Brasil de Direitos
Tamanho de fonte
A A A A

Política de drogas: o que está em jogo na PEC 45, aprovada no Senado

Senado aprovou, no dia 16, proposta que torna crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga. Texto segue para a Câmara. Um em cada cinco brasileiros pode ser criminalizado

Rede Justiça Criminal

7 min

Imagem ilustrativa

Navegue por tópicos

Na terça-feira, 16, o Senado aprovou a PEC 45/2023, um Projeto de Emenda à Constituição que visa criminalizar integralmente a posse de “entorpecentes e similares”, independente da quantidade. Em um país onde milhões de pessoas fazem ou já fizeram uso de maconha, isso significa que, de uma hora pra outra, 1 em cada 5 brasileiros pode ser criminalizado, e em alguns casos até correr o risco de ser presos. Os riscos são especialmente maiores para pessoas negras e comunidades pobres.

É inadmissível que em um momento em que o mundo está adotando políticas de drogas centradas na redução de danos, justiça e direitos, o  Senado brasileiro aprove uma medida que vai contra essa tendência. Cerca de 60 países já endossaram uma declaração da ONU pedindo por políticas de drogas centradas na redução de danos, justiça e direitos, reconhecendo os impactos negativos que as abordagens repressivas trazem para a sociedade.

>>Leia também: ao legalizar venda de maconha, Brasil pode reparar injustiças, diz advogado

A Rede Justiça Criminal explica, abaixo, como tem funcionado a política de drogas no país e quais impactos a aprovação da PEC 45 pode ter

Por que o Senado Federal pautou a PEC 45?

A PEC foi uma resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao que vem sendo chamado de “ativismo legislativo” do STF, que seria interferir e até mesmo legislar no lugar do poder Legislativo. (No STF, 5 ministros já votaram a favor de descriminalizar a posse e o porte de maconha. Outros 3 votaram contra a proposta). Cabe ressaltar, no entanto, que uma decisão do Supremo a favor da inconstitucionalidade do artigo 28 da atual Lei de Drogas, não criaria uma nova lei, apenas estabelece um critério de quantidade para diferenciar traficantes de usuários. Esse é um dos grandes vazios da atual política de drogas no país e que abre brechas que agravam, ainda mais, o sistema prisional brasileiro.

Fazer uso de substâncias psicoativas é crime hoje no Brasil?

Em 2006, o Brasil despenalizou o porte para consumo pessoal de drogas. A Lei de Drogas, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que o usuário de drogas comete uma infração ao fazer uso de substâncias psicoativas, mas não pode ser preso desde que o uso seja pessoal, em quantidade considerada como de consumo e não haja indícios de tráfico. Ainda assim, o usuário pode ser criminalizado, recebendo sanções como o comparecimento a cursos ou prestação de serviços comunitários.

>>Leia também: Países ricos doaram mais para guerra às drogas do que para combate à fome

Apesar de despenalizar o uso, a legislação não define critérios objetivos para garantir a diferenciação entre usuários e traficantes. Na prática, quem faz essa distinção é o policial e o resultado são condenações que utilizam estereótipos sociais e raciais como principal critério. Assim, a pessoa flagrada com droga passa a ter que provar que não é traficante, contrariando o princípio da presunção de inocência.

Rejeitar a PEC 45 é legalizar as drogas?

Não. Votar contra a PEC 45 é manter a legislação vigente: a Lei de Drogas de 2006. Além disso, a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização do consumo da droga, e sim que os usuários não sejam presos, podendo a pessoa receber algum tipo de sanção administrativa.

O que está sendo debatido no STF sobre descriminalização de drogas?

A ação julgada pelo Supremo Tribunal Federal pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo. Conforme os ministros foram depositando seus votos, o julgamento caminha para estabelecer os critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes.

PEC x STF: Qual decisão irá valer?

