Migrantes da indústria têxtil enfrentam impactos da Covid-19
Trabalho em oficinas fechadas expõe migrantes a risco de contaminação pelo novo coronavírus. Com oscilação da produção, famílias ficam sem renda durante a pandemia
Rocío del Pilar Bravo Shuña
Nicolas Neves dos Santos
7 min
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com revisão de Guilherme Weimann
Migrantes nas principais metrópoles da América Latina estão sujeitos a realizar atividades de trabalho precarizado. É o caso de milhares de migrantes inseridos na indústria têxtil em cidades como São Paulo e Buenos Aires, seja na informalidade ou mesmo em situação formal, que convivem com condições precárias de trabalho e moradia. O convívio em oficinas fechadas, por onde o ar circula mal, e as oscilações de renda – próprias de uma atividade em que as pessoas são pagas de acordo com o volume da produção – tornam essas populações especialmente vulneráveis aos impactos da pandemia do novo coronavírus.
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Para o antropólogo e professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), Alejandro Goldberg, os efeitos dessa pandemia podem ser catastróficos para esses grupos. “O impacto da pandemia sobre os conjuntos socioculturais mais pobres da sociedade, dentro dos quais se encontram as famílias migrantes, pode chegar a dimensões de uma envergadura enorme para suas vidas. Sobretudo para aquelas pessoas que se encontram em uma grave situação de precariedade de habitação ou trabalho”, afirma.
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No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o caráter de pandemia em relação ao novo coronavírus, o Sars-cov-2. O termo se refere ao momento em que é possível identificar transmissão sustentada de uma determinada doença – no caso, a Covid-19 – em uma grande região geográfica, englobando um ou mais continentes.
Apesar da declaração não ter mudado na prática as orientações da OMS, aumentou o alerta da opinião pública e de governos sobre a seriedade da situação. Três semanas após o anúncio, os efeitos da pandemia se concretizam no dia a dia: governos implementam políticas de isolamento social, quarentena, restrições de viagens e fechamento de fronteiras. Ao mesmo tempo, tentam contornar os efeitos da grave crise econômica e social que se avizinha.
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Em uma cidade como São Paulo, populosa e extremamente desigual, o alastramento da Covid-19 também traz preocupações sérias para diversos setores sociais. Do ponto de vista epidemiológico, são mais vulneráveis os idosos e pessoas com doenças crônicas ou comorbidades, por serem mais suscetíveis ao agravamento de seu quadro clínico ao contrair a doença. Mas, há, ainda, determinantes sociais que colocam outras parcelas da população em situação de vulnerabilidade. São moradores de rua e de bairros periféricos, povos indígenas, pessoas em situação de privação de liberdade, pobres, migrantes e refugiados.
Na avaliação de Goldberg, há uma multiplicidade de fatores que, articuladamente, determinarão uma quebra nas trajetórias de vida das populações migrantes. A Covid-19 possui grande potencial de contágio em locais fechados, principalmente os que se assumem como espaços de moradia e trabalho. Trata-se de uma situação semlhante a da tuberculose, doença que atinge com muita frequência trabalhadores de oficinas e outros grupos vulneráveis. De acordo com o antropólogo, isso se deve, especialmente, aos “ambientes de lotação, fechados e sem ventilação que caracterizam o espaço da oficina”, explica.
Segundo Goldberg, os trabalhadores migrantes, moradores de oficinas, convivem em áreas onde respiram constantemente a poeira liberada pelos tecidos das máquinas de costura, com escassas medidas de proteção ou higiene. São nesses espaços que, para o antropólogo, “o Sars-Cov-2, que afeta principalmente o sistema respiratório [assim como a bactéria do Bacilo de Koch, que produz a doença da Tuberculose], circularia facilmente pelo ar e pelos objetos da oficina”.
Impactos na renda
Existe ainda a preocupação com os danos socioeconômicos a essas famílias. “O trabalho na oficina têxtil é peça por peça”, recorda Goldberg. Por isso, as pessoas costureiras cobram e recebem por peça acabada. Se o dono da oficina não recebe pedidos, nenhum trabalhador poderia ter renda, o que os deixa em dificuldades para arcarem com seus gastos cotidianos.
As preocupações trazidas por Goldberg vão de encontro com as medidas de combate ao coronavírus, anunciada pela Prefeitura de São Paulo no dia 17 de março. As políticas de isolamento social e o fechamento de serviços e comércios não essenciais, importantes paras a contenção do vírus na população geral, afetam diretamente a população migrante inserida na cadeia têxtil na capital paulista
Um desses casos é o de Maria, imigrante boliviana que preferiu não ser identificada nessa matéria. Trabalhadora da costura, Maria só percebeu a gravidade da situação quando começou a circular várias informações sobre o coronavírus pelas redes sociais. Mas a ficha realmente caiu quando a escola de seus filhos suspendeu as aulas e enviou recomendações de prevenção à doença.
Neste cenário, o acesso à renda se torna nulo. “As pessoas que trabalham com costura estão paradas, não sabemos quando vamos voltar à rotina de trabalho. Os fornecedores também pararam e, por isso, a situação está difícil para cada um de nós. As mulheres que têm filhos pequenos estão passando ainda mais dificuldades, porque não podem sair à rua, apenas para comprar alimentos ou em casos emergenciais”, relata Maria.
Somado a esses fatos, Maria aponta a lentidão das instituições de saúde. “A verdade é que não nos informaram nada, somente nesta semana recebi alguma informação de como nos proteger. Mas, antes, a área de saúde não se preocupou com nada, já os políticos menos ainda. Estamos nas mãos de Deus. Só ele nos pode salvar, só ele nos pode proteger. Claro, nós temos que tomar os cuidados básicos para não pegar essa praga e estamos aí nessa luta, nesse desafio do mundo inteiro”, afirma.
Mesmo nessa paisagem adversa, Maria mostra esperança de que o caminho certo é cuidar a saúde e se manter em quarentena. “É um grande aprendizado [manter-se isolada] para valorizar a nossos seres queridos, nossas amizades. E, o mais importante, aprender a cuidar da nossa saúde que muitas vezes esquecemos. O corpo é o principal para nos cuidar, porque se você está doente não pode ajudar a ninguém e não pode trabalhar. Muitos estamos aprendendo a nos cuidar na força. É o que eu estou fazendo, não estou saindo a nenhum lugar, estou numa luta, me cuidando e sempre com fé”, revela.
Atualmente, todos os 26 estados do país e o Distrito Federal têm assumido medidas de isolamento social como formas de conter e diminuir o avanço desta pandemia. Coletivos e ativistas imigrantes sabem disso e por isso lançaram a campanha #fiquememcasa. À medida que a crise se agrava, movimentos sociais e coletivos também se organizam no esforço de ajudar famílias imigrantes neste momento de extrema vulnerabilidade.
Confira abaixo algumas das iniciativas.
Você pode colaborar também com a arrecadação de fundos para a compra de cestas básicas para famílias que trabalham em oficinas de costura. O Instituto Alinha criou uma vaquinha online para receber contribuições.
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