Crianças e adolescentes
A lei de 1990 protege os direitos humanos de crianças e adolescentes, e os reconhece como sujeitos de direito

Crianças e adolescentes
ECA: o que é o Estatuto da Criança e do Adolescente
A lei de 1990 protege os direitos humanos de crianças e adolescentes, e os reconhece como sujeitos de direito
No dia 1 de abril de 1987, um grupo de mais de 500 crianças — alunos e alunas de escolas de Brasília — entrou cantando no Congresso Nacional. A delegação queria conversar com os deputados da Assembleia Nacional Constituinte. O Brasil redigia uma nova Constituição Federal, e o grupo pedia que a Carta incluísse direitos que lhe beneficiasse. Educação pública e gratuita, prioridade no acesso à saúde, dentre outros. O incidente virou notícia do Correio Braziliense: “O auditório Petrônio Portella do Senado foi palco, ontem, do maior lobby já surgido na Assembleia Nacional Constituinte”, brincou o jornal.
A cena é curiosa, mas não foi única. Recém-saído de uma ditadura que durara mais de 20 anos, o Brasil estimulava a participação popular na elaboração da nova Constituição. Grupos da sociedade civil se movimentaram para pressionar os constituintes a aprovar medidas que contemplassem os direitos de pessoas com menos de 18 anos de idade. Caso do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Em mais de uma ocasião, essas movimentações contaram com a participação de crianças e adolescentes. A visita daquele início de abril fora organizada pela Comissão Nacional Criança e Constituinte, criada pelo ministeria da Educação, e que assumira a tarefa de redigir uma proposta de artigo tratando dos direitos de crianças e adolescentes.
A pressão foi bem-sucedida. Resultou no artigo 227 da nova Carta. Quase que integralmente redigido por movimento sociais, ele define que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Dois anos depois, entraria em vigor a lei 8069 de 1990 — o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Válida em todo o país, essa lei estabelece uma série de normas que dizem o que o Brasil deve fazer para tornar realidade os princípios contidos no artigo 227 da Constituição.
O ECA trouxe para o país uma nova concepção de infância. A partir dali, o Brasil passou a ter uma legislação destinada a proteger os direitos humanos dessa população. Mais que isso, passou a reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direito.
Enquanto legislações anteriores se preocupavam em controlar e punir, o Estatuto da Criança e do Adolescente se concentra em garantir direitos. Ele se baseia na doutrina da proteção integral — entende que crianças e adolescentes, enquanto cidadãos em desenvolvimento, devem ser protegidos por toda a sociedade. Suas necessidades devem ser, também, priorizadas no desenho de políticas públicas.
O que veio antes do ECA: as legislações sobre crianças e adolescentes no Brasil
Antes do ECA, vigoraram no Brasil dois Códigos de Menores. O primeiro entrou em vigor em 1927, e se notabilizou por fixar a maioridade penal em 18 anos. O segundo é de 1979,e é o primeiro a falar em proteção integral. Ambos eram legislações específicas para crianças e adolescentes que tinham como objetivo criar mecanismos de controle social. Eram baseados na “doutrina da situação irregular”. O menor em situação irregular era aquele que não tinha famíia, que estava em situação de extrema vulnerabilidade ou que cometera alguma infração. Segundo essas leis, essas crianças deveriam ficar sob a tutela do Estado — o que, geralmente, significava ser internado em instituições geridas pelo governo. “Eles tratavam crianças e adolescentes no sentido punitivista. No sentido de entendê-los como objeto de repressão e de controle social”, diz Marina Araújo, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE). “Era uma ideia ligada a um período em que o Brasil se desenvolvia. Crescia a violência urbana e tinha-se o viés de responsabilizar e punir crianças e adolescentes. Inclusive, com punições semelhantes às que os adultos recebiam”.
O que diz o ECA: a proteção integral à criança e adolescente
O ECA inverte essa lógica. Em lugar de punição, a nova legislação está interessada em garantir direitos. Ele consagra, no Brasil, a doutrina da proteção integral. “Segundo essa doutrina, as crianças e adolescentes deixam de ser vistos como objeto de repressão social. Passam a ser sujeitos de direitos, que têm direito à participação política dentro de sua capacidade e grau de desenvolvimento”, diz Marina. Também fica estabelecido que cabe à sociedade como um todo — família, comunidade, Estado — proteger essa população. “Por fim, a doutrina da proteção integral estabelece o princípio da prioridade absoluta. Significa que crianças e adolescentes têm prioridade nos serviços e políticas públicas”.
O ECA entende crianças como pessoas que têm entre 0 e 12 anos de idade. E adolescentes, segundo a lei, são aquelas entre 12 e 18 anos. Enquanto os códigos anteriores tratavam de “menores em situação irregular”, o ECA é universal — sua proteção se aplica a todas as crianças e adolescentes, independentemente de classe social.
Ele é dividido em dois grandes blocos principais. No primeiro, detalha os direitos das crianças e adolescentes. Já o segundo trata dos órgãos e procedimentos responsáveis por assegurar esses direitos. A lei detalha os procedimentos relativos à adoção de crianças; determina que toda criança e adolescente tem direito à educação pública, gratuita e, se possível, em escola próxima de casa; e estabelece que pessoas menores de 14 anos não podem trabalhar.
Marina conta que, ainda hoje, o ECA é considerado uma legislação avançada. Ela buscou inspiração em leis e tratados internacionais sobre o tema, como a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, de 1989.
Mas o Estatuto, diz ela, não se basta em si. “Suas normas e princípios devem influenciar os outros ramos do direito. Como o direito à saúde, assistência social e educação”, afirma. “Outras políticas e normativas devem se basear nele para serem efetivadas”.
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