Marco temporal avança na Câmara dos Deputados sob protestos em todo o país
Parlamentares aprovam projeto de lei que ameaça demarcação de terras indígenas. Tese do marco temporal ainda será discutida no Senado e no STF.
Rafael Ciscati
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A Câmara dos Deputados aprovou ontem (30/05) o PL 490/07. A proposta é perversa: ela cria um marco temporal, segundo o qual os povos indígenas têm direito somente às terras que ocupavam (ou pelas quais lutavam) na data em que foi promulgada a Constituição Federal, em outubro 1988. O texto também transfere, do executivo para o legislativo, a atribuição de demarcar terras indígenas. Na Câmara, o placar somou 283 deputados favoráveis ao projeto e 155 contra. Para virar lei, o PL ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
Os defensores do Marco Temporal afirmam que a medida pretende trazer segurança jurídica aos proprietários de terra. Não à toa, os principais apoiadores do texto compõem a chamada bancada ruralista do Congresso. Na ponta oposta, a proposta é criticada por organizações de defesa dos direitos humanos, organizações indígenas e ambientalistas. Os opositores do Marco Temporal defendem a chamada tese do “indigenato”. Na leitura dessas pessoas, a Constituição Federal entende que o direito indígena sobre suas terras tradicionais é “originário” — ele precede a formação do Estado brasileiro.
>>Leia também: Entenda o Marco Temporal
Os críticos do marco temporal também afirmam que a medida apaga as muitas violências e perseguições sofridas pelos povos indígenas que, ao logo dos anos, foram expulsos de suas terras. “Essa máquina de moer história que está sendo promovida pelo Congresso Nacional quer apagar toda a violência que foi praticada contra os povos indígena. O esbulho possessório, as invasões, a retirada forçosa que foi promovida, principalmente no auge da ditadura militar [ …]. O marco temporal vem para tentar tirar esse cenário de violência que foi promovido pelos colonizadores, e querem colocar os povos indígenas como invasores”, disse Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
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Além disso, organizações indígenas questionam legalidade do projeto. Na avaliação de Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o PL 490/07 tenta alterar uma garantia prevista na Constituição. Mudanças assim, explicou ele durante audiência pública na Câmara, devem ser feitas por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), cuja tramitação é mais morosa. Para ser aprovada, uma PEC precisa ser votada em dois turnos, e receber o apoio de três quintos dos deputados e senadores. Já o PL 490/07 propõe a criação de uma lei ordinária: essas são votadas num único turno, e aprovadas por maioria simples.
Trecho de minha contribuição hoje na câmara dos deputados na audiência sobre o 490, representando o departamento jurídico da @ApibOficial . pic.twitter.com/kx8ib7O9nZ
— Mauricio Terena (@terenamauricio) May 17, 2023
A votação na Câmara acontece depois de uma semana particularmente difícil para a pata indígena. Na última terça-feira, o deputado Isnaldo Bulhões, relator da MP que reorganiza a esplanada dos ministerios, apresentou um texto que reduz os poderes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Na atual estrutura, o MPI é responsável pelos processos de demarcação de terras indígenas. Na proposta de Bulhões, essa atribuição volta à pasta da Justiça.
Na tarde de ontem, a votação na Câmara foi precedida por protestos em todo o Brasil.
Votação no Supremo
O marco temporal também é discutido no judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar, no próximo dia 07 de junho, a votação que decidirá se a medida é constitucional ou não. O julgamento do marco temporal no Supremo começou em 2021 (contamos essa história na Brasil de Direitos), e foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Até o momento, foram proferidos dois votos: o do relator, ministro Edson Fachin, que se manifestou contra o marco temporal, e o do ministro Nunes Marques, a favor.
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