Garimpeiros burlam lei para explorar área maior que a cidade de SP no Amazonas
Cooperativas pedem autorização para garimpar várias áreas próximas, somando extensões até 28 vezes maiores que o permitido. Legislação deixa brecha para garimpo industrial
Rafael Ciscati
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No Amazonas, cooperativas de garimpeiros encontraram uma maneira de burlar a lei para registrar pedidos de exploração de áreas de garimpo maiores que o permitido. Em alguns casos, os requerimentos de lavra garimpeira— como esses pedidos de autorização são chamados — somam áreas com 28 vezes o tamanho limite estipulado em lei. “Historicamente, o garimpo foi definido por ser uma atividade de mineração artesanal”, diz o indigenista Renato Rodrigues da Rocha, pesquisador da Operação Amazônia Nativa (Opan), uma organização não governamental que atua na Amazônia Legal. “Mas há casos em que uma única cooperativa requisitou uma área de quase 290 mil hectares para exploração. Não é algo que possa ser trabalhado artesanalmente”.
Rocha é um dos responsáveis pelo relatório Panorama do Interesse Minerário no Amazonas. O estudo, realizado pela Opan em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) recorreu a documentos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) para avaliar o avanço da exploração mineral no estado.
Os dados mostram que, hoje, 8% do território do Amazonas é alvo de processos minerários em diferentes estágios de tramitação. Isso significa que pessoas físicas, associações ou grupos empresariais pediram à ANM o direito de explorar essas terras. A área tem tamanho equivalente à Coreia do Norte.
Quase metade dessa área (34% dela) é alvo de requerimentos que pedem autorização para garimpar ouro. No último ano, mostram os pesquisadores, o número de requerimentos para garimpo de ouro deu um salto: aumentou 320% em 2020 quando comparado à média da última década.
Dentre as descobertas, chama a atenção a maneira de atuar das cooperativas de garimpeiros. De acordo com a legislação vigente, essas associações podem requerer, na Agência Nacional de Mineração, lavras com até 10 mil hectares. “As cooperativas têm alguns privilégios se comparadas a empresas, por exemplo”, afirma Rocha. “No caso das empresas, o limite é de 50 hectares”.
Ao sobrepor os pedidos feitos pelas cooperativas ao mapa do estado, os pesquisadores perceberam que elas recorriam a uma estratégia para driblar essa limitação. Faziam vários requerimentos em terras próximas umas das outras. Somados, esses terrenos podiam chegar a ter área superior a da cidade de São Paulo.
A maior parte desses pedidos foi feita por 10 cooperativas de garimpo, que detêm a titularidade de mais de 90% da área requerida para garimpo de ouro no Amazonas.
Na avaliação do relatório, a extensão das áreas pleiteadas indica que atividades minerarias de perfil industrial estão sendo registradas como garimpo artesanal.
A estratégia das cooperativas, explica Rocha, se aproveita da indefinição da legislação brasileira, que não estabelece critérios objetivos para dizer o que é garimpo. “A legislação não avalia qual a forma de extração que vai ser utilizada para definir o que é garimpo”, diz Rocha.
A situação é duplamente vantajosa porque quem explora uma lavra de garimpo não precisa realizar um procedimento chamado “pesquisa prévia”. Ela diz, por exemplo, qual a o potencial de produção da lavra. Além de envolver menos burocracia, essa dispensa da pesquisa prévia abre brechas para atividades ilegais. Rocha conta que o ouro obtido em garimpos ilegais pode ser registrado como proveniente de garimpos legalizados, uma vez que estes não precisam apresentar estimativas de qual seu limite de produção.
O relatório ainda aponta que a maior parte das lavras requeridas à ANM não está em operação hoje, nem tampouco foi autorizada. Parte dos requerimentos está sobreposta a 19 unidades de conservação e terras indígenas — territórios onde, hoje, essas atividades não podem ser realizadas. Segundo Rocha, isso sugere que essas cooperativas têm a expectativa de que a legislação vigente será flexibilizada, para admitir garimpo em áreas protegidas. “Ao protocolar esses requerimentos de lavra, as cooperativas tentam reservar áreas para explorar no futuro”, conta Rocha.
Foto de topo: Victor Paiva / divulgação Opan
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