“Mineração levará morte aos povos indígenas” diz Joenia Wapichana
Segundo a deputada federal, possibilidade de exploração mineral em terra indígena é “gargalo” da Constituição. Parlamentar se opõe a projeto do Planalto que regulamenta a atividade
Rafael Ciscati
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Para a deputada federal Joenia Wapichana (Rede- RR), a possibilidade de regulamentar a mineração em terras indígenas — prevista na Constituição — é “um gargalo” deixado no texto constitucional. Joenia é ferrenha opositora do Projeto de Lei 191/2020. Enviado à Câmara dos Deputados pela presidência da república, o texto estabelece quais regras devem ser seguidas por mineradoras e outros empreendimentos econômicos que operarem em áreas demarcadas. Na avaliação da deputada, regulamentar essas atividades é um equívoco: “Essa não é a solução”, disse, por telefone, à Brasil de Direitos. “ O Brasil precisa encontrar alternativas econômicas que não degradem o meio ambiente. A mineração vai levar a morte para os povos indígenas”.
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Quando a Carta foi promulgada, em 1988, ficou estabelecido nos seus artigos 176 e 231 que a exploração de recursos minerais nesses territórios poderia acontecer. Mas deveria seguir regras a serem definidas no futuro. É essa a pretensão do PL 191/2020. Segundo o texto, o Congresso Nacional pode aprovar a realização de grandes empreendimentos, como a construção de hidrelétricas ou exploração de petróleo, em territórios indígenas. As populações afetadas serão consultadas e devem receber royalties por essas atividades — mas não têm poder de veto. Há exceção para os projetos de garimpo, que os povos indígenas podem desautorizar. A medida é promessa de campanha de Bolsonaro — o então deputada afirmou, em mais de uma ocasião, que abriria as terras demarcadas a exploração econômica por não indígenas: “Nunca é tarde para ser feliz, 30 anos depois. Espero que esse sonho […] se concretize, porque o índio é um ser humano exatamente igual a nós”, afirmou o presidente durante o anúncio da proposta. Na mesma ocasião, Bolsonaro disse que, caso pudesse, confinaria ambientalistas na Amazônia.
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Na avaliação de Joenia, a aprovação do texto representaria uma catástrofe: “Abrir as terras indígenas para a mineração significa decretar a morte desses povos”, afirma. “Nesses territórios as empresas encontrarão populações mais vulneráveis, por causa da ausência do Estado e de políticas públicas”. Segundo ela, a proposta é inconstitucional, porque violaria trecho do próprio artigo 231 — segundo o qual, somente os índios podem usufruir das riquezas existentes nos territórios tradicionais.
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Na terça-feira (18) Joenia e outros parlamentares membros da Frente Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas se reuniram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Participaram da conversa lideranças indígenas como Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o cacique Raoni Metuktire. O objetivo da conversa era cobrar de Maia uma promessa feita ainda em 2019: a de que evitaria a tramitação de projetos como o enviado por Bolsonaro. Joenia disse que saiu da conversa, se não despreocupada, mais aliviada: “O presidente da câmara garantiu que esse projeto não é prioridade, e que não será hostil aos povos indígenas”.
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Brasil de Direitos – Qual o saldo do encontro com Rodrigo Maia?
Joenia Wapichana – O presidente Maia deixou uma coisa bastante clara: esse é um projeto complexo, conflituoso, e que não é prioridade na casa. Há questões mais importantes, e a mineração em territórios indígenas pode trazer muitos impactos.Maia disse que “não será hostil aos povos indígenas”, e que ainda estuda a constitucionalidade dessa proposta. Foi uma sinalização reconfortante. O nosso entendimento [da Frente Parlamentar Mista pelos Direitos dos Povos Indígenas] é de que cada vez mais a gente avança num entendimento desse projeto à luz da Constituição. E, na minha avaliação, ele é completamente inconstitucional. Não deveria sequer ter sido recebido. Minha expectativa, agora, é de que Maia cumpra o que foi dito na reunião, na presença de importante lideranças indígenas, e não trate esse projeto como prioridade.
Abrir terras indígenas a exploração econômica é promessa de campanha de Bolsonaro. A questão é prioritária para o governo? Por quê?
Isso está claro para mim desde o momento em que ele se declarou candidato. Durante a campanha à presidência, [a questão indígena] era um dos carros-chefe. Bolsonaro disse que abriria as terras indígenas para mineração,e que não demarcaria nem mais um milímetro dos territórios tradicionais. O que ele sente é uma espécie de ódio constante. O presidente nunca demonstrou qualquer respeito pelos povos indígenas, e cultiva uma concepção arcaica em relação a essas populações. Arrisco dizer que ele sente prazer quando manifesta esse ódio. É lamentável que o chefe do executivo se posicione dessa forma. Propagando ódio e, inclusive, incentivando violações de direitos.
Regulamentar mineração em terras indígenas é algo previsto na Constituição. É possível regulamentar essas atividades de maneira a proteger os povos indígenas e o meio ambiente?
Essa questão é um dos gargalos que a nossa Constituição deixou. Se eu pudesse fazer uma mudança no artigo 231 [da Constituição], começaria por retirar a parte que prevê a mineração em terras indígenas. Esse trecho pode colocar a perder tudo o que a Carta fala sobre proteção aos territórios indígenas. Não acho que seja possível regulamentar essas atividades de modo a garantir proteção às populações. Apesar do que alguns dizem, regulamentar não é a solução. O Brasil precisa buscar alternativas econômicas que não envolvam violar direitos humanos, degradar o meio ambiente e levar morte para os povos indígenas. A gente conhece os danos socioambientais associados à mineração.Os efeitos dela podem ser ainda mais graves se as atividades acontecerem nas terras indígenas, onde as empresas encontrarão populações mais vulneráveis. Vulneráveis por causa da ausência do Estado, de políticas públicas, de direitos. Levar uma atividade comprovadamente danosa, perigosa e que não tem sido controlada para esses territórios é declarar a morte dos povos indígenas. Há ainda outra questão — 98% das terras indígenas no Brasil estão na Amazônia. Um bioma onde dispararam os índices de desmatamento, os casos de queimadas. Querem acabar com a Amazônia, e a mineração vai contribuir com essa destruição.
Nos últimos meses, dispararam também os casos de garimpo ilegal em territórios indígenas. Bolsonaro chegou a se reunir com garimpeiros. O governo falha em coibir esses crimes?
Falha por não colocar em prática políticas públicas que coíbam esses crimes. E falha quando o presidente e parlamentares aliados fazem declarações públicas que incentivam o garimpo em terras indígenas. Na terra Yanomami, as lideranças já denunciaram a presença de mais de 20 mil garimpeiros. Eles contaminam os rios com mercúrio e outros poluentes. O garimpo traz ameaças, ambientais e à integridade física dessas populações. O governo é responsável por essas violações quando enfraquece os órgãos de fiscalização como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e como a Fundação Nacional do Índio (Funai) — cujo sucateamento é um fato, em curso já há alguns anos. O governo enfraquece, cada vez mais, o único órgão indigenista federal.
Foto: Joenia Wapichana, o presidente da Câmara Rodrigo Maia e lideranças indígenas se reuniram no dia 18 para discurtir projeto de lei que regulamenta atividades econômicas em terras indígenas (Reprodução/ Facebook)
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