Para ter transição justa, Brasil precisa proteger territórios tradicionais
Durante debate em São Paulo, lideranças defenderam modo de vida de povos tradicionais como saída para crise do clima
Maria Edhuarda Gonzaga *
7 min
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foto de topo: Divulgação/ Airan Albino/ Fundo Brasil
Chuvas torrenciais no Sul, seca no Norte. Nos últimos meses, temperaturas extremas no Brasil fizeram as conversas sobre a crise climática crescerem em popularidade e urgência. Se quiser fazer uma transição eficiente para um modelo econômico que emita menos gases de efeito estufa, como o carbônico, o Brasil terá de aprender a defender, e a respeitar, os territórios ocupados por populações tradicionais, como indígenas e quilombolas. “A realização da transição justa começa com o governo, em primeiro lugar, reparando tudo que fizeram conosco na escravidão”, apontou Hilário Moraes, liderança quilombola do Pará, durante o painel Mudanças climáticas e trabalho digno: reflexões sobre transição justa a partir da base.
O evento foi realizado pelo Labora, fundo de apoio ao trabalho digno da fundação Fundo Brasil de Direitos Humanos no último dia 05 de outubro. Reuniu lideranças de todo o país para discutir o tema da transição justa. Em comum, os debatedores apontaram a necessidade de garantir a proteção ao território.
Além de Hilário, que é articulador da Malungu – uma coordenação de comunidades quilombolas do Pará – participaram da conversa Val Terena, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); Dandara Rudsan, assessora de projetos da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas; Jade Percassi, integrante do Coletivo Nacional de Cultura do MST; e Miriam Cabreira, do Sindipetro. A mediação coube a Fátima Mello, representante da Fundação Ford e do Fundo Labora.
Segundo o último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), quase 78% dos conflitos ocorridos no Brasil em 2022 foram pela terra. Na avaliação de Hilário, a proteção do território é uma forma de preservar os saberes do seu povo e também um modo de manter a floresta viva. “Queremos ser pagos e muito bem pagos pelo serviço ambiental que prestamos por mais de 500 anos nesse país.”
Val Terena conta que o projeto precisa se popularizar primeiro, antes que as comunidades aceitem ofertas das indústrias. Apesar de se mostrar aberta a possibilidade, ela reforça a importância de dar protagonismo às lideranças, uma vez que elas conhecem as melhores formas de se desenvolver. “Temos que tornar a discussão mais ampla e levá-la para dentro das comunidades. Ela não pode ser feita a portas fechadas somente com empresários. Precisamos levar para as lideranças para que elas digam se isso será benéfico para o território. Tem povos indígenas que ainda não sabem das possibilidades [do mercado de carbono].”
Dandara Rudsan, da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, pontuou que os movimentos sociais estavam, na verdade, resistindo a transição justa da maneira como está sendo conduzisa. “Para nós, é impossível capitalismo e economia limpa conviverem no mesmo lugar. E o conceito de transição justa foi parido pela academia, que é uma estrutura capitalista e branca. Para nós, o campo sempre teve uma economia justa. O capitalismo nos abarca dentro da sua estrutura, precariza nossos meios de vida e agora nos diz que precisamos transitar para uma economia mais justa.”
Para ela, a transição justa passa necessariamente pelo resgate das maneiras de sobrevivência dos povos tradicionais e das comunidades familiares. Além de refazer a teoria como está sendo debatida, Dandara acredita ser fundamental buscar objetivos que se alinhem entre as organizações. “Precisamos achar um ponto que nos une, porque nós nos reproduzimos de maneira individual, mas resistimos coletivamente. Temos que tirar da cabeça a ideia de que estamos disputando narrativas entre nós e caminhar juntos.”
A união entre movimentos sociais pela defesa do território passa pelo tema da agroecologia, como defende Jade Percassi, integrante do Coletivo Nacional de Cultura do MST. “É a construção de um pensamento estratégico sobre algo que é estrutural. Os camponeses que se reorganizaram pós ditadura militar estão dizendo sobre a importância de garantir a terra há 40 anos, os petroleiros há 70 anos, os indígenas há 200 e os quilombolas há 500. A transição justa para nós passa pelo processo de pensar um outro paradigma de desenvolvimento, que inclui as demarcações, a reforma agrária e o tipo de alimentos que produzimos no nosso país.”
Essa reivindicação tem um cenário conflitante no Brasil, em específico. Segundo o último levantamento da Business and Human Rights Resources, o país ocupa o primeiro lugar no ranking das nações mais perigosas do mundo para ativistas ambientais e dos direitos humanos. O relatório colheu registros de agressões a defensores que iam de encontro a projetos empresariais e corporativos. Foram listados 63 ataques que se manifestaram em assédio judicial, campanhas de difamação, ameaças de morte, violência física e até assassinato.
A educadora sugere, então, que a transição justa pense em um processo redistributivo de renda e alimentação unido à educação popular. “O bom e velho trabalho de base”. A erradicação da fome e a comida sem veneno, para ela, é “uma disputa com nossos corpos contra a crise climática porque estamos nos contrapondo ao modelo de desenvolvimento do campo imposto pelo agronegócio que está causando tudo isso.”
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