No Paraná, famílias se desdobram para provar execução de jovens
Peritos contratados por parentes de pessoas mortas pela polícia contestam laudos oficiais; família recorre até a Brasília para reabrir investigações
Rede Lume de Jornalistas
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Por Nelson Bortolin, da Rede Lume de Jornalistas
Incansáveis. Assim podem ser definidas as famílias de jovens mortos em supostos confrontos com a polícia que não aceitam as versões oficiais. Elas investem tempo e dinheiro para tentar provar que seus entes queridos eram inocentes. E apontam falhas nas investigações feitas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público.
Se preciso, essas pessoas contratam peritos particulares e pagam advogados para recorrer até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no intuito de reabrir as investigações. Na série “Incansáveis” a Rede Lume de Jornalistas reconta a história de três dessas família. A Seguir, Brasil de Direitos reproduz uma delas.
O filho da servidora pública Marilene Ferraz, Davi Gregório Ferraz dos Santos, foi morto pela Polícia Militar de Londrina em junho de 2022, quando tinha apenas 15 anos. Os policiais dispararam mais de 20 tiros alegando que, durante uma abordagem, o menino empunhou um revólver. Nada menos que 15 projéteis acertaram em cheio o corpo do adolescente.
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O caso foi arquivado pela Justiça em primeira instância a pedido do Ministério Público do Paraná (MPPR), mas a família não se conformou. Recorreu primeiro ao Tribunal de Justiça (TJ) e depois a Brasília. No processo, a defesa de Davi diz tratar-se de “aberração jurídica” a PM alegar que agiu em legítima defesa, “ainda mais quando os atiradores são profissionais e a vítima é adolescente que não efetuou nenhum disparo”.
A série da rede Lume também conta o caso dos jovens Anderbal Campos Bernardo Júnior e William Jones Faramilio da Silva Junior. Suas famílias também não se conformam. Elas contrataram um perito particular ao saber que o MPPR recomendou o arquivamento do inquérito que investiga o caso. Os rapazes tinham 21 e 18 anos, respectivamente, em maio de 2022, quando foram mortos por policiais.
Em seu laudo, o perito contratado contesta a versão dos PMs de que atiraram a uma distância de cerca de três metros. Ele aponta disparo a queima roupa. Além disso, critica o exame cadavérico feito pelo Instituto Médico Legal (IML) no corpo de Anderbal: “Embora nem todos os disparos tenham sido transfixantes, o legista não descreveu, como é de regra, quais órgãos internos foram atingidos ou de onde foram coletados os projéteis para remessa à Balística Forense.”
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O perito oficial que esteve no local das mortes não teve acesso às armas que estavam com os jovens, segundo a PM. Elas só foram entregues à Polícia Civil mais de três horas após a ocorrência.
A Rede Lume também ouviu o mestre de obras Claudmir Ferreira do Nascimento. Seu filho Willian Lucas Souza Nascimento foi morto pela Polícia Militar na cidade de Ponta Grossa em abril de 2021. O inquérito policial que apura o caso tramita a passos lentos. Nascimento também recorreu a perito particular para mostrar que a arma e o carregador entregues pela PM como tendo sido usados por Willian são incompatíveis um com o outro.
A reportagem procurou a Secretaria do Estado da Segurança Pública e o Ministério Público Estadual para ouvi-los a respeito das reclamações dos familiares citados nesta reportagem, mas nenhum dos órgãos se manifestou.
A seguir, conheça a história de Davi Gregório dos Santos. Para ler as demais, acesse o site da Rede Lume.
MPF recomenda reabrir caso de menino morto pela PM
Davi Gregório Ferraz dos Santos foi morto pela Polícia Militar quando tinha apenas 15 anos. A abordagem ocorreu na região central de Londrina, dia 15 de junho de 2022. Apesar do protesto da família, o inquérito foi arquivado seis meses depois. O pai e a mãe do menino não aceitam a decisão e recorreram à Justiça com mandado de segurança.
O caso encontra-se no Superior Tribunal de Justiça (STJ) aguardando julgamento, sendo que o Ministério Público Federal recomendou a reabertura das investigações e a denúncia dos policiais. A luta dos pais de Davi para provar a inocência dos filhos é uma das retratadas na série Incansáveis, publicada esta semana pela Rede Lume.
A história de Davi é chocante não só pela idade que ele tinha, mas pela violência empregada. A PM, como nas demais situações, alega que o garoto sacou uma arma ao ser abordado. E, por isso, foi preciso atirar em legítima defesa. Dos mais de 20 tiros disparados, 15 atingiram e destroçaram o corpo do menino. Do revólver que ele supostamente portava, não saiu nenhum projétil.
A versão da PM é a seguinte: o Choque havia saído para averiguar uma casa onde haveria tráfico de drogas. Ao chegar ao local, segundo o Boletim de Ocorrência, os agentes encontram dois “elementos” no portão, que correram para dentro do imóvel. Um conseguiu fugir pelos fundos e o outro entrou na residência.
Os PMs abordaram Davi na sala da casa e ele estaria com uma arma em punho. Por isso, o mataram. As fotos da Polícia Científica mostram o corpo do menino no chão e uma quantidade enorme de sangue ao redor. O revólver, que estaria com ele, não aparece nas imagens porque só foi entregue pela PM ao perito em momento posterior sem nenhuma gota de sangue.
“Não há menção, no próprio laudo, tão pouco naquele que afere a prestabilidade da arma de fogo, acerca da presença de sujidades”, escreveu a defesa do menino no mandado de segurança.
A defesa e a família consideram que os laudos mostram com clareza que Davi não estava armado.
O advogado lembra que o artigo 25 do Código Penal diz: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
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A defesa acrescenta que considerar o caso como de legítima defesa, como atestaram os PMs e concordaram o Ministério Público e o juiz de primeira instância, é uma “aberração jurídica”, “ainda mais quando os atiradores são profissionais e a vítima é adolescente que não efetuou nenhum disparo”.
No recurso, a defesa também ressalta que dois policiais se contradisseram em depoimentos prestados durante o inquérito. Um disse que Davi sacou a arma ao ouvir a ordem para colocar as mãos na cabeça. O outro afirmou que o menino já estava com a arma em punho.
O advogado pede aos magistrados que “não sejam ingênuos como as instâncias ordinárias que aceitam tudo que a PM coloca no papel, por mais absurdo que seja”.
Histórico do caso
O inquérito policial sobre a morte de Davi Gregório foi arquivado pela Justiça a pedido do MP no dia 21 de novembro de 2022. Em março de 2023, a família impetrou mandado de segurança no Tribunal de Justiça, em Curitiba. Em segunda instância, o Ministério Público Estadual entendeu que o caso deveria ser reaberto. Dois desembargadores do TJ concordaram, mas prevaleceu a tese de um terceiro, segundo a qual a decisão deveria ser tomada por instância superior.
Quando o caso chegou a Brasília, o Ministério Público Federal também pediu o desarquivamento e a denúncia dos policiais envolvidos no caso. O processo encontra-se na 5ª Câmara do STJ aguardando julgamento.
Dor de mãe
“Anjinho de 15 anos enfrenta a Choque e vai debutar em outro lugar”. Foi essa a frase que a mãe do menino, a servidora pública Marilene Ferraz da Silva Santos ouviu de um apresentador de programa policial na TV no dia seguinte à morte do filho.
“Dói demais. Além de perder o filho, ver ele ser tratado como bandido pela mídia. Davi não era um criminoso, não tinha passagem pela polícia”, desabafa.
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