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Enfrentar violência contra pessoa idosa exige repensar o orçamento público

Instituto Bonina

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O dia 15 de Junho é o Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa. Desde 2011, a data é reconhecida oficialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define as situações de violência contra pessoas mais velhas como ações que prejudicam a integridade física e emocional delas, impedindo ou anulando seu papel social.

Aqui no Brasil, desde 2003, o Estatuto da Pessoa Idosa, no artigo 4º, diz que “nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”.

Apesar disso, os casos de violência contra idosos são recorrentes no país, e seu número cresce. Mais de 42 mil denúncias de violações de direitos contra pessoas de 60 anos de idade ou mais foram registradas só nos três primeiros meses de 2024. Os dados são da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), e indicam que houve um salto em relação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 33.546 denúncias. Em  2022, elas foram 19.764. Entre os abusos mais comuns, estão: negligência (17,51%), exposição de risco à saúde (14,68%), tortura psíquica (12,89%), maus-tratos (12,20%) e violência patrimonial (5,72%). No fim deste texto, há um glossário que detalha as violências mais comuns. 

Estes Dados do Disque 100 apontam que a maioria das violações acontece no ambiente domiciliar. Mesmo assim, proponho aqui uma reflexão: a de que a violação dos direitos das pessoa idosa é agravada pela não priorização de recursos no orçamento público, algo que de fato poderia garantir sua proteção.

 

Onde estão os idosos e idosas no orçamento público?

Vale salientar, que o orçamento público é o instrumento de planejamento que detalha a previsão dos recursos a serem arrecadados (impostos e outras receitas estimadas) e a destinação desses recursos (ou seja, em quais despesas esses recursos serão utilizados) a cada ano. Ao englobar receitas e despesas, o orçamento é peça fundamental para o equilíbrio das contas públicas e indica as prioridades do governo para a sociedade.

O Plano Plurianual (PPA) para o período de 2024 a 2027 foi elaborado com orçamento previsto – para os quatro anos – de R$13,3 trilhões. O PPA apresenta a seguinte visão de futuro: “Um país democrático, justo, desenvolvido e ambientalmente sustentável, onde todas as pessoas vivam com qualidade, dignidade e respeito às diversidades”.

Para caminhar nessa direção, o PPA se articula em torno de três eixos: (I) desenvolvimento social e garantia de direitos; (II) desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática; e (III) defesa da democracia e reconstrução do Estado e da democracia. São previstos 88 programas e cinco agendas transversais, a saber: crianças e adolescentes, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e meio ambiente. Foi desenvolvido um esforço de participação social, que envolveu debates nos estados, diálogos com os conselhos de políticas públicas e interações virtuais por meio da plataforma Brasil Participativo (consultas, votações e apresentação de propostas).

A população idosa não aparece nas prioridades elencadas acima, apesar de ser uma população crescente a cada ano. De acordo com o Censo Demográfico de 2022 (IBGE), o mais recente disponível, a população idosa residente no Brasil era de 32.113.490 pessoas. Ou seja, 15,8% da população brasileira.

Considerando o índice de envelhecimento, para cada 100 crianças de 0 a 14 anos de idade temos 80 pessoas idosas. Elas demandam, cada vez mais, serviços de qualidade que supram suas necessidades em geral. Hoje, a saúde é o principal foco dado no processo de envelhecimento e que encontramos citado de forma generalizada no Orçamento.

Segundo estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional, o envelhecimento da população deve elevar a pressão por recursos de saúde em R$ 67,2 bilhões entre 2024 e 2034, conforme consta do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentária (PLDO) de 2025.

O orçamento autorizado para a saúde em 2024 é de R$ 217,7 bilhões, o que corresponde a um aumento de R$ 32,9 bilhões (18%) com relação ao valor autorizado em 2023, incluídos os R$ 22,7 bilhões oriundos da PEC da Transição, em 2023.

Nesse orçamento, a Atenção Primária à Saúde volta a ganhar força, com maior destinação de recursos para a infraestrutura das unidades básicas de saúde e para a expansão da Estratégia de Saúde da Família, inclusive com a retomada do Programa Mais Médicos e do Programa Farmácia Popular, que haviam sido desmontados no governo anterior. Neste PPA, a saúde aparece ligada a outras políticas transversais, como as relacionadas às mulheres (saúde da mulher) e aos cuidados (com a elaboração e implementação da Política Nacional de Cuidados).

Mas o envelhecimento demanda a efetivação de muitos outros direitos, além do direito à saúde, salvaguardados no Estatuto da Pessoa Idosa e que não são realidade ainda, tendo em vista que, tanto a gestão federal quanto as estaduais e municipais não contemplam, de forma específica, essas demandas em seus orçamentos.

Devido a isso, falta para a pessoa idosa: a garantia efetiva do transporte gratuito, principalmente, nos municípios brasileiros; a disponibilização de uma educação inclusiva; e uma política de cuidados que garanta à pessoa idosa, não só o atendimento às suas necessidades de saúde, mas em todos os aspectos da sua vida, pois a realidade do envelhecimento é que cada vez mais pessoas idosas vivem sozinhas, seja por escolha própria, abandono de seus familiares e/ou a inexistência deles.

