O massacre de Paraisópolis e as investidas do racismo estrutural
A cada avanço, a sociedade racista tenta nos remeter à senzala. Mas o povo negro resiste. Somos semente.
Maria Teresa Ferreira
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por Maria Teresa Ferreira – do Momunes
No último domingo, 1º, nove jovens foram mortos e outros 12 ficaram feridos no bairro de Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Celebravam a vida num aquilombamento funkeiro, som que traduz as aspirações e as revoltas do cotidiano de uma juventude exposta a violência e a ausência de perspectivas. Eram, na maioria, negros, e tinham encontrado em ritmos como o funk e o Hip Hop seu lugar de fala e protesto.
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Cerca de uma semana antes, o rapper Emicida lançou seu novo álbum, AmarElo, durante um show no Theatro Municipal de São Paulo. O teatro lotou para ouvir um homem negro cantar. Com uma semana de distância entre uma e outra, essas noticias parecem contar histórias de dois países distintos. Entre avanços e retrocessos, são histórias de um só Brasil.
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No Brasil, o uso da força contra as chamadas “minorias sociais” conta com a conivência da sociedade. O país vive um de seus piores momentos em anos recentes. E, na mira do governo autoritário que se instalou, está o povo negro. Esse quadro geral é fruto de mais de 338 anos de escravidão. É reflexo de uma sociedade estruturada pelo racismo. A cada novo fôlego que tomamos, a cada avanço conquistado (a cada negro que ousa se apresentar no Municipal), essa sociedade nos remete aos castigos das senzalas.
Esse conflito entre o Brasil que avança e o Brasil que nos mata é explicitado por uma série de acontecimentos. Quando o IBGE aponta que negros ocupam 53% das vagas das universidades publicas pela primeira vez — fruto maduro da árvore das ações afirmativas, as cotas — o governo nomeia Sérgio Nascimento de Camargo como novo presidente da Fundação Palmares.
No momento em que o Sistema de Segurança Pública é criticado pela população, por causa das abordagens violentas ou do envolvimento em crimes de corrupção e assassinato, a atriz Cacau Protásio sofre ataques racistas vindos direto do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, uma Força Auxiliar e Reserva do Exército Brasileiro.
No ano em que a Feira Literária Internacional de Paraty tem na lista dos seus cinco livros mais vendidos títulos escritos por mulheres negras, a organização do festival anuncia que Elizabeth Bishop (uma poeta americana e branca) será a homenageada da feira em 2020.
A Coalizão Negra por Direitos, reunião de entidades do movimento negro de todo o país para a incidência política no Congresso Nacional e em fóruns internacionais, esteve reunida em São Paulo nos dias 29 e 30 de novembro. Na mesa de abertura Edson Cardoso, do Irohin, organização da Bahia, disse: “Nós somos um milagre que ,mesmo com as condições dadas, somos a maioria da população.Temos uma intelectualidade que pensa um projeto para essa nação. Nós somos a experiência humana mais antiga da face da terra!”
O status quo racista e estruturado nas instituições e nas pessoas nutre a ilusão de que em algum momento não mais nos levantaremos. Alimentam a doce sensação de que o abatimento de nossas almas cegará os nossos sentidos e desistiremos da vida. Contudo, Olhos D’Água de Conceição Evaristo nos diz: “A gente combinamos de não morrer.”
Escrevo esse texto ao ouvir notícias do massacre de Paraisópolis. Ao final do Mês da Consciência Negra, sangro especialmente hoje. Mas me levanto com a força de Zumbi e Dandara ancestrais, que dão vida e continuidade as tantas possibilidades de lutar e existir. Reverbero, na minha escrita, nossa gana por liberdade e justiça. Celebro iniciativas periféricas como o Sarau das Pretas, a Marcha da Mulheres Negras e a Aparelha Luzia.
Minha mãe diz que aprendemos por repetição, então mil vivas a Marielle Franco que nos lembra sempre: nós somos sementes.
Foto: Mídia Ninja
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