O que é LGBTfobia? Conheça os números do fenômeno no Brasil
O Brasil desponta como um dos países que mais matam pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo. A violência, letal ou não, afeta cada grupo representado na sigla
Maria Edhuarda Gonzaga *
7 min
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No ano de 2022, uma pessoa LGBTQIA+ foi morta a cada 32 horas no Brasil. Os dados são do Dossiê Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, coordenado pelas organizações Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra); e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Bissexuais (Abglt). Foram 273 mortes, 228 assassinatos. As maiores vítimas foram as mulheres transsexuais, travestis e os homens gays.
A violência contra pessoas da comunidade LGBTQIA+ é constante. De acordo com a equipe que produziu o Dossiê, os número atuais situam o Brasil no topo do ranking entre as nações que mais matam pessoas LGBTQIA+ em todo o planeta.
>>LEIA TAMBÉM: Resistência do Judiciário prejudica punição à LGBTfobia no Brasil
Trata-se de um cenário que se manteve ao longo dos últimos anos:
O cenário não é favorável e as conquistas de direitos dessa comunidade são recentes. A título de exemplo, faz apenas 33 anos que a homossexualidade não é mais considerada doença pela Organização Mundial de Saúde. Além disso, ainda existem países que criminalizam ser homossexual.
Todas essas violações e restrições de direitos são reflexo de um fenômeno conhecido como LGBTfobia.
O que é LGBTfobia
Anos atrás, o termo “homofobia” se popularizou para caracterizar situações de violência física, social ou até mesmo institucional enfrentadas por homens gays e mulheres lésbicas, tendo em vista esse panorama discriminatório. No entanto, a população LGBTQIA+ ampliou o seu significado de forma que todas as identidades e orientações sexuais da sigla fossem contempladas ao analisarem a problemática do preconceito.
A LGBTfobia, portanto, é a discriminação contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e qualquer um que tenha orientação sexual ou identidade de gênero destoantes da heterossexualidade. O termo é um guarda-chuva, ou seja, abrange todos que não performam ou não se identificam com seu gênero de nascença e, por isso, são oprimidos.
Muitas vezes, o preconceito e o ódio contra essas pessoas assume a forma da violência letal. É o que o dossiê, de que falamos no começo desse texto, demonstra. Mas a LGBTfobia pode ser, na superfície, mais sutil: ela se manifesta na forma de piadas que estigmatizam essa população, por exemplo. Ou na resistência demonstrada por empresas a contratar, e promover, pessoas transexuais.
A criminalização da LGBTfobia no Brasil
Desde 2019, a LGBTfobia é considerada crime no Brasil. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, na ausência de uma legislação específica para tratar do fenômeno, o crime da LGBTfobia deveria ser equiparado ao crime de racismo.
A pauta era uma demanda antiga de setores do movimento LGBTQIA+. A primeira grande campanha a tratar do tema surgiu em 1982, idealizada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). Na ocasião, o GGB organizou um abaixo-assinado reivindicando a medida, e cobrando que a homossexualidade deixasse de ser considerada uma doença. A campanha reuniu 16 mil apoiadores. “Um feito importante para a época, quando não havia internet”, contou o antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB, à Brasil de Direitos em 2020, quando a decisão do STF completou um ano. A pressão pretendia estimular a criação de uma lei para tratar do assunto. “Embora mentalidades não se mudem por decreto, as leis ajudam as pessoas, pedagogicamente, a abandonar opiniões preconceituosas”.
>>LEIA TAMBÉM: barreiras impostas pelo Estado prejudicam punição à LGBTfobia, avalia estudo
Ao longo dos anos, no entanto, a pauta avançou pouco no legislativo federal. A alternativa encontrada pelos movimentos sociais foi recorrer ao judiciário. Passados quase quatro anos desde a decisão do STF, no entanto, há sinais de que a medida foi insuficiente. Pesquisas produzidas desde então sugerem que uma sequência de barreiras e lacunas institucionais (como, por exemplo, a LGBTfobia arraigada do sistema de Justiça) parecem impedir que a decisão seja efetivamente aplicada. Um levantamento publicado em 2021 pelo Instituto Matizes e pela organização All Out identificou 34 obstáculos impostos por instituições do Estado que dificultam a realização de denúncias e a punição de agressores. As dificuldades variam: vão desde juízes que discordam da decisão do STF; até as formas discriminatórias como vítimas de LGBTIfobia são atendidas em delegacias de polícia.