Há que se observar que o endividamento de pessoas com mais de 60 anos é considerado o maior da história do Brasil. Segundo a Serasa, houve um acréscimo de 3,4 milhões de idosos inadimplentes entre 2019 e 2023, o levantamento aponta que as maiores dívidas são relacionadas a contas de água, luz e telefone, o que os leva a fazer empréstimo para pagar.

Outra realidade, é a falta de acesso a serviços de convivência voltados às pessoas idosas. O Serviço de Convivência e Fortalecimento de vínculos contribui para o processo de envelhecimento ativo e saudável uma vez que as suas ações são capazes de contribuir com o bem-estar e interação social de seus participantes, à medida que possibilita a vocalização de demandas e sua organização social, as ações destes serviços acontecem na comunidade, ou seja, no município.[3]

Numa mudança de paradigma, e uma vez que as leis ordinárias existentes que se propõe à proteção das pessoas idosas não têm surtido os efeitos necessários, foi instituída a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, concluída no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), celebrada em Washington, em 15 de junho de 2015.

O Brasil foi um dos primeiros países a assiná-la. Sua base conceitual é a mudança de paradigma: da perspectiva biológica e assistencial para a visão social dos direitos humanos, visando eliminar todas as formas de discriminação — entre outras, a discriminação por motivos de idade. Ela reconhece que as pessoas, à medida que envelhecem, devem desfrutar de uma vida plena, com saúde, segurança e participação ativa na vida econômica, social, cultural e política de suas sociedades.

É fundamental o aumento do reconhecimento da dignidade das pessoas idosas e a eliminação de todas as formas de abandono, abuso e violência, bem como, a tarefa de incorporar eficazmente o envelhecimento nas estratégias, políticas e ações sócio-econômicas.

O texto da Convenção foi subscrito pelos Estados Partes da Organização dos Estados Americanos (OEA), com fundamento na identificação da necessidade de se instituir um documento regional juridicamente vinculante, que protegesse os direitos humanos dos idosos e fomentasse um envelhecimento ativo em todos os âmbitos, sem que seja instrumento limitante de direitos já adquiridos pela população idosa no âmbito de suas nações.

No entanto, somente em 2017 a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos deu entrada no legislativo brasileiro por meio da MSC 412/2017 (PDC 863/2017), para ser adotada pelo Brasil com status de emenda constitucional e vem desde então em tramitação, sem uma definição final até hoje.

Considero essa uma violação dos direitos das pessoas idosas, pois é indispensável que o envelhecimento da população brasileira não se circunscreva às atuais gerações de pessoas idosas, e que é fundamental avançar no sentido da construção de sociedades mais inclusivas, coesas e democráticas, que rechacem todas as formas de discriminação, inclusive as relacionadas com a idade, e consolidar os mecanismos de solidariedade entre gerações, tendo presente que o envelhecimento pode gerar comorbidades, deficiências e dependência que exigem serviços orientados para sua atenção integral. Promover mudanças na legislação ou políticas públicas pode contribuir para a redução dos índices de violência.

Em 2024, teremos eleições para prefeitos e vereadores. Uma vez que a população idosa existente e demandante de políticas públicas reside nos municípios, a garantia destes direitos a esta população também é de responsabilidade direta destes gestores municipais.

Chamo a atenção para  algumas violações presentes no dia a dia da pessoa idosa:  no transporte municipal, a dita gratuidade que é assegurada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Pessoa Idosa não é realidade na maioria dos municípios. Assim, o direito de ir e vir é negligenciado.

Envelhecer no Brasil não é fácil. As pessoas idosas sofrem discriminações e preconceitos pela sociedade; ficam invisíveis à gestão pública, que não contempla ações e programas no orçamento público voltados à pessoa idosa; tornam-se alvos do mercado financeiro com as ofertas de empréstimos e dos abusos nos preços dos planos de saúde. Além disso, com uma renda cada vez menor a pessoa idosa passa a ter dificuldades para suprir necessidades básicas.

Por isso, neste 15 de junho – Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa – conclamo toda a sociedade a lutar pela ratificação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos e para que a pessoa idosa faça parte do Orçamento público Federal, Estadual e Municipal de fato e não continue na invisibilidade.

 

As violências praticadas contra idosos no Brasil

Nos últimos tempos os tipos de violências mais registradas do Disque 100 foram dos seguintes tipos:

Negligência: quando os responsáveis pela pessoa idosa deixam de oferecer cuidados básicos, como higiene, saúde, medicamentos, alimentação, água, proteção contra frio ou calor.

Abandono: quando há ausência ou omissão dos familiares ou responsáveis governamentais ou institucionais, sem prestação de socorro a pessoa idosa que precisa de proteção.

Física: quando é empregada força para maltratar e ferir, provocando dor, incapacidade e até morte. E no caso de violência sexual, os atos como excitação, relação sexual ou práticas eróticas ocorrem por aliciamento, violência física ou ameaças.

Psicologia: quando prejudicam a autoestima ou o bem-estar da pessoa idosa, com ofensas, xingamentos, torturas, sustos, constrangimento, destruição de propriedade, cerceamento do direito de ir e vir ou do acesso a amigos e familiares.

Financeira ou material: exploração imprópria ou ilegal ou o uso não consentido dos recursos financeiros e patrimoniais da pessoa idosa. Há casos, ainda, da pessoa idosa ser impedida de gerir os próprios recursos financeiros, mesmo em condições de fazê-lo. Danos e desleixo com bens materiais delas.

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