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Indígenas enfrentam LGBTfobia e lutam pela vida nos territórios

Suicídio entre indígenas disparou nos últimos anos. Para jovens LGBTQIA+, a luta pelo território e o racismo se somam à LGBTifobia

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Agência Diadorim

4 min

Foto: Juliana Pesqueira/Proteja Amazônia/Apib

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por Jess Carvalho, da Agência Diadorim

Na aldeia Tajassu Ygua, em Douradina, no Mato Grosso do Sul, o jovem ativista indígena Gualoy Kaiowá, 20, enfrenta o luto por ter perdido dois amigos próximos recentemente. Ambos cometeram  suicídio. Eles enfrentavam preconceito dentro do território por serem LGBTQIA+.

Um deles trabalhava na área de saúde, oferecendo apoio a pessoas que sofriam discriminação e outros tipos de violência, e já havia sofrido ameaças na aldeia. O outro amigo não havia se assumido publicamente para a família e a comunidade, por receio de sofrer represálias. “Foi algo muito difícil. Ele chegou a compartilhar isso com um amigo antes de tirar a própria vida”, diz Gualoy.

O ativista acredita que a falta de apoio psicológico e a pressão da comunidade contribuíram para esse desfecho. “É muito duro ver isso acontecer e não ter recursos suficientes para ajudar”, desabafa.

A tragédia ilustra uma crise alarmante: o suicídio entre indígenas brasileiros cresceu 53% de 2022 para 2023, com 180 casos registrados, segundo o Conselho Indigenista Missionário, ligado à CNBB (Confederação Nacional do Bispos do Brasil). A maioria das vítimas tem de 20 a 59 anos.

O Amazonas lidera entre os estados com as maiores taxas de suicídio de indígenas, com 66 registros, seguido do Mato Grosso do Sul, com 37, e de Roraima, com 19.

Rafaela Palmeira, psicóloga do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Alto Rio Solimões, acompanha de perto a situação no Amazonas, estado que lidera o ranking. Segundo ela, o problema é agravado por uma série de fatores complexos, que incluem a pressão territorial, o racismo estrutural, a violência física e psicológica.

“São questões que vão desde a destruição do território, pela presença do garimpo e do narcotráfico, até a violência direta, o preconceito racial e a falta de acesso a políticas públicas. Esses elementos impactam fortemente a saúde mental”, afirma.

“A questão da orientação sexual e identidade de gênero, que muitas vezes não é amplamente discutida dentro das comunidades indígenas, também tem um peso significativo”, diz a psicóloga. Ela explica que a invisibilidade dificulta o acompanhamento desses casos e produz subnotificação. “Muitos suicídios ou tentativas de suicídio não chegam a ser registrados como casos relacionados à LGBTfobia”, fala.

Ações para acolhimento e prevenção

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) tenta enfrentar a crise de suicídio entre indígenas, incluindo a população LGBTQIA+, com o programa Bem Viver+, lançado em 2023 e que já investiu R$ 1,6 milhão em ações de acolhimento e prevenção à violência.

Em Mato Grosso do Sul, oficinas de escuta ativa foram realizadas recentemente em aldeias Guarani-Kaiowá para identificar as principais demandas de jovens LGBTQIA+ indígenas.

As oficinas também buscaram envolver lideranças comunitárias e rezadeiras para fortalecer redes de apoio local. Segundo o Ministério, estão sendo desenvolvidas cartilhas educativas que incluem poemas, músicas e relatos criados pelos próprios jovens, com o objetivo de refletir vivências e expressões culturais específicas.

O programa prevê ainda a criação de comitês de monitoramento para avaliar o impacto das ações e garantir que as respostas às comunidades sejam eficazes e respeitem a autodeterminação dos povos indígenas. Embora o diagnóstico detalhado das aldeias já esteja pronto, o MDHC informou que não divulgará o material devido à sensibilidade das informações.

A próxima etapa do Bem Viver+ é expandir as ações para estados como Bahia e Pará, mantendo as oficinas de escuta ativa e ampliando as redes de acolhimento.

Gualoy Kaiowá, que participou das atividades do programa federal em Mato Grosso do Sul, avalia a ação como um passo importante.

Ainda assim, cobra do MDHC um trabalho contínuo, com ações constantes e eficazes. “Estamos levando essa visão de união para que possamos nos reunir de forma coletiva e lutar pelos nossos direitos”, afirma, citando o termo Guarani “teko jodhyá”, que significa “viver juntos em harmonia”.

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