História do dia internacional do Orgulho LGBTQIA+
No dia 28 de junho comemora-se o “Orgulho LGBTQIA+”. A celebração estende-se por todo o mês com manifestações públicas de afeto e afirmação de direitos. Exemplo disso é a tradicional Parada do Orgulho LGBTQIA+ na Avenida Paulista, evento promovido pela prefeitura de São Paulo desde 1997.
Embora seja um momento de festividades, a data foi criada com um objetivo específico: colocar luz sobre o preconceito vivido pelos que não se encaixam no modelo heterossexual, dominante na sociedade. Sua origem, inclusive, remonta à data da Revolta de Stonewall, conflito policial que envolveu a comunidade LGBT dos Estados Unidos, em 1969.
A onda de protestos, que duraria seis dias, começou com a invasão violenta da polícia americana no bar Stonewall Inn. O lugar era um dos poucos estabelecimentos seguros para a livre expressão de homossexuais e travestis, perseguidos e criminalizados por questões religiosas e/ou morais e em razão das suas vestimentas e trejeitos.
O público presente reagiu com provocações, violência e arremessou objetos, se opondo às sanções legais que sofriam na época. As manifestações tiveram forte protagonismo de travestis negras e latinas, como Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, lideranças da comunidade de drag queens nova-iorquinas. A marcha do “Dia da Libertação da Rua Cristopher”, desenrolou-se no ano seguinte, na mesma data e local do confronto, e ficou conhecida como a primeira “Parada LGBT”
Tipos de LGBTfobia
O que é homofobia:
Apesar de fazer referência ao preconceito contra homossexuais no geral, ou seja, mulheres lésbicas e homens gays, o termo ficou muito conhecido por se referir, com mais frequência, ao segundo grupo. A discriminação contra homens gays pode acontecer através de violências físicas e verbais. Os dados mais recentes do Dossiê de Mortes e Violências Contra LGBTI+ no Brasil mostra que eles são o segundo grupo da comunidade a ter mais mortes por assassinato.
Além disso, palavras de intimidação, ameaça ou constrangimento nos ambientes de socialização também são frequentes.
O que é lesbofobia
É o preconceito contra mulheres lésbicas. Se manifesta predominantemente nos insultos verbais, palavras de intimidação e até expressões e cantigas populares. Olhares de estranhamento por não usar vestimentas de acordo com o gênero feminino ou invasões de espaço pessoal acompanhados de pedidos de comprovação da homossexualidade também são formas veladas de lesbofobia.
O que é bifobia
Geralmente se manifesta em dois contextos diferentes. O primeiro é a invalidação da sexualidade dos bissexuais amparado na crença de que eles só podem gostar de um único gênero. Isso se manifesta no receio, dentro e fora das relações amorosas, de que essas pessoas não seriam capazes de se manterem em um relacionamento ou até mesmo de serem monogâmicas.
A segunda maneira de bifobia é, na verdade, a homofobia, ou seja, o preconceito contra relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.
O que é transfobia
É a discriminação contra pessoas travestis e transsexuais. Os índices de violência física e morte violenta contra elas são os maiores. 60% dos assassinatos dentro da comunidade LGBTQIA+ são de pessoas desse grupo, sendo que as mulheres transsexuais e travestis negras são as mais afetadas.
Além das agressões, muitos transexuais enfrentam a recusa no mercado de trabalho, justamente por não se encaixarem nos padrões de gênero, identidade e sexualidade impostos socialmente. A falta de acolhimento em outras pautas dos movimentos sociais e a distorção no campo político de suas reivindicações também são comuns.
*Estagiária, sob supervisão de Rafael Ciscati
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