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“Nada substitui o trabalho de base”, diz Opal Tometi

Em visita ao Brasil, a cofundadora do movimento Black Lives Matter falou sobre a importância de construir mecanismo internacionais de combate ao racismo

Rafael Ciscati

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Rafael Ciscati (texto) e Airan Albino (fotos)

A ativista nigeriana-americana Opal Tometi lembra de estar em casa, em Nova York, quando soube da eleição de Jair Bolsonaro em outubro passado. Àquela altura, Tometi jamais pisara no Brasil. Acompanhava, à distância, o trabalho de ativistas e lideranças sociais brasileiras. A eleição de um líder que ela considera autoritário, ainda que a quilômetros dali, lhe causou preocupação. Sem entender exatamente o porquê, Tometi conta que chorou: “Nem eu sei porque reagi assim”, disse a ativista durante debate no último sábado, 27, em São Paulo. “Eu não chorei quando Trump foi eleito. Fiquei indignada, claro. Mas não chorei.”

Filha de imigrantes nigerianos, Tometi nasceu num subúrbio de Phoenix, nos EUA. Foi alçada à fama global em 2013, quando ela e duas amigas — as ativistas Patrisse Cullors e Alicia Garza — deram início a um movimento principiado nas redes sociais, mas que logo ganhou as ruas: o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

A mobilização pretendia chamar a atenção para a violência (sobretudo policial) a que a juventude negra americana era submetida cotidianamente: “Quando Barack Obama foi eleito, muitos acreditaram que não precisávamos mais falar sobre racismo. Era uma questão resolvida: tínhamos Obama, Beyoncé, a Oprah”, lembra Tometi. “Mas nas margens, nós sabíamos que as nossas comunidades sofriam. Nós sabíamos que estávamos sendo mortos.”

O estopim para o Black Lives Matter (BLM) foi a absolvição do segurança George Zimmerman em julho de 2013. Cerca de um ano antes, Zimmerman alvejara e matara Trayvon Martin — um adolescente negro que visitava o condomínio da noiva de seu pai, uma vizinhança multiétnica. Martin carregava um pacote de balas e uma lata de refrigerante que, segundo Zimmerman, teriam sido confundidos com uma arma: ” A absolvição de George Zimmerman, para nós, foi um ponto de virada.  Martin podia ser qualquer pessoa em nossas comunidades. E nós estávamos cansados de ser tratados como se ter a pele escura fosse o mesmo que ser uma ameaça armada”.

Seis anos depois, o escopo do BLM — e a próprio atuação de Tometi — se expandiu. Hoje, ela diz se dedicar a construir pontes entre movimentos em todo o mundo, de modo a combater o racismo e a violência contra negros. Ela própria já se definiu como uma “feminista transnacional”, o que ajuda a explicar sua reação à eleição de Bolsonaro: “Acredito que as organizações que estão nos EUA ou na Europa devem usar a visibilidade e o poder de influência sobre os organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, para pressionar por mudanças”, disse à equipe do Fundo Brasil.

>>Conheça ações apoiadas no edital do Fundo Brasil “Combatendo o racismo a partir da base”

Opal Tometi (à direita) em conversa com Neon Cunha em São Paulo

Ao longo dos anos, Tometi tentou fazer esse trabalho de diversas maneiras. Uma de suas iniciativas mais ambiciosas inclui a proposta de um fórum permanente nas Nações Unidas para discutir a luta antirracista em nível global: “Temos de nos utilizar de mecanismos internacionais para combater o racismo”, afirma. ” Queremos um fórum permanente na ONU para discutir questões importantes para pessoas de ascendência africana. Fazemos essa cobrança já há quatro ou cinco anos, e acho que estamos prestes a conseguir isso “.

Outra frente de atuação consiste em viajar o mundo conhecendo organizações locais, e facilitar o acesso delas a iniciativas semelhantes em outros países: ” O que eu quero é estreitar os laços entre as pessoas negras na diáspora”, diz. ” Precisamos construir pontes entre essas fronteiras, e precisamos entender as várias formas como o colonialismo causou danos aos países africanos e para pessoas de ascendência africana ao redor do mundo”.

Importância do trabalho de base

Foi para estreitar esses laços que Tometi veio ao Brasil a convite do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT). A intenção era conhecer, de perto, as organizações de combate ao racismo atuantes no país. Ao longo da última semana, Tometi se encontrou com representantes de movimentos sociais e lideranças políticas — como membros da Uneafro, do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI) e  com a deputada estadual Erica Malunguinho. Participou, também, da Marcha das Mulheres Negras no centro de São Paulo. Marcada para acontecer no Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latino-americana e Caribenha, a marcha integra um conjunto de mobilizações que durou o mês inteiro, o Julho das Pretas: “Vim ao Brasil nessa data intencionalmente”, diz Tometi. “Por que queria participar do Julho das Pretas. Queria demonstrar solidariedade ao que é feito aqui.”


Segundo Tometi, o BLM só ganhou fôlego global porque foi informado pelo trabalho de organizações de base como as que ela conheceu no Brasil. Seu marco de criação é uma publicação de julho de 2013: ao saber da absolvição de Zimmerman, Alicia Garza foi às redes sociais publicar o que ela chamou, depois, de “uma carta de amor à população negra”:

“Povo negro, eu amo vocês. Eu nos amo. Nossas vidas importam”, dizia o texto. Coube à Patrisse Cullors criar, nos comentários da postagem, a hashtag que ficaria famosa: #blacklivesmatter. Desde então, a hashtag foi replicada milhões de vezes. E Tometi foi uma das principais responsáveis por desenhar as estratégias digitais do grupo.

Antes disso, no entanto, ela, Cullors e Garza já atuavam em organizações sociais. Desde de 2006, Tometi faz parte da Aliança Negra para Imigração Justa (BAJI, na sigla em inglês), uma organização que trabalha na defesa de direitos de imigrantes e refugiados negros. “O BLM só deu certo porque todas nós estávamos em organizações de base e tínhamos nossas próprias redes”, afirma. Foi essa vivência que permitiu que as três ajudassem a pensar manifestações em todo o território americano: “A hashtag foi importante, mas nada substitui o trabalho de base”.

Anos depois, a eleição de Donald Trump pareceu desafiar o legado do movimento. Na semana passada, viraram manchetes declarações racistas em que o presidente americano ataca deputadas negras e latinas do partido Democrata. Tometi, no entanto, diz não estar desanimada. Para ela, o avanço de pautas progressistas causou uma espécie de contra-ataque já esperado. “A eleição de Trump foi uma resposta ao fato de que fomos à rua exigir um novo mundo”, afirma. “Em parte, sabemos que fizemos um bom trabalho porque tivemos esse tipo de reação.”

 

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