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Mulheres presas usam miolo de pão como absorvente?

Falar sobre a falta de produtos de higiene dá visibilidade às violações sofridas, mas pode reforçar estereótipos e ocultar um problema estrutural

ITTC

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por ITTC

É comum, quando o assunto é mulheres presas, ouvir que as grandes violações de direitos são a falta de acesso a produtos de higiene, como absorventes e papel higiênico. De fato, antigamente costumava-se focar mais nas questões materiais, mas hoje, após quase 20 anos de atuação do ITTC, sabemos que a questão do encarceramento feminino é muito mais profunda.

Por um lado, falar sobre a falta de produtos de higiene é algo positivo, pois dá visibilidade às violações sofridas pelas mulheres no cárcere; mas, por outro, isso acaba reforçando estereótipos e ocultando um problema estrutural.

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O problema dos estereótipos é que falar que as mulheres presas usam miolo de pão como absorvente pode reforçar uma imagem, já muito difundida, de que as pessoas no cárcere são menos civilizadas. Afinal, não parece nada higiênico usar um alimento para conter o sangue menstrual.

Além disso, esse estereótipo é grave não apenas porque sugere que as mulheres presas são menos humanas, mas também porque ele distorce a realidade da maioria das prisões femininas. Em todas as idas ao cárcere durante sua atuação, o ITTC não encontrou nenhuma mulher que dissesse que usava miolo de pão.

Como apontou a antropóloga Natália Padovani, mesmo em condições subumanas, as mulheres desenvolvem diversas estratégias para resistir na prisão, inclusive no que diz respeito ao acesso a itens de higiene. Muitas vezes, elas conseguem obter absorventes por meio de trabalhos e trocas com aquelas que possuem um pouco mais de dinheiro. Além disso, é comum a solidariedade entre elas:
“Se alguém não tiver absorventes dentro da penitenciária feminina, pode ter certeza, ela encontrará alguém para emprestar um antes de ter de usar o miolo de pão”.

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A segunda dimensão para problematizar a falta de itens de higiene diz respeito a quais são as políticas públicas pelas quais devemos lutar. A ênfase nos absorventes sugere que o grave problema a ser combatido é a falta de recursos na prisão.

De fato é fundamental que todas as pessoas presas tenham acesso aos bens materiais de que necessitam no seu dia a dia, como é previsto no art. 11 da Lei de Execução Penal, mas a política defendida pelo ITTC não é de ampliação na distribuição de suprimentos básicos, mas de redução do encarceramento.

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Para o ITTC, o cárcere é, em si mesmo, uma violação de direitos que atinge de forma mais intensa as mulheres. Isso porque sua violência não está no que é excepcional, mas justamente na normalidade: não ter autonomia para fazer a própria comida, não receber medicação adequada, não poder escolher como se vestir, esperar horas até poder dar à luz, ainda que se esteja dentro de um hospital.

Ser vigiada enquanto dá à luz. Estar presa e estar sozinha. Ser julgada pela lei e pelas pessoas. Ser punida por ser uma mãe ruim, por não fazer escolhas que um juiz de classe média branco faria. Ser julgada má porque teve filhas e não consegue criá-las, ser condenada porque arrumou um trabalho considerado ilegal para criá-las.

Esses últimos exemplos ainda apontam mais um grave problema que a denúncia sobre o miolo de pão distorce: a violência da prisão não ocorre simplesmente porque mulheres são tratadas da mesma forma que homens na prisão – que seria a justificativa para a falta de absorventes -, mas porque o gênero é instrumentalizado como mecanismo de controle.

É isso o que ocorre quando as mulheres são punidas com faltas disciplinares porque seus bebês estão chorando ou quando são obrigadas a usarem anticoncepcionais para terem visita íntima.

É muito importante que as pessoas discutam e se sensibilizem com a situação das mulheres presas, mas é papel do ITTC, por suas décadas de atuação, ir além da discussão de temas como disponibilização de bens materiais e questionar a própria prática do encarceramento. Somente com o desencarceramento é possível eliminar as violações às quais o sistema prisional expõe as mulheres.

*Texto originalmente publicado no site do ITTC

FOTO: Agência Brasil

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São Paulo - SP

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