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Mineração em terra indígena: o que diz o anteprojeto de lei preparado por ministro do STF

Minuta apresentada por Gilmar Mendes propõe abrir territórios tradicionais à exploração econômica. Texto guarda similaridades com proposta que tramitou durante governo Bolsonaro

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Rafael Ciscati

6 min

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Foi há pouco mais de cinco anos: em 05 fevereiro de 2020, Jair Bolsonaro preparou uma comemoração do Palácio do Planalto para celebrar seus 400 primeiros dias à frente da presidência da República. Aproveitou a ocasião para dar sequência a uma de suas promessas de campanha: diante de políticos e jornalistas, assinou um projeto de lei (o PL 191/2020), proposto pelo próprio poder executivo, que abria terras indígenas à exploração mineral e à realização de outros grandes empreendimentos econômicos. “Nunca é tarde para ser feliz, 30 anos depois. Espero que esse sonho […] se concretize, porque o índio é um ser humano exatamente igual a nós”, disse o mandatário.

O texto do PL dava ao Congresso Nacional o poder de autorizar ou não a exploração econômica das TIs por não-indígenas.  Os povos afetados seriam consultados e receberiam royalties por essas atividades — mas não teriam o poder de vetá-las. 

A proposta enfrentou oposição ferrenha do movimento indígena, de ambientalistas e até da classe artística. O barulho foi tamanho, que mesmo grandes mineradoras se declararam contrárias à ideia, por  temer danos reputacionais. Na ocasião, a então deputada Joênia Wapichana (que hoje preside a Funai) disse à Brasil de Direitos que, caso fosse autorizada, a mineração levaria “morte aos povos indígenas”. 

Vieram as eleições de 2022 e o executivo federal mudou de mãos. Em março de 2023, o governo Lula pediu que o projeto parasse de tramitar. Como o texto fora proposto pela presidência da República, o pedido foi acatado, e ele saiu da pauta do Congresso. 

Parece ter ressurgido. Uma análise feita pelo jornalista Rubens Valente, da Agência Pública, mostra que trechos inteiros da proposta bolsonarista aparecem, agora, na minuta de um anteprojeto de lei apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

 

Em 2019, lideranças indígenas se reuniram com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Queriam barrar o projeto 191/2020

Em 2019, lideranças indígenas se reuniram com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Queriam barrar o projeto 191/2020

O texto de Mendes abre as TIs à mineração e a outras atividades econômicas. Propõe que os povos indígenas afetados pelos empreendimentos sejam consultados, mas não tenham poder de veto. Dos seus 94 artigos, pelo menos 20 são transcrições quase literais do PL 191/2020 e de um outro texto, proposto em 2018 pelo governo Michel Temer, mostra a análise da Pública.

O anteprojeto apresentado pelo ministro tem uma trajetória um tanto tortuosa. Ele é resultado das discussões travadas por uma comissão de conciliação que Mendes criou em abril do ano passado. O objetivo era solucionar divergência em torno da tese do Marco Temporal. 

Recapitulando: segundo essa tese jurídica, defendida por ruralistas, os povos indígenas só têm direito a reivindicar a demarcação dos territórios que ocupavam (ou pelos quais lutavam) no dia em que foi promulgada a Constituição Federal de 1988. Em 2023, o STF concluiu que a tese é inconstitucional. O Congresso Nacional discorda: naquele mesmo ano, aprovou uma lei que estabelece a data de corte. A questão foi judicializada: entidades como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) moveram processos questionando a lei. 

Em abril, Mendes suspendeu os processos que tramitavam em instâncias inferiores sobre esse tema. Convidou os autores das ações, membros do Congresso Nacional e representantes de grandes ruralistas a participar de uma Comissão de Conciliação. Essa matéria, do Instituto Socioambiental, conta os detalhes dessa história.

Pois bem: o anteprojeto de Lei Complementar recém-apresentado pelo ministro é, teoricamente, resultado das discussões travadas nessa comissão. A proposta de abrir terras indígenas à mineração, no entanto, pegou todo mundo de surpresa: o assunto não apareceu nos encontros do grupo.

“Juristas, representantes do movimento indígena, de organizações da sociedade civil, do governo e dos partidos autores das ações contra o marco temporal argumentam que Mendes deveria ter se limitado a tratar só desse tema, e que a competência para propor uma lei específica de regulamentação da mineração nas TIs é do Congresso”, escreve o ISA. 

O que acontece agora: o anteprojeto de Gilmar deve ser votado primeiro na comissão de conciliação. Se aprovado, segue para o plenário do STF e, passando dessa etapa, pode ser encaminhado para o Congresso Nacional. 

Em tempo: nessa matéria, publicada em 2022, Brasil de Direitos conversa com especialistas para entender quais as consequências de abrir terras indígenas à mineração. 

 

Para inspirar

A fotógrafa Nair Benedicto tem mais de 50 anos de carreira. São mais de cinco décadas dedicadas a registrar os povos originários — e a desnudar a relação extrativista que os humanos não-indígenas têm com a Amazônia. São famosas as imagens que ela produziu na década de 1980 em Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo. Aos 85 anos, a “fotógrafa-onça” abriu seu acervo para a equipe de Sumaúma. 

 

Para questionar

 

Capa do livro "Histórias de morte matada contadas feito morte morrida". (foto: Divulgação)

Capa do livro “Histórias de morte matada contadas feito morte morrida”. (foto: Divulgação)

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2023, cresceu o número de feminicídios registrados no Brasil. Entendido como o assassinato de mulheres por razão de gênero,ele costuma ser a etapa final de uma sequência de agressões. Isso significa que, geralmente, a mulher assassinada foi exposta a outras violências, mas não recebeu a devida proteção.

Como esses crimes são tratados pela imprensa brasileira? É esse o tema do livro Histórias de morte matada contadas feito morte morrida, de Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues. As autoras analisam notícias publicadas desde a década de 1980, e identificam uma série de vícios (e erros crassos) cometidos pela imprensa. Abordagens que resultam na revitimização da mulher agredida e na normalização da violência de gênero. São falhas que vão do uso excessivo da voz passiva (“Maria foi estuprada por João”) até a busca obsessiva pela motivação do crime (“ morreu porque não deixou o namorado espiar seu celular”).

Na newsletter Avoada, a jornalista Mariana Tavares destrincha e obra e entrevista as autoras. 

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