O que é racismo? E racismo estrutural? Entenda
A escravidão no Brasil durou mais de 300 anos. O resultado disso é que, até hoje, a sociedade brasileira está assentada em bases racistas. Entenda o que é racismo estrutural, e quais as consequências do fenômeno
Maria Teresa Ferreira
7 min
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Para entender do que se trata o racismo estrutural, é preciso dar um passo atrás. Entender, antes de tudo, o que é racismo — e o lugar que ele ocupa na formação da sociedade brasileira. Pois bem:
O que é Racismo?
Primeiro, é importante lembrar que, do ponto de vista biológico, não existem “raças humanas”. A ideia de raça foi socialmente construída: é uma poderosa invenção criada para justificar o domínio de um grupo de pessoas por outro.
Até o início do século XVI, o termo “raça” — no que diz respeito aos humanos — era pouco utilizado na Europa. E tinha sentidos diferentes daqueles que conhecemos hoje. O historiador americano David E. Roeger explica que, mesmo naquela época, as pessoas falavam em “raças” humanas para se referir a grupos que partilhavam características comuns.
A mudança fundamental é que, ao longo do século XVI, construiu-se a ideia de que havia grupos humanos superiores. Essa ideia, diz ele, ganharia fôlego com o trabalho de alguns filósofos iluministas do século XVII, e seria usada como justificativa para colonizar povos africanos. Em suma, o racismo foi inventado como uma desculpa para justificar a escravização de pessoas negras.
Heranças da escravidão no Brasil
O Brasil carrega uma história de 300 anos de escravidão. Dentre os países da América, o nosso foi o último a abolir a escravidão negra formalmente, em 1888.
Depois de mais de três séculos, ficou enraizado no inconsciente coletivo da sociedade brasileira um pensamento que marginaliza as pessoas negras, as impede de se constituírem como cidadãs plenas.
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Esse impedimento está expresso em números: pretos e pardos representam 56% da população. Mesmo assim, são minoria nos espaços de decisão: ocupam pouco mais de 29% dos cargos de gerência nas empresas brasileiras. Entre os mais pobres, os negros são muitos: dentre os 10% dos brasileiros com menor renda familiar mensal, 75% são negros. Entre os que morrem, eles são maioria: uma pessoa negra tem 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio que uma pessoa branca.
Isso posto, vamos adiante:
O que é racismo estrutural?
Vamos pensar nos materiais usados para a construção de uma casa. São necessários cimento, vergalhões, tijolos, areia e água para a construção do alicerce. Ao subir os vergalhões, os tijolos são sobrepostos um ao outro, fixados sobre camadas de cimento. Isso dará sustentação a toda construção.
Conseguiu imaginar a construção desse alicerce? E o que essa história toda tem a ver com a definição de racismo?
Na construção da sociedade brasileira, o racismo é o cimento. Ele é o elemento que sustenta a estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira.
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Dizemos que o racismo brasileiro é estrutural porque toda a nossa sociedade se formou assentada em bases racistas. Por aqui, esse fenômeno é tão naturalizado que chega a constituir o funcionamento normal da sociedade.
O professor Silvio Almeida, ex-ministro dos Direitos Humanos, explica que, quando a sociedade brasileira funciona dentro da sua normalidade, o resultado é o racismo.
A naturalização do preconceito racial na sociedade brasileira
Isso significa que, no cotidiano dos brasileiros, estão naturalizados hábitos, situações, falas e pensamentos que já fazem parte da vida cotidiana do povo brasileiro, e que promovem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Um processo que atinge tão duramente — e diariamente — a população negra.
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No cotidiano da sociedade brasileira estão normalizadas frases e atitudes de cunho racista e preconceituoso. São piadas que associam negros e indígenas a situações vexatórias, degradantes ou criminosas. Ou atitudes baseadas em preconceitos, como desconfiar da índole de alguém pela cor de sua pele.
Outra forma comum de racismo é a adoção de eufemismos para fazer referência a negros ou pretos, como as palavras “moreno” e “pessoa de cor”. Essa atitude evidencia um desconforto das pessoas, em geral, ao utilizar as palavras “negro” ou “preto” pelo estigma social que a população negra recebeu ao longo dos anos.
Essas ações reverberam nas instituições públicas e privadas como no mercado de trabalho, por exemplo – em que pessoas negras ocupam, mais frequentemente, posições subalternas.
Têm reflexo, também, no Estado e nas leis que alimentam a exclusão da população negra. Elas se materializam, por exemplo, na ausência de políticas públicas que possam promover melhores condições de vida a esses grupos étnicos.
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Por que essa discussão importa?
As questões raciais são estruturantes porque fazem parte da construção das nossas sociedades. As subjetividades que nos compõem — os nossos preconceitos, por exemplo — acabam construindo as relações sociais que estabelecemos. E essas relações estão impregnadas de uma construção histórica equivocada, que mantém a população negra em posição de subalternidade.
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Como explica Silvio Almeida, autor de “O que é racismo estrutural”, longe de ser uma anomalia, o racismo é “o normal”: “Independentemente de aceitarmos o racismo ou não, ele constitui as relações no seu padrão de normalidade”.
Esse equívoco de narrativa resulta na desvalorização da cultura, intelecto e história da população negra. Mina suas potencialidades e, principalmente, aumenta o abismo criado por desigualdades sociais, políticas e econômicas.
É um problema evidenciado pelas estatísticas. No Brasil, pessoas negras são mortas com mais frequência que pessoas não negras: os negros representam 75% das vítimas de homicídio, segundo o Atlas da Violência de 2019.
São maioria, também, em meio à camada mais pobre da população: dos 10% de brasileiros mais pobres, 75% são negros, segundo o IBGE.
Para falar sobre os efeitos do racismo na sociedade brasileira é preciso encará-lo como um fenômeno essencialmente transversal:
- É preciso entender que ele forma uma teia de violências que afeta jovens, homens e mulheres encarceradas e encarcerados;
- Que define os mecanismos que regem o tráfico de mulheres e meninas;
- Que afeta a vida da população LGBTQI+, da população quilombola e ribeirinha; e
- Que explica o preconceito contra as religiões de matriz africana, ameaçando seu direito de existir.
Como acabar com o racismo?
A filósofa negra estadunidense Angela Davis disse, certa vez, que numa sociedade como a nossa, não basta não sermos racistas: é preciso sermos anti-racistas.
Isso significa que, frente à naturalização do racismo, devemos combatê-lo ativamente, ou seja, com ações afirmativas.
Esse é um compromisso diário, e que se expressa de diferentes formas:
- Na cobrança de políticas públicas que combatam a exclusão da população negra; na valorização do conhecimento gerado por intelectuais negros;
- Na valorização da beleza da negritude. E
- Na compreensão urgente de que a luta antirracista não pode ser exclusiva da população negra.
Ela cabe a todos e todas, e é essencial para a construção de sociedades justas e democráticas.
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