>>Nas comunidades de Fundo e Fecho de pasto, legislação falha abre espaço para "grilagem verde"
O debate no Supremo gira em torno da constitucionalidade da Lei estadual n.º 12.910, de 11 de outubro de 2013. Ela estabelece um marco temporal para essas comunidades. Desde 1989, a Constituição do Estado da Bahia reconhece as Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto como populações tradicionais. Isso significa que elas podem recorrer ao poder público para cobrar a regularização fundiária dos territórios onde vivem. Feita a regularização, o Estado emite um título de posse coletiva sobre as terras comunais.Em 2013, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou uma lei que estabelece uma data limite para essas regularizações. Nos termos dessa lei, perde o direito sobre a terra a comunidade que não tiver pedido a regularização fundiária de seu território até 31 de dezembro de 2018.
Na avaliação de organizações de defesa dos direitos humanos, a determinação fere a Constituição federal. É essa, também, a interpretação da Procuradoria Geral da República (PGR) que, em 2017, propôs ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ( a ADI 5783). Ela questiona a validade da lei.
>>O que é o marco temporal em terras indígenas
Obstáculos à regularização fundiária
A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), que acompanha o caso, defende que as exigências da legislação baiana são irrealizáveis. “O Estado não tem provido condições para que as comunidades façam o autorreconhecimento”, afirma a organização em nota divulgada à imprensa. Levantamento da Campanha Cerrado indica que, desde 1988, somente 130 títulos de regularização fundiária foram emitidos para as comunidades de fundo e fecho de pasto. Outras 192 comunidades estão com processos paralisados.
A ATTR diz temer um efeito cascata caso a ADI não seja acatada, algo que deixaria vulneráveis outras populações tradicionais. “Haverá um impacto negativo incalculável ao direito de povos e comunidades tradicionais em geral, que não se limita apenas às comunidades de fundo e fecho de pasto, mas às demais que têm o modo de vida tradicional e a posse ancestral dos seus territórios, ao passo em que também reforça a tese do marco temporal”, diz o grupo.
Ainda nesse semestre, o STF deve votar a validade de outro marco temporal: o que se aplica à demarcação de terras indígenas. Nesse caso, os defensores da tese do marco temporal afirmam que esses povos só têm direito às terras que ocupavam no instante em que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada.
Contra as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, pesa um complicador importante: distribuídas pelo sertão da Bahia, elas estão localizadas em uma região no nordeste brasileiro conhecida como Matopiba. O acrônimo se refere às áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia onde a fronteira agrícola avança mais rapidamente. Por lá, conforme aumenta a área para cultivo de soja, cresce também o desmatamento: nos últimos 20 anos, mais de 145 mil km de cerrado nativo desapareceram. O processo é acompanhado por conflitos por terras, violência e morte.
Segundo a AATR, além de violar a Constituição, o marco temporal contraria tratados internacionais de que o Brasil é signatário. “A ADI reivindica a defesa de povos originários e comunidades tradicionais por meio do direito ao autorreconhecimento e o direito à terra e ao território, que é garantido na Convenção nº 169 da Organização do Internacional do Trabalho (OIT)”, escreve o grupo. “As comunidades tradicionais [...] contribuem de forma significativa para a preservação de parcelas ainda remanescentes de cerrado e caatinga, tendo papel estratégico na garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Foto de topo: Divulgação/ AATR
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