em torno de educação, cultura, lazer, segurança e empregabilidade, mas sobretudo do direito a ter direito a um aparelho de respiração em unidades hospitalares. Para tentar minimizar os impactos fúnebres, que reiteram uma política de matabilidade dos corpos empobrecidos, negros, racializados e LGBTI+, os próprios moradores de favelas, têm se mobilizado e criado alternativas de enfrentamento à proliferação da Covid-19. Essas ações se baseiam em algumas frentes como o compartilhamento e coleta de informações de prevenção e sintomas; recolhimento de doações para compra de alimentação e materiais de limpeza; medidas educativas sobre a importância do racionamento de água; monitoramento de pessoas que são consideradas do grupo de risco, entre outras ações coletivas que visam garantir a vida e a dignidade dessas pessoas.

A população LGBTI+, sobretudo a população trans, compõe também o grupo de risco, basicamente por conta de sua dissidência ao binarismo cis-heteronormativo (fazendo com que muitas vezes sequer possuam documentação que as permitiriam acessar o auxílio emergencial “disponível” à população em geral), a ausência de políticas públicas de empregabilidade (o que força essas travestis e transexuais a continuarem nas ruas se prostituindo meio à pandemia) e, a estigmatização de acesso aos sistemas de saúde e proteção social. Assim, os corpos-subjetividades que estão à margem do modelo social normativo, compõem significativa parcela de excluídos de reconhecimento cidadão e medidas de combate ao coronavírus. Importante destacar aqui que cerca de 90% da população transexual brasileira tem de recorrer à prostituição por falta de oportunidade de empregos, além de que 70 a 85% dessas pessoas já abandonou a escola ao menos uma vez na vida, devido ao estigma social e preconceito institucional.

Além disso, conforme pesquisa publicada recentemente pela Human Rights Campaign Foundation, a população LBGTQI+ está entre as mais vulneráveis aos riscos e danos à saúde provocados pela COVID-19, por terem menos acesso aos sistemas de saúde de qualidade, além de constituírem-se como grupo alvo de uma variedade de doenças crônicas, sobretudo o HIV/AIDS. Ademais, a população LGBQI+, sobretudo aquela residente em territórios de favelas e periferias, tem mais probabilidade de trabalhar em setores altamente afetados, geralmente com mais exposição e/ou maior sensibilidade econômica à crise da COVID-19.

Pensando nestas questões e desafios como aposta ética e como fundamento de garantia à vida das pessoas LGBTI+ de favelas, o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, situado no território da Maré, iniciou, logo no início do lançamento das medidas de contenção da epidemia, uma campanha de arrecadação de fundos para doação de cestas básicas com alimentos, materiais de limpeza e higiene e diversas outras ações de combate a Covida-19 no território da Maré, convidando a população local ao engajamento e luta a este doloroso momento que atravessamos. Trabalhando em parceria com as outras instituições do Complexo da Maré, o Conexão G conseguiu atender e entregar cestas básicas a cerca de 500 famílias LGBTI+ da comunidade, mas infelizmente ainda não foi possível alcançar todas.

Entretanto, devido ao alto número de LGBT+ em situação de extrema vulnerabilidade, o trabalho continua sendo realizado pela ONG e, através de esforços coletivos, temos iniciado novas campanhas para, além da distribuição de cestas básicas, também possam fazer distribuição de quentinhas para a população que vive em situação de rua, além de distribuição de materiais de limpeza e higiene pessoal. Além disso, o Conexão G tem transmitido informações de prevenção incansavelmente através de variadas estratégias, seja com lives, das nossas redes sociais e também distribuição de panfletos informativos.
Neste momento de pandemia, a atuação de ONG’s nos ambientes de difícil penetração do poder público e outras instituições privadas, tem preenchido – infelizmente – uma lacuna deixada pelo poder púbico. Estas ações comunitárias de assistência social aos mais necessitados, tem sido o veículo de grande eficácia para o combate aos efeitos negativos que esta crise tem causado às pessoas que vivem em territórios de favela, sobretudo aquela parcela social historicamente esquecida ou negligenciada, como as pessoas LGBTI+ que habitam os territórios de favelas. No entanto, algo revolucionário e encorajador tem acontecido: é que justamente aquelas pessoas mais vulnerabilizadas da socidade, como travestis e transexuais, tem se reunido para voluntariamente levar assistência a todos os cantos possíveis das comunidades da Maré. Deixando o estigma e o preconceito de lado, elas lutam uma luta pela vida.

Assinado,
Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de favelas

Equipe:
Ayomi Araújo
Ana Carolina Santos
Cris Lacerda
Gilmara Cunha
Mariah Rafaela Silva

Fontes:
MBEMBE, Achille. Direito universal à respiração. São Paulo: n-1 edições, 2020, Série Pandemia Crítica.
https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR&gl=BR&ceid=BR:pt-419

Covid-19: o que se sabe sobre a origem da doença


https://fase.org.br/pt/informe-se/artigos/covid-19-escancara-a-injustica-da-vida-nas-favelas-e-periferias/
http://www.justificando.com/2020/04/08/covid-19-prisoes-e-populacao-lgbtqi/

Imagem de topo: ativistas do Grupo Conexão G (divulgação/Facebook)

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