Número de vereadores negros cresce 4% nas 10 cidades com mais eleitores
Em ano com recorde de candidatos negros na disputa, avanço foi tímido. Para cientista político, partidos impõem entraves a viabilidade das candidaturas
Rafael Ciscati
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As câmaras municipais dos dez maiores colégios eleitorais do país saíram mais diversas das eleições de 2020. Dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e organizados pela Brasil de Direitos, indicam que o número total de vereadores negros e negras cresceu, se comparado ao resultado das urnas há quatro anos. O avanço geral, no entanto, foi tímido. E insuficiente para garantir que os legislativos municipais espelhassem a composição racial da população brasileira.
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As candidaturas negras bateram recordes históricos em 2020. Pela primeira vez , o número de candidatos negros superou o de brancos na disputa: pessoas negras responderam por 51% das candidaturas. No caso dos dez maiores colégios eleitorais, o avanço se repetiu no número de eleitos, mas de maneira bem menos expressiva : em 2021, 37% das cadeiras nas câmaras de vereadores dessas cidades serão ocupadas por pessoas negras. Em 2016, a última eleição municipal para a qual o TSE disponibiliza dados de raça e cor, negros foram eleitos para 35% das vagas. Entre uma eleição e outra, o grupo cresceu 4%: de 149 para 155 vereadores.
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No universo dessas dez cidades, os avanços mais expressivos, em relação ao número de vereadores que compõem as câmaras municipais, foram registrados em Porto Alegre e Salvador. A cidade baiana é aquela com maior número de negros entre vereadores eleitos: em 2021, eles vão representar 70% do legislativo municipal. Foram 30 eleitos no último domingo contra 26 há quatro anos.
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Em Porto Alegre, as cifras são mais modestas, mas a mudança teve grande peso simbólico. A capital gaúcha passou de um único negro em 2016 para cinco eleitos no último domingo.
Nesse conjunto de cidades com mais eleitores, os municípios da região Sul aparecem entre aqueles com a menor representação de negros no legislativo. Ainda assim, nesse cenário, chama atenção o caso de Curitiba. Por lá, o número de negros na Câmara dobrou, chegando a quatro vereadores eleitos — 10% do total. Em 2020, a cidade elegeu sua primeira vereadora negra: Carol Dartora, do PT.
Houve, também, alguns recuos. Caiu o número de negros na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro ( de 15 em 2016 para 14 em 2020). O mesmo aconteceu em Manaus (28 eleitos em 2016, 25 em 2020), Recife (de 12 para 10 ) e Belém ( de 20 para 19) . Em São Paulo, não houve mudança numérica: vereadores negros representam 18% do legislativo na cidade. Em 2020, a capital paulista elegeu, pela primeira vez, uma mulher trans negra para a câmara municipal: Erika Hilton, do PSOL.
Em um ano crivado por protestos antirracistas, o resultado das urnas foram recebidos como um prenúncio de mudança social. Além do aumento no número de pessoas negras, cresceu também a quantidade de mulheres eleitas. Levantamento do site Gênero e Número indica que o cenário verificado nos dez maiores colégios eleitorais se repete, em maior ou menor grau, em quase todas as capitais do país: no total, negros e negras ocuparão 44% das vagas nos legislativos desses municípios. O site não comparou a evolução entre essa e a eleição anterior.
O desempenho das candidaturas negras nessas eleições desperta especial interesse, entre vários motivos, porque, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) impôs mudanças às regras para financiamento de campanhas. Por determinação da Corte, partidos políticos deveriam distribuir os recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional entre candidatos negros e brancos . Isoladamente, no entanto, o número de eleitos ainda não permite avaliar a efetividade da medida, nem tampouco antecipar mudanças no cenário político. “O avanço é tímido, e pode ser que ele não se repita nas cidades menores” , diz o cientista político Carlos Machado, professor da Universidade de Brasília.
Há quase uma década, Machado e o colega Luiz Augusto Campos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) , tentam entender os mecanismos que dificultam — ou mesmo impedem — a eleição de candidatos e candidatas negros e negras. O conjunto dessas pesquisas foi condensado no volume Raça e Eleições no Brasil, com lançamento previsto para o final de novembro.
Os achados da dupla sugerem que há uma distribuição desigual de candidaturas negras entre os partidos. De maneira geral, elas tendem a se concentrar nas legendas de pequeno porte: justamente aqueles que têm menos acesso a recursos e que oferecem a esses candidatos piores condições para a disputa. “ Não basta ter vários candidatos negros concorrendo. É importante que esses candidatos estejam em posições que lhes permita ter acesso a recursos. O que implica, nesse caso, estar em partidos de grande porte”, explica Machado. Já nos partidos de grande porte, o grosso dos recursos costuma ser alocado naquelas candidaturas que, na avaliação dos caciques, têm maiores chances de se eleger: “São aqueles candidatos que, na visão do partido, reúnem uma série de atributos associados à figura de um representante político: são homens brancos, de uma classe social mais elevada”. O resultado é que, nessas siglas, as candidaturas negras acabam não sendo “testadas”.
Por ora, não há indicativos de que esse quadro geral tenha mudado. “Hoje, não há ainda um partido que tenha assumido a bandeira do antirracismo ” afirma. “O que há são grupos dentro dos partidos que pressionam por essas pautas, a despeito do que advogam as direções das legendas “. Para entender as mudanças em potencial antecipadas pelas eleições do último domingo, Machado sugere olhar para além dos números, e prestar mais atenção ao perfil dos eleitos : “Parece haver maior número de pessoas ligadas organicamente a movimentos sociais”, aponta.
Foto de topo: a ativista Erika Hilton, primeira mulher trans negra eleita vereadora em São Paulo (Divulgação)
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