Exposição registra personagens que fizeram — e fazem — a história do samba em São Paulo
Mostra, organizada pela Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, faz parte do projeto Cartografias de Bambas. Pesquisa traça a trajetória da presença negra na Barra Funda, berço do samba paulistano

Rafael Ciscati
6 min

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Em meados de 2024, a socióloga Nathália Oliveira sentou-se para conversar com a sambista Simone Tobias — ex-presidente da Camisa Verde e Branco, agremiação tradicional do bairro da Barra Funda, em São Paulo.
A carnavalesca foi testemunha de lances importantes para a história do samba na cidade. Foi na casa da família Tobias, um porão na rua Conselheiro Brotero, que os avós de Simone fundaram, em 1953, o então cordão carnavalesco que, anos depois, daria origem à escola.
Por muito tempo, os ensaios aconteceram na rua em frente ao imóvel. Pela casa dos Tobias, circularam alguns dos principais nomes da cena carnavalesca paulistana. Parte dessa movimentação, Simone acompanhou enquanto criança. “Mas esse lugar é maravilhoso. A gente tem que fazer um memorial do samba ali”, Nathália lembra de ter dito. Impossível: encravado num bairro que cresceu botando abaixo suas antigas moradias populares, o porão da Conselheiro Brotero desapareceu há muito tempo.
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Mesmo destino tiveram outros tantos espaços caros à história do samba na região. Fundado no final do século XIX, com forte presença negra, o bairro da Barra Funda é considerado o berço do ritmo em São Paulo. Conta-se que, no começo do século passado, era no largo da Banana (um quadrilátero formado junto da estrada de ferro São Paulo Railway), que a população negra se reunia nos momentos de lazer, para fazer música. O Largo figura em um sem-número de sambas clássicos, mas também desapareceu. Onde ficava, ergue-se agora o viaduto Pacaembu, construído nos anos 1950.
Projeto quer resgatar memória negra
Co-fundadora e diretora-executiva da Ong Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, Nathália Oliveira acompanha há anos as mudanças na região. Criada em 2015, a Iniciativa Negra advoga, a partir de pesquisas originais, que é preciso mudar a maneira como o poder público brasileiro lida com substâncias proscritas. As políticas hoje em voga, diz a organização, são belicosas e não fazem uma guerra às drogas: fazem uma guerra às pessoas, num processo que prende e mata, desproporcionalmente, a população negra.
Logo que passou a pandemia de covid-19, Nathália conta que foi na Barra Funda que a ong decidiu se fixar, e abrir seu escritório paulistano. Localizado numa zona central, o bairro é vizinho dos Campos Elíseos, onde se formou a principal cracolândia da cidade. É também um bairro com presença jovem, cultura efervescente e importante para a história negra na capital. Uma memória que corre o risco de desaparecer, soterrada sob sucessivas intervenções urbanas. “No bairro, a gente preservou a casa do [ escritor modernista] Mário de Andrade. Mas não preservou as casas dos sambistas negros que foram igualmente importantes para a produção cultural paulistana. Porque os sujeitos negros não tinham posses, não deixaram propriedades”, diz Nathália. Ela quer evitar que essa memória se perca.
Desde agosto do ano passado, a Iniciativa Negra desenvolve o projeto “Cartografias de Bambas: memória da presença negra em São Paulo”. Realizado em parceria com o Alma Preta Jornalismo e a Ponte Jornalismo, a empreitada inclui uma série de atividades e intervenções pensadas em conjunto com a comunidade local, e que devem ganhar vida ao longo de 2025.
A primeira delas é uma exposição, cuja abertura está marcada para o dia 26 de fevereiro, quase véspera de Carvanal. A mostra Bambas na Barra Funda vai exibir os retratos de nove personalidades vitais para o samba paulistano. Além de Simone Tobias, há fotos de nomes notórios da velha guarda da Camisa Verde e Branco, como Seu Ideval e Tia Neide.
A velha guarda da escola, inclusive deve se apresentar na noite de abertura. “Convidamos, também, as velhas guardas de outras escolas”, conta Nathália. “Esperamos fazer um pré-carnaval que valorize vários mestres”. A exposição fica em cartaz na Rua Lavradio, 237, até o dia 29 de março. Depois disso, deve circular pelo bairro.
Já em abril, o plano é lançar um documentário que vai reunir os depoimentos das pessoas retratadas para a exposição. A conversa narrada no começo desse texto aconteceu durante uma das entrevistas realizadas para o filme.
Por fim, o grupo vai grafitar um muro na Conselheiro Brotero, registrando os rostos dos personagens entrevistados para o documentário. “Vamos explorar várias linguagens. Queremos que as pessoas se encantem por esse território”, diz Nathália.
O saldo da experiência será reunido em uma publicação impressa. Ela deve contribuir para preencher uma lacuna que surpreendeu a equipe do projeto. “Achávamos que houvesse muito mais produção sistematizada sobre o território”, diz Nathália. “Precisamos registrar essa história”.

Simone Tobias, ex-presidente da Camisa Verde e Branco. Pela casa dos avós dela, circularam os principais nomes do samba de São Paulo (Foto: divulgação)
Samba como resistência
Para além de registrar a história do samba no bairro, o projeto acaba por traçar um roteiro da resistência negra na região, diz a pesquisadora Bruna Imani. “O samba vai muito além do gênero musical. Ele carrega palavras de luta. Conversando com os bambas, a gente aprende sobre como seguir na luta, e como evitar que a população negra seja expulsa da Barra Funda”.
À primeira vista, o Cartografias de Bambas parece descolado das atividades habituais da Iniciativa Negra, focada na discussão sobre segurança pública. Nathália explica que não. “ Há muito tempo, a gente fala o quanto a guerra às drogas encarcera e mata os nossos“, diz a socióloga. “Queremos celebrar a memória dos que ficaram vivos. E investigar quais foram as armas que fizeram essa população negra, resiliente, sobreviver”.
SERVIÇO
Abertura da Exposição Bambas na Barra Funda
Data: de 26/2/2025 a 29/3/2025
Horário: 19 horas
Visitação: Terça à sexta das 14h às 19h
Para o agendamento de visitas guiadas basta enviar email para (cartografiadebamba@
Apresentação musical
Velha Guarda Musical do Camisa Verde e Branco
Data: 26/02/2025
Horário: 20 horas
Local: Bananal
Endereço: Rua Lavradio, 237 – Barra Funda
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