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No Brasil, quem defende a democracia virou alvo, diz ativista

Para Elisety Veiga, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), é preciso resgatar cultura de respeito a direitos fundamentais

Maria Edhuarda Gonzaga *

6 min

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O Brasil é um dos lugares que mais mata defensoras e defensores de direitos humanos em todo o mundo. Levantamento da ONG Global Witness aponta que, em 2021, 26 defesensores foram assassinados no país. A cifra situa o Brasil na terceira posição de um ranking encabeçado por México (54 assassinatos em 2021) e Colômbia (33). Segundo a ONG, o quadro é ainda pior quando analisado o acumulado da última década: entre 2012 e 2021, o número de mortos chegou a 342, o maior registrado em todo o planeta. 

Na avaliação de Elisety Veiga, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), esse cenário de violência agudizou durante o período eleitoral de 2022. “Nesse período, quem defendia a democracia ficou exposto [ a violações]”, afirma. Aumentaram, ainda, os casos de violência contra populações tradicionais e outras comunidades que tiram seu sustento da terra, como quilombolas e pescadores artesanais. 

>>Leia também: Organizações se unem para aprimorar proteção a defensores

Percebendo o recrudescimento da violência contra militantes, especialmente contra defensores da terra e do meio ambiente, o MNDH e outras 20 organizações de defesa de direitos se uniram para criar o programa Sementes de Proteção. Mantida com financiamento da União Europeia,a iniciativa organiza pesquisas, oficinas, atividades de formação e de pressão política. A intenção é habilitar as organizações de defesa de direitos a atuar para garantir a proteção de seus ativistas — e para cobrar ações do poder público. 

O trabalho do projeto começou em 2021. Recentemente, a iniciativa lançou um documento com diversos relatos de defensores sobre as condições de vida durante o período eleitoral de 2022. O material, disponível online, reúne análises e depoimentos que lançam um olhar sobre os desafios efrentados pela democracia brasileira. “O primeiro desafio é a gente compreender que a construção da democracia no Brasil (…) passa necessariamente pelo protagonismo das entidades e movimentos sociais”, salientou Leonardo Pinho, integrante da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil, um dos entrevistados do projeto.  

>>Leia também: programa federal de proteção a defensores vive pior momento

Elisety acredita que, para reverter esse quadro, é necessário promover uma mudança cultural no país. 

Brasil de Direitos: O relatório avalia a atuação dos defensores ao longo de 2022 a partir dos depoimentos de diferentes lideranças. Quais as estratégias usadas para se proteger da violência?
Elisety:
O Movimento Nacional de Direitos Humanos mantém o projeto de apoio [aos ativistas] Sementes de Proteção, em parceria com a União Europeia e outras 20 entidades.A ideia é fomentar a pedagogia da proteção e construir redes de apoio, dando proteção no próprio território para as lideranças. Adotamos ações como a compra de câmeras ou de celular, e a instação de wi-fi para permitir a comunicação de defensores ameaçados. É uma construção que envolve análise de riscos e a adoção de medidas protetivas para aquela comunidade ou defensor. O programa governamental de defensores [Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas] não dá conta de proteger todos os defensores que são ameaçados ou vítimas de crimes. Construir essa resistência tem sido uma luta dessa rede de proteção. Falando especificamente do Pará, temos um histórico de chacinas – desde Eldorado dos Carajás, Icoaraci, Pau d`Arco –, milícias e uma quantidade muito grande de defensores inscritos no programa de proteção mantido pelo governo. Durante o período eleitoral, em 2022, registramos muitas denúncias. Se espalhou uma cultura do medo e do ódio nas localidades, principalmente por questões políticas. Uma região de muito conflito no Pará é Altamira, onde as pessoas foram muito ameaçadas por causa das disputas de terras, relacionadas à exploração de madeira ou mineração. 

A violência afetou mesmo aqueles defensores que não se envolveram diretamente na disputa partidária?
A pessoa que questiona violações de direitos e defende a democracia é uma defensora, uma lutadora pelos direitos humanos. Estando organicamente num movimento ou não, é assim que ela vai ser vista. Se ela atua em um partido político, a situação é pior. Durante o período eleitoral, quem defendia a democracia, independentemente de estar no partido ou não, ficou exposto [ à violações]. Meu marido trabalha em um shopping e, na época das eleições, havia muito assédio. Na entrada, o patrão dizia para eles: ‘se o Lula ganhar, eu já tenho 30 funcionários na lista para demitir no outro dia da eleição.’ É toda uma corrente feita para ir contra a democracia. Nas áreas indígenas é a mesma coisa que vimos com os Yanomamis. Os mundurukus, os kayapós e o jurunas vivem invasões e violência por falta de demarcação. 

A violência contra ativistas só aumenta: em 2020, o Brasil assassinou 20 ativistas, de acordo com levantameno da Global Witness. Em 2021, o número subiu para 26 vítimas. Por que isso aconteceu? 
Na Amazônia, a violência é muito associada à realização de grandes obras e projetos de infraestrutura. Em 1974, quando foi construída a usina hidrelétrica de Tucuruí, para produzir energia para a Amazônia, houve conflitos entre os indígenas, os trabalhadores rurais e quilombolas. A linha de transmissão da Eletronorte passava por áreas onde tinham povos originários. Desde lá, quando mataram Quintino, Canudos, Paulo Fonteles, na época dos grandes projetos para a região, como a Transamazônica, a violência persiste. O governo Lula terá o desafio de reestruturar o que se perdeu nos últimos quatro anos, quando foram desestruturados órgão de defesa de ativistas e os programas de reforma agrária para a região. 

Como convencer a população de que é importante defender direitos fundamentais?
Os caminhos estão em mostrar cada vez mais a necessidade da sociedade resgatar a cultura. Nós, da Amazônia, resistimos muito para que o respeito à nossa floresta e à nossa água se perpetue. Precisamos respeitar a ancestralidade, valorizar os povos originários. É possível ver como, no processo inverso, vamos deteriorando tudo isso em função do capital. Estamos perdendo porque ainda não conseguimos furar a bolha.

*Estagiária sob supervisão de Rafael Ciscati

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