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Documento discute como cidades podem criar políticas penais melhores

Sugestões vão da qualificação profissional de egressos à adoção de penas alternativas à prisão. Lançada às vésperas das eleições municipais, Agenda pretende informar candidatos

Rafael Ciscati

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Mirandópolis, no interior de São Paulo, é um município com pouco mais de 30 mil habitantes e cercado por três penitenciárias. Por anos, conta o sociólogo Felipe Athayde, do Laboratório de Políticas Penais da universidade de Brasília (LabGepen), a circulação da população prisional e de seus familiares foi vista como um problema na cidade. A situação começou a mudar em 2006. Naquele ano, a prefeitura incentivou a criação de uma cooperativa de coleta de resíduos sólidos. A iniciativa empregou a população da cidade, pessoas que cumpriam pena e pessoas egressas do sistema prisional. “A estratégia mostrou que era possível fazer um trabalho de integração social com benefícios para todos”, conta Athayde.

>>O que é justiça restaurativa

O exemplo de Mirandópolis é um dos seis destacados no documento “10 Ações para uma Agenda Municipal de Políticas Penais”. Lançado nessa quinta-feira, 22, o material reúne propostas  — a maioria, com baixo ou nenhum custo adicional — que, segundo seus autores, podem ser adotadas pelas administrações municipais para tornar as cidades mais seguras, melhorar a qualidade de vida das pessoas presas e de suas famílias, e diminuir o número de pessoas encarceradas.

>>Racismo e punitivismo estão na raiz do encarceramento em massa

O texto, organizado com apoio do Instituto Igarapé, se baseia em pesquisas recentes realizadas pelo LabGepen,  pelo  Instituto Veredas e pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) — duas organizações da sociedade civil que, há anos, trabalham no tema da justiça criminal.  “Nossa objetivo era sintetizar esse acúmulo de conhecimento em algumas propostas úteis para as prefeituras”, conta Laura Boeira, diretora do Instituto Veredas. O documento está disponível para consulta no site da instituição. Lançado às vésperas das eleições municipais, o trabalho busca ser uma ferramenta útil para informar candidatos e suas propostas.

Discussões sobre políticas penais costumam passar ao largo das campanhas de prefeitos e vereadores. Os motivos para isso variam. Foco de debate acalorado, é comum que políticas penais fiquem resumidas, no imaginário popular, à construção e administração de penitenciárias. As duas atribuições cabem aos governos estaduais e federal. Há casos também, explica Boeira, em que os próprios gestores municipais desconhecem qual seu espaço de ação.

As propostas reunidas na Agenda demonstram que os municípios desempenham papel importante — mas que não envolve prender e punir. “Quando a gente fala de políticas penais, estamos nos referindo ao ciclo todo”, explica Boeira. “Desde o momento em que a pessoa entre em conflito com a lei, é preciso saber quais serviços ela precisa acessar e não consegue ”. Nesse campo, as cidades devem garantir que pessoas presas tenham acesso a serviços de saúde e educação. Devem, ainda, trabalhar para facilitar a reinserção social de egressos do sistema prisional. E podem criar programas que facilitem o acesso de familiares de pessoas presas à assistência social.

A maioria  das propostas apresentadas pela Agenda não exige a criação de novos serviços nem demanda grandes investimentos. Mas requer treinamento de funcionários e a reorganização de fluxos de trabalho. Segundo Boeira, é essencial que os serviços já existentes no município sejam preparados para atender familiares de pessoas presas e pessoas egressas do sistema prisional. “É preciso um olhar humanizado. Se a pessoa for tratada de maneira discriminatória, ela não vai voltar ao serviço”. Para driblar esses problemas, argumentam os autores, é necessário envolver o público alvo das políticas no  desenho dessas iniciativas.

A implementação de políticas penais pelos municípios tem previsão de financiamento pelo governo federal. Municípios que criarem fundo municipais para políticas penais podem receber repasse do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Segundo Boeira, o recurso costuma ficar subaproveitado porque é pouco procurado pelas prefeituras. “São recursos que podem melhorar a rede de assistência do município como um todo. Não têm nada a ver com punição: podem ser destinados à saúde e educação”. O fundos municipais podem financiar projetos focados na reinserção social, como a realização de cursos técnicos e profissionalizantes.  Ou ser usados na criação de programas de justiça restaurativa e mediação de conflitos — ações que buscam responsabilizar a pessoa que cometeu um delito, mas sem recorrer à prisão.

Para os autores da agenda, uma atuação mais eficiente dos municípios no setor pode trazer benefícios para toda a sociedade. Segundo Athayde, do LabGepen, as ações implementadas na esfera municipal têm potencial desencarcerador.  Hoje, o Brasil aparece na terceira posição entre os países com maior população carcerária em todo o mundo, com mais de 800 mil pessoas presas. “Existe um mito de que uma sociedade que prende muito é também uma sociedade mais segura”, afirma. “A gente percebe que não. Há evidências de que medidas alternativas às prisões têm resultados melhores para a segurança pública”.

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