A da PEC. No entanto, é importante salientar que uma nova judicialização do assunto pode ocorrer, caso uma nova ação seja apresentada por um dos legitimados do controle de constitucionalidade – isto é, pessoas, entidades e organizações que têm a prerrogativa de entrar com ação junto ao STF – conforme o art. 103 da Constituição Federal.

Como é feita a diferenciação de usuários e traficantes na lavratura do registro de ocorrência?

Desde 2006, está em vigor a lei nº 11.343, que despenaliza o usuário de drogas. Segundo o artigo 28 da legislação, a pessoa que é flagrada com substâncias ilícitas comete uma infração e não pode ser presa, porém a prática é considerada crime, sendo passível de sanções como o comparecimento a cursos ou prestação de serviços comunitários. Além disso, o usuário assina um Termo Circunstanciado de Ocorrência, que apesar de não gerar antecedentes criminais, endossa a criminalização do usuário, uma vez que o termo fica documentado em registro policial.

Como lidar com o uso problemático que não seja com pena de prisão?

A partir do momento em que vários governos se deram conta de que o atual modelo mundial de combate às drogas não tem funcionado e que gera ainda mais criminalidade e violência, diversos países passaram a adotar políticas públicas que priorizam um tratamento mais humanizado da pessoa usuária, sobretudo da que faz um uso problemático das drogas.

Isso porque se entendeu que o deslocamento do usuário da esfera criminal para as redes de atendimento psicossocial permite que a questão seja tratada do ponto de vista da saúde dessas pessoas e não pelo encarceramento. Tais medidas são conhecidas como políticas de redução de danos, que consistem na prevenção a possíveis danos causados pelas drogas, sem necessariamente focar na abstinência, a fim de fomentar a inclusão social do indivíduo.

Tratar o uso com prisão agrava o problema, afetando tanto a pessoa diretamente envolvida quanto famílias inteiras, uma vez que não poderão garantir o acesso a tratamento de saúde adequado e que respeite a dignidade de seus entes queridos.

>>Veja também: Por que tem tanta gente presa no Brasil? Que bom que você perguntou!

 

Por que ser contra a PEC 45?

Estudos e experiências internacionais mostram que a criminalização do uso de drogas não conduz à redução do consumo. Ao contrário, políticas punitivas tendem a aumentar a violência e sobrecarregar o sistema judiciário e prisional, ao passo que não acessam profundamente as causas subjacentes do abuso de drogas. Essa criminalização pode levar a uma maior relutância em buscar ajuda médica e tratamento por medo de perseguição legal. Isso agrava os problemas de saúde pública, afastando pessoas que usam drogas do serviço de saúde e de outros atendimentos.

Além disso, a proposta tramita em forma de Emenda Constitucional (PEC). O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é um pilar dos direitos e garantias fundamentais, assegurando direitos como a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão e o direito à vida e à segurança pessoal. A inclusão de um inciso que criminaliza a posse e o porte de drogas pode entrar em conflito com tais direitos inegociáveis, especialmente no que tange à liberdade individual e à privacidade.

Por se tratar de uma PEC, o projeto pode ser aprovado sem a sanção do Presidente da República, passando apenas pelo Congresso. Por isso, precisamos barrar a PEC em um só grito: criminalização não é a solução!

Você pode agir agora para ajudar a barrar essa proposta! Junte-se a Rede Justiça Criminal e organizações e movimentos parceiros e diga NÃO à PEC 45.
Acesse o site e envie seu recado: usuarionaoecriminoso.org

Publicado, originalmente, no site da Rede de Justiça Criminal

Você vai gostar também:

Imagem ilustrativa

Cis e trans: qual a diferença dos termos?

Glossário

3 min

Imagem ilustrativa

Saiba o que pode e o que não pode em uma abordagem policial

Para entender

19 min

Imagem ilustrativa

4 escritoras lésbicas brasileiras que você precisa conhecer

Notícias

3 min