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Plataforma reúne relatos de tortura nas prisões do DF

No último mês, site recebeu pelo menos 259 novas denúncias. Organizações de defesa de direitos cobram medidas para coibir violência no cárcere

Rafael Ciscati

5 min

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Comida estragada, celas superlotadas, agressões físicas – no ar desde novembro de 2022, a plataforma DF sem tortura já contabiliza 356 denúncias de violações de direitos humanos ocorridas no sistema penitenciário do Distrito Federal. Na sua maioria, são casos relatados por familiares de pessoas encarceradas, que enviam suas histórias anonimamente por meio de um formulário online. “[Os presos ] estão passando fome, tendo que comer casca da banana para sobreviver “, conta uma das denúncias enviadas à plataforma e tornada pública pela equipe do projeto. “Estão matando [as pessoas] aos poucos”. 

O site é mantido por uma coalizão de organizações de defesa de direitos. O grupo é liderado pelo Instituto Prios, pelo Instituto Veredas, e pelos conselhos regionais de Psicologia e de Serviço Social do Distrito Federal – com apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF. 

A ambição do projeto é reunir evidências que permitam amparar a formulação de políticas públicas. E, futuramente, acompanhar as providências tomadas pelo poder público para sanar os problemas relatados. “Num primeiro momento, queremos trazer visibilidade para essa pauta. Fazer relatórios periódicos que amparem nossa incidência junto a órgãos do Estado”, explica Luciana Garcia, do Instituto Prios.  “Mais a frente, queremos ter estrutura para acompanhar cada caso individualmente”. 

Os relatos anônimos podem ser lidos no site. Seu número cresce em ritmo acelerado – no dia 21 de março, há pouco mais de um mês, eram 97. No conjunto, são recorrentes as histórias que tratam da alimentação inadequada oferecida à população carcerária. Repetem-se, também, os casos em que familiares de presos – inclusive crianças – são constrangidos ao visitar a penitenciária. “Eu levei minha filha para visitar o tio dela e ela ficou muito constrangida por ter que passar pelo scaner e ter quer ser apalpada pela agente penal dentro de uma sala.  Isso é uma falta de respeito com os familiares”, informa uma denunciante. 

Luciana conta que os 356 casos publicados representam somente uma parcela do total de denúncias recebidas pelo projeto: antes de ser tornada pública, a denúncia é filtrada, para não revelar detalhes que permitam identificar a pessoa que sofreu as agressões. 

O material reunido no site já amparou a formulação de uma lista de demandas, propostas pelas organizações e por familiares de presos para combater a ocorrência de torturas nas prisões. O documento foi lido no final de março, durante uma audiência pública realizada na Câmara Distrital do DF. 

A lista completa de recomendações pode ser lida no instagram do Instituto Prios. 

As organizações cobram, por exemplo, que sejam criadas condições adequadas para que familiares de presos visitem as penitenciárias. A medida é benéfica para a ressocialização da pessoa encarcerada, uma vez que permite que ela mantenha vínculos com conhecidos fora da prisão. 

Propõem também a instalação de câmeras nos presídios e nas fardas dos policiais. A ideia vem na esteira de experiências semelhantes, em que câmaras corporais foram adicionadas às fardas de PMs. Em São Paulo, por exemplo, as câmeras corporais são associadas a uma redução nas ocorrências de violência policial. “No caso dos policiais penais, a implementação é mais simples, uma vez que o número de agentes é menor, e o ambiente é mais controlado”, defende Luciana. 

Ela explica que a proposta é importante para monitorar a conduta dos agentes, e coibir agressões recorrentes no cárcere. Violências que, muitas vezes,  o senso comum não interpreta como formas de tortura. “Recebemos denúncias de situações em que policiais penais usaram spray de pimenta em uma cela com mais de 20 presos”, diz Luciana. “Existe um senso comum muito ruim de que o uso de armamento não letal, tapa, soco ,chute, não é tortura. É tortura sim”. 

Ela faz a ressalva de que, para ser efetiva, a instalação das câmeras precisa vir acompanhada por um processo de monitoramento das imagens. “É preciso definir como serão tratados os casos de violência flagrados”, afirma. “ A câmera, sozinha, não basta”. 

Militarização das penitenciárias

Luciana defende que as medidas são importantes em um momento de fragilização das políticas de combate a violações no cárcere. “Nos últimos quatro anos, os canais de denúncia foram inviabilizados”, conta. O caso mais emblemático desse processo de fragilização foi o enfraquecimento do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura. 

Criado em 2007, o Mecanismo se tornou um dos principais órgãos anti-tortura do país. Tradicionalmente, se encarrega de fazer inspeções a unidades prisionais, locais de acolhimento de crianças e idosos, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e unidades de cumprimento de medidas socioeducativas. Em 2019, um decreto editado pelo então presidente Jair Bolsonaro cortou os salários dos 11 peritos que compunham o órgão. A medida foi revertida por uma decisão liminar da justiça – mas, nos anos seguintes, os membros do mecanismo relataram tentativas de cerceamento ao seu trabalho. “Esperamos que, nesse novo governo, essa tendência se reverta”, diz Luciana. 

Outro fenômeno preocupante, conta ela, é o da militarização do cotidiano das penitenciárias. Em 2019, uma emenda constitucional transformou os agentes penitenciários em policiais penais. A alteração ampliou suas atribuições: os agentes foram autorizados a investigar fugas e a prender pessoas que cumpram pena em regime aberto, caso elas infrinjam medidas cautelares. Na avaliação de Luciana, a alteração foi prejudicial. “Os agentes já se comportavam como policiais militares, e não como servidores públicos responsáveis pela ressocialização das pessoas encarceradas”, diz ela. “Hoje, isso está pacificado, porque eles passaram a ser policiais”.

Foto de topo: Fundo Brasil/ Luisa Cytrynowicz – Pastoral Carcerária Nacional